Sob o bolsonarismo, o Acre tem um enorme passado pela frente

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O prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom, se filiará ao Partido Liberal (PL). Depois de tanto flerte – apaixonado, mas ainda não assumido -, a relação vai ser oficializada. Até Bolsonaro, acompanhado de sua senhora, participará da cerimônia. Quais as implicações da filiação de Bocalom ao PL e ao grupo político que lhe orbita? O que isso pode significar para Rio Branco e mesmo para o Acre?

Em termos gerais, no que toca à administração da cidade, pode-se afirmar, sem margem a dúvidas, que o resultado disso é péssimo. Como dissemos alhures, não faz parte do perfil dos bolsonaristas o bom-trato com a coisa pública. Não é do feitio deles governar, no sentido forte da palavra, isto é, cuidar, conduzir a pólis (a cidade, o estado, o país).

Bolsonaro é o exemplo mais insuspeito e emblemático disso. Em vez de governar o país, levou seus quatro anos de mandato fazendo campanha antecipada. Investiu todo seu tempo em guerra cultural, moral e política. Motociata pra lá, motociata pra cá. Vez em quando, uma lanchaciata. Tudo com nosso dinheiro. Cartão corporativo até o talo!

E, claro, em face da grande possibilidade de perder a eleição para Lula – o que as urnas sacramentaram – ele muito exercitou, com esmero, a arte que é seu forte: mentir e arquitetar golpes contra a democracia. Reunião golpista pra lá, reunião golpista pra cá. Tudo devidamente comprovado, com delações, documentos, áudios, vídeos.

Em certo sentido, seus eleitores e apoiadores sabem disso. Por isso, acabam lhe perdoando o desprezo para com a administração. Em verdade, satisfeitos com o simples fato de ele combater o petismo ou o “comunismo” como costumam dizer, chegam até a lhe premiar.

Se duvidam, digam-me o que Bolsonaro fez para merecer o título de cidadão rio-branquense? O que ele fez pelo Acre e por sua capital que, com justeza, lhe pudesse render esta honra? Será que ele não está ganhando o referido mimo somente por ter convidado seus apoiadores, em evento público no calçadão da Gameleira, para “metralhar a petralhada”?

Advogo, por isso, que Bocalom mostra coerência ao aderir oficialmente ao PL e, de maneira geral, ao bolsonarismo. São almas gêmeas. Pi-pi-pó-pó comunismo pra lá, pi-pi-pó-pó comunismo pra cá. Antes de qualquer coisa, devo reconhecer que ele vem demonstrando trabalho nos últimos meses. Entretanto, devo igualmente lembrar que nos dois primeiros anos de seu mandato a cidade estava visivelmente abandonada.

Ele cuidou apenas de pintá-la de azul. De uma ponta a outra da cidade, tudo azul. As ruas, mesmo as principais, eram prova desse abandono. Era buraco pra lá, buraco pra cá. Buraco pra todo lado. Pequenos, grandes, gigantes. Principalmente, gigantes. Ouso dizer que o “velho Boca” deixou para mostrar trabalho no período mais próximo das eleições. Não há porque tergiversar sobre isso.

“Realismo político. É assim que as coisas funcionam na política. Qual o problema?”, diz alguém. Ao que podemos responder: Pergunte à população o que ela acha de ser esquecida por, pelo menos, dois anos, e só ser lembrada no período em que já é possível ouvir o vozerio das eleições. Entre outras implicações, sem nenhuma pretensão de explorar o tema à exaustão, gostaria de salientar as implicações ambientais dessa relação que agora se oficializa entre Bocalom e o PL de Bolsonaro.

Crítico das políticas ambientais, Bocalom encontra no PL de Bolsonaro legenda perfeita ser acolhido (Foto: Secom PMRB)



Como estamos testemunhando, ano após ano, Rio Branco vem sofrendo drasticamente com os efeitos das mudanças climáticas. Pela recorrência dos fenômenos climáticos – cujo quadro aponta uma tendência de intensificação e expansão, conformando um novo normal em que o excepcional e a exceção ocupam o lugar da rotina e da regra -, a cidade deve ser repensada radicalmente, a fim de que esteja em condições de melhor enfrentar os eventos climáticos que já hoje a castigam.

Evidentemente, ninguém coloca na responsabilidade do atual prefeito da capital acreana a criação de tais problemas. Ninguém, em sã consciência, ousaria fazê-lo. Cabe, entretanto, fazer algumas ponderações. Entre as muitas facetas do negacionismo que é peculiar ao bolsonarismo, está a do negacionismo climático. Para bolsonaristas – entre eles, Márcio Bittar, negacionista de primeira grandeza e principal apoiador de Bolsonaro por essas bandas -, as mudanças climáticas são uma farsa.

Ora, é lícito perguntar: não terá sido por compartir tal crença que Bocalom condenou a dormitar na gaveta o Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima? Criado em 2020, esse Plano trata de temas candentes como energia, transporte, resíduos e usos da terra, tudo o que uma cidade ameaçada como Rio Branco precisa.

Enquanto isso, nossa capital figura entre os municípios com piores índices de coleta e tratamento de esgoto do país. De acordo com o IBGE, ela trata apenas 0,72% de seu esgoto – menos de 1%, portanto. Além disso, no que diz respeito à qualidade de seu ar, um levantamento feito pelo IQAir aponta que o nível de poluição do ar excede de duas a três vezes o recomendável.

É forçoso reconhecer que não é de hoje que Bocalom despreza a temática ambiental, sendo ferrenho crítico do “desenvolvimento sustentável” já há uns bons anos. Ao filiar-se ao PL, ele coroa sua trajetória e, não menos importante, se irmana com poderosos aliados. Sim. Pois não devemos esquecer que esse é o grupo político do vamos “passar a boiada”. Portanto, ele está em casa.

A propósito, condenado pelo assassinato de Chico Mendes, Darci Alves assumiu a presidência do PL no município de Medicilândia. No entanto, dada a repercussão negativa que isso gerou, a direção nacional do partido o destituiu do cargo.

Mas, sublinhe-se, só fizeram isso por conta da repercussão negativa. Não fosse isso, ele continuaria lá. Seria um casamento perfeito. Afinal, o PL é tão antiambiental e tão antiambientalista quanto Darci Alves. Entre eles, todos devem tremer ao ouvir a frase “Chico Mendes vive!”

Por esse ângulo, vê-se que não é casual o fato de Bocalom ter buscado guarida exatamente aí, no seio dessa irmandade agrocrata, em que uns tantos se mobilizaram, hoje sabemos, para manter Bolsonaro no poder através de um golpe de Estado.

Para ir aos finalmente, como dizemos por essas paragens (e pastagens?), é seguro afirmar que uma vitória de Bocalom nas próximas eleições significaria a vitória do fracasso. Seria, por assim escrever, a vitória do passado sobre o presente. Mas não de qualquer passado, e sim de um passado retrógrado, antidemocrático, violento, assassino. Assim, parafraseando Millôr Fernandes, posso dizer que, sob o comando do bolsonarismo, o Acre teria um enorme passado pela frente. Andaríamos em marcha à ré.

Todavia, em vez de um grupo que pense o presente à luz do passado, precisamos da vitória de um grupo que pense o presente à luz de um futuro todo ambíguo, que se apresenta na forma de promessas alvissareiras e de ameaças terrificantes. Se quisermos ser exitosos nas batalhas do futuro que já hoje assim se presentifica, não devemos pender nem para o otimismo ingênuo nem para o pessimismo paralisante.

E já que Marcus Alexandre disputa com Bocalom o topo das pesquisas de opinião, podemos perguntar: ele pode, de fato, representar uma alternativa?

Trataremos desse assunto em texto outro. Por ora, é isso. Hasta.



Israel Souza é Professor e pesquisador de Instituto Federal do Acre/Campus Cruzeiro do Sul. Autor dos livros Democracia no Acre: notícias de uma ausência (PUBLIT, 2014), Desenvolvimentismo na Amazônia: a farsa fascinante, a tragédias facínora (EDIFAC, 2018) e A política da antipolítica no Brasil, Vol. I e II (EaC Editor, 2021).

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