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VARADOURO – Um jornal das Selvas

O Varadouro é uma organização de comunicação social sediada em Rio Branco, a capital do Acre. Após escrever dentro de suas páginas impressas um dos momentos mais críticos da história da Amazônia brasileira, em plena época da ditadura militar, Varadouro retorna com o mesmo espírito de coragem e determinação para produzir um Jornalismo em defesa da Floresta Amazônica, agora na era digital. Continuamos a ser um veículo a dar vez e voz às populações excluídas da nossa região. Antes restrito a uma cobertura exclusiva às questões acreanas, Varadouro retorna conectado com as demandas de toda a invisível região Norte.

A nossa missão principal é fazer um Jornalismo da Amazônia para as populações da Amazônia – sejam as urbanas, as rurais e as da floresta. Há uma clara percepção de que as urgências globais de proteção da mais importante floresta tropical do mundo, bem como os efeitos das mudanças climáticas, são questões bem distantes das preocupações da sociedade local. Um discurso desenvolvimentista propagado pelas velhas oligarquias políticas e econômicas fazem propagar a ideia, entre os moradores da região, de que a manutenção da floresta em pé é o principal motivo para manter o Norte brasileiro na pobreza, apresentando os piores indicadores sociais e econômicos do país. Usando da estrutura da imprensa tradicional, propagam que apenas o agronegócio pode nos “tirar do atraso”.

A volta do Varadouro tem como objetivo trabalhar justamente a desconstrução deste discurso. Queremos dialogar com as nossas comunidades. Trabalhar um sentimento de identidade e pertencimento amazônicos. Queremos mostrar que podemos ser uma referência em crescimento econômico com geração de renda e riqueza para todos, a partir da floresta em pé. Queremos mostrar que, ao contrário do agronegócio, uma economia de base florestal, sustentável, diversa, baseada na tecnologia e valor agregado, não gera concentração de riquezas apenas para um pequeno grupo.

Muito mais do que a produção de conteúdo jornalístico, Varadouro trabalhará com a organização de oficinas e palestras com as comunidades amazônicas para a recomposição do significado do que seja ser amazônida. Vamos trabalhar olhando para dentro. Acreditamos que apenas e unicamente os moradores da Amazônia podem fazer a diferença entre a preservação ou a devastação da floresta. Trabalhar a consciência política de nossa sociedade para que, a cada pleito eleitoral, a população possa escolher representantes compromissados com a agenda de proteção ao meio ambiente.

Ano após ano, a região Norte é intensamente impactada pelos efeitos das mudanças climáticas. Secas e enchentes extremas afetam um número maior de pessoas. No ápice do período de estiagem, comunidades rurais ficam sem acesso à água potável. No período chuvoso, as grandes cheias destroem roçados e criações de comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas. Nas cidades, a população mais pobre é afetada, perdendo os poucos bens que conseguem adquirir com muito esforço e trabalho. O desmatamento acelerado, observado ao longo dos últimos anos, agrava os eventos climáticos na Amazônia, que passam a acontecer com mais intensidade e frequência.

Abordar estes temas com a nossa população é o que motiva o retorno do Varadouro para a era da comunicação digital; queremos fazer um jornalismo para dentro, e liderado por comunicadores daqui. Queremos falar a linguagem do caboclo, do indígena, do extrativista, do colonheiro, de quem está nas nossas cidades. Vamos produzir um conteúdo com a nossa cara, o nosso jeito amazônida de ser – um jornalismo nativo.

O Varadouro de hoje manterá vivo o mesmo valor que foi definido no editorial número um do jornal, apresentado ao público acreano em maio de 1977:

“Varadouro é, pois, um dever de consciência de quem acredita no papel do jornalista. É, propositadamente, feito aqui, na ‘terra’. Sai, portanto, de uma forma rude, cabocla, sem técnica, cheio de limitações e gerado pela necessidade de colocar em discussão os problemas de nossa região, do nosso tempo e principalmente de nossa gente.”



Um jornal em defesa da Amazônia

No final da década de 1970, em meio a um frenético e ditatorial momento político do Brasil, um ousado e irreverente tabloide ocasionava uma revolução no jornalismo da Amazônia: Varadouro. Em plena época de censura à liberdade de imprensa no país, um grupo de jornalistas no Acre fazia História ao dar visibilidade aos graves conflitos sociais, econômicos e da luta pela terra vivida pelos povos da floresta. Expulsos de suas áreas pelos “paulistas” que aqui aportavam com a missão de transformar a floresta em pasto para o gado, indígenas, seringueiros e pequenos agricultores eram empurrados para a miséria nas periferias de Rio Branco e outras cidades acreanas.

Em meio a este período de conflitos e confrontos que muitas das vezes resultaram em mortes, Varadouro era um dos poucos veículos de comunicação da Amazônia a retratar a realidade. Foram em suas páginas que figuras importantes neste movimento de resistência tinham voz para expor e denunciar a realidade ocasionada pela política do regime militar de “ocupação” da floresta. Entre eles estava Chico Mendes, que em 1988 foi assassinado em razão de sua luta em defesa das populações tradicionais da floresta, e que tanto incomodava os poderosos.

Passados quase 50 anos da impressão da primeira edição de Varadouro, o quadro social amazônico não mudou muito. A floresta e seus moradores vivem sob novas e velhas pressões. É verdade que muitas conquistas foram alcançadas, sobretudo para a pacificação dos conflitos no campo. A criação das reservas extrativistas, defendida por Chico Mendes, teve papel crucial para a pacificação dos conflitos pela terra. Todavia, a Amazônia ainda se caracteriza por grandes latifúndios nas mãos de poucas pessoas. E a invisibilidade em que a região ainda se encontra garante certa impunidade a quem atenta contra a preservação da floresta e sua gente.

Ressuscitar Varadouro neste momento pode ser definido como uma emergência amazônica. O Acre voltar a ter um veículo que garanta visibilidade às demandas de suas populações tradicionais, dos mais excluídos e invisíveis, se faz urgente. O momento de ascensão e consolidação política de uma extrema-direita reacionária – que defende a devastação da Amazônia em nome do “progresso” promovido pelo agronegócio – coloca em risco não apenas a manutenção da floresta em pé, mas a sobrevivência dos acreanos do campo. Nos últimos 4 anos, as taxas de devastação da floresta alcançaram níveis recordes – talvez comparáveis, apenas, com a época da ditadura militar. Isso acontece, exatamente, com o retorno da velha direita-conservadora ao poder, a partir das eleições de 2018.

Num momento também de graves consequências das mudanças climáticas em nossa região, com enchentes e estiagens cada vez mais extremas e frequentes, é preciso o exercício de um tipo de jornalismo que coloque a proteção da floresta como uma das principais preocupações da sociedade local. E este debate precisa acontecer não somente no campo das políticas, mas também (e sobretudo) na ciência e na experiência daquilo que já sentimos em nosso dia a dia. Essa é a proposta para o renascimento de Varadouro, que continua tão atual quanto foi há quase 50 anos.



Os fundadores

O primeiro time de jornalistas a liderar Varadouro entre os anos 70 e 80


O jornalista acreano Élson Martins é o principal criador do Varadouro na década de 1970. Nascido no Seringal Nova Olinda, às margens do rio Yaco, no município de Sena Madureira, ele é dono de uma extensa carreira jornalística, intelectual e cultural, Martins foi correspondente de “O Estado de São Paulo” para a Amazônia, trabalhando em Belém, Macapá e Rio Branco. As primeiras reportagens sobre aquele Acre explosivo foram publicadas nas páginas do Estadão. A partir de sua bagagem de repórter no periódico paulista, decidiu fundar Varadouro ante a escassez de jornais no Acre que retratassem as mazelas e os conflitos sociais.

Teve como parceiro nesta empreitada outro importante nome do jornalismo acreano: Silvio Martinello, que depois criaria “A Gazeta”. Juntos com outros repórteres, Élson e Silvio fizeram um jornalismo revolucionário para o contexto histórico da Amazônia nas páginas do Varadouro. Um jornalismo que permanece atemporal e bastante necessário para o Acre do século 21, que, infelizmente, ainda carrega muito do obscurantismo representado por uma direita reacionária e avessa à preservação da floresta e dos direitos dos povos que nela vivem. O Varadouro do anos 1970 ainda permanece atual. Por isso ele será recriado, agora adaptado para a era digital.


Um resumo da História do Varadouro

O Varadouro é um jornal acreano que circulou entre maio de 1977 e dezembro de 1981. Ao todo, foram 24 edições impressas num cenário de extrema dificuldades políticas, econômicas e operacionais para se manter um periódico em tempos de ditadura militar. Dificuldades ainda maiores num estado esquecido e invisível na Amazônia brasileira. Para se ter uma ideia, a única impressora disponível no Acre naquele momento pertencia ao governo estadual, cujos governadores eram indicados pelos generais. A primeira edição ainda chegou a ser impressa na gráfica oficial do Estado por conta da boa proximidade familiar entre o jornalista Élson Martins e o governador de então, Geraldo Mesquita.

Ao perceber o conteúdo do” jornal subservessivo”, Mesquita proibiu a impressão do Varadouro. Depois, outra gráfica disponível era de um concorrente, o jornal “O Rio Branco”, pertencente ao Diários Associados. A parceria durou pouco tempo por as reportagens incomodarem as elites locais. O principal financiador e entusiasta do Varadouro era o arcebispo de Rio Branco, Dom Moacyr Grechi, uma das figuras religiosas e políticas mais importantes da Amazônia naqueles anos turbulentos de conflitos sociais no campo, na floresta e nas cidades. E em meio a toda esta efervescência acreana-amazônica que Varadouro serviu como o principal instrumento de voz aos excluídos, aos invisíveis. Sua existência na Amazônia durante um regime de censura se equivalia a um dos jornais de oposição à ditadura mais importantes do país: O Pasquim.

Algumas das capas históricas do Varadouro. Jornal circulou entre maio de 1977 a dezembro de 1981, chegando a 24 edições


O que é um Varadouro

Os varadouros são as estradas, os caminhos abertos no meio da mata para conectar uma colocação ou seringal aos outros. Eram por essas trilhas que os seringueiros caminhavam (e caminham) para “riscar as seringueiras” para extrair o látex usado na produção da borracha. Vale ressaltar que, apesar da tentativa de romantização, a vida do seringueiro no meio da floresta era de plena escravidão. Vindos do Nordeste, fugindo da seca, chegavam já devendo fortunas impagáveis aos “patrões”, os seringalistas.

Eram proibidos de ter roçados nas colocações, pois deviam comprar tudo o que necessitavam nos barracões do dono do seringal, aumentando ainda mais os débitos. Com o fim dos ciclos das borrachas, os seringueiros continuaram em dificuldades, agora sendo expulsos de suas terras pelos “paulistas” que compravam terras a preço de banana na Amazônia, incentivados pela ditadura militar. Segundo Élson Martins, o nome varadouro dado ao jornal tinha como objetivo passar a ideia de conexão, de interligação entre as comunidades da floresta. Seria a notícia, o jornalismo nativo, circulando de um ponto a outro dentro da mata.

Um encontro de gerações (pelo Varadouro)

A proposta de ressurgir Varadouro é executada pelo jornalista acreano Fabio Pontes, que na última década dedica a carreira profissional para escrever sobre os mesmos temas abordados nas páginas impressas do jornal: populações indígenas e extrativistas, meio ambiente, conflitos sociais, direitos humanos, crises migratórias, política e outros. Notando o interesse crescente, no país e no mundo, pelo noticiário sobre a Amazônia, Pontes percebeu a carência de os temas característicos da região amazônica serem escritos, abordados por jornalistas e comunicadores nativos da região, ou mesmo daqueles que construíram suas vidas na Amazônia, e nela permanecem.

Este jornalismo amazônico produzido de cima para baixo, de fora para dentro – geralmente redigido desde o eixo Rio-SP – muitas das vezes está carregado de clichês, de estereótipos, da falta de compreensão da verdadeira e complexa realidade amazônica. Ao ressuscitar Varadouro, a proposta é para que de fato um jornalismo nativo seja produzido a muitas mãos e cabeças de quem está com os pés na Amazônia. Ao propor para Elson Martins o renascimento do Varadouro, Fabio Pontes destacou a necessidade deste jornalismo amazônico ser conduzido por quem vive na região, mantendo o respeito às identidades locais (incluindo a linguagem), à diversidade de vozes dos povos que estão nas matas e nas cidades.

O novo Varadouro volta na era digital, com reportagens em texto e outros tipos de mídia expostas na web, mas sem deixar de lado o desejo de um dia, quem sabe, ter uma versão impressa, como quase 50 anos atrás. Outro objetivo é fazer um encontro de gerações de jornalistas da região nas novas páginas (digitais) do Varadouro. Entre os escribas, atuando como colaboradores, colunistas, direcionando o rumo dos varadouros, estão os jornalistas que formavam a redação original, incluindo Élson Martins, Silvio Martinello, Arquilau de Castro Melo, entre outros repórteres da floresta.


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