Estudo científico comprova que desmatamento da Amazônia não assegura o progresso social
Índice de Progresso Social (IPS), elaborado pelo Imazon, mostra que transformar floresta em pasto não garante benefícios para as comunidades. Enquanto Feijó lidera o desmatamento no Acre e tem IPS de 48,09, em Guajará-Mirim, com 90% do território formado por áreas protegidas, índice é de 61,78. Dados colocam por terra principal bandeira da classe política local: a do desenvolvimento econômico por um agronegócio mais devastador
Fabio Pontes
Montezuma Cruz
(Dos Varadouros de Rio Branco e Porto Velho)
SE HÁ no Acre um município que represente com fidelidade as consequências ambientais desastrosas da política do agronegócio implementada pelo desgoverno bolsonarista de Gladson Cameli (PP), ele se chama Feijó. A boa terra do açaí, banhada pelo Envira, é o retrato da devastação sofrida pela Floresta Amazônica em todo o estado a partir de 2019. De lá para cá, Feijó sempre chamou a atenção pelas altas taxas de desmatamento e registros de focos de queimadas. O município – dono de uma das maiores concentrações de floresta intacta – passou a ser o triste retrato do desmonte das políticas de proteção ao meio ambiente tocadas por Cameli, e seu pupilo Jair Bolsonaro.
Conforme o último Relatório Anual de Desmatamento (RAD) do Mapbiomas, apenas em 2022 o total de mata derrubada em Feijó somou uma área de 17.194 hectares. Quando comparado com 2019, o aumento da destruição foi de 40%. A terra do açaí ficou na 24o posição entre os 50 municípios brasileiros campeões de floresta devastada ao longo do ano passado. Já o acúmulo de cicatrizes de queimadas, apenas em 2022, foi superior a 62 mil hectares – sendo o município o número um dentro do estado no “rastro do fogo”.
Toda essa devastação é consequência da política do desgoverno Gladson Cameli de afrouxar (e até acabar) com a fiscalização ambiental como forma de fomentar (e agradar) o agronegócio acreano. Afinal de contas, sua principal promessa de campanha era acabar com a política ambiental dos governos petistas – a “florestania” -, que tantos “atrasos” resultaram para a economia local (na visão da extrema-direita). Bem perto ali de Feijó, em Sena Madureira, o bolsonarista dissera, meses após assumir o Palácio Rio Branco, que ninguém mais precisava pagar as multas do “seu Imac, porque agora quem está mandando sou eu”. Era a porteira sendo aberta pra boiada passar bem antes de Ricardo Salles.
A pergunta é: a estratégia de deixar as motosserras e os tratores passarem sem nenhum tipo de incômodo por parte das autoridades sobre as florestas de Feijó trouxe algum tipo de progresso aos seus mais de 35 mil moradores? Só para lembrar, Feijó tem a maior população e diversidade de povos indígenas do Acre. Pelo o que mostram os resultados do Índice de Progresso Social (IPS), elaborado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a resposta para a pergunta é: Não. Os indicadores sociais do município fizeram foi é piorar a partir de 2019.
Em 2018, antes da ascensão bolsonarista ao poder, Feijó tinha um IPS de 49,94 (numa escala de 0 a 100). Em 2021, caiu para 47,48, e chegou a 48,09 no mais recente levantamento, divulgado no fim de julho. No ranking composto pelos 772 municípios da Amazônia Legal, Feijó está na 742o posição do IPS; Ou seja, os mais de 430 km2 de desmatamento detectados entre 2020 a 2022 – em geral áreas derrubadas para a abertura de pastos – não asseguraram mobilidade nos indicadores sociais, econômicos, de segurança – e muito menos ambiental para os feijoenses.
“O estudo, em grande parte, mostra que a dinâmica de desenvolvimento para a Amazônia baseada no desmatamento, pois de certa maneira a economia se move, nas últimas quatro décadas, na incorporação destas áreas pela pecuária, não compensa”, diz Beto Veríssimo, cofundador do Imazon e coordenador da pesquisa em entrevista ao Varadouro. Como lembra Veríssimo, 80% das áreas derrubadas na Amazônia foram ou estão sendo usadas para a criação de boi; as que não mais estão, são porque foram degradadas.
Após analisar 47 indicadores de qualidade de vida de áreas como saúde, educação, segurança e moradia, o IPS 2023 mostrou que o desmatamento está relacionado com o baixo desenvolvimento da Amazônia. O estudo apontou que os municípios que mais destruíram a floresta nos últimos três anos tiveram os piores desempenhos sociais. O Imazon fez uma análise criteriosa de todos os 772 municípios que formam a Amazônia Legal.
Distante pouco mais de 200 km de Rio Branco pela BR-317, Boca do Acre, no Amazonas, é outro município que chamou a atenção em taxas exorbitantes de desmatamento nos últimos quatro anos. Também marcado por uma série histórica de conflitos sociais no campo, Boca do Acre ficou na 616o posição do IPS Amazônia, com nota 51,32. Número abaixo do observado para o Amazonas (55,06) e da média nacional (67,94). Para toda a Amazônia Legal, o IPS 2023 foi de 54,32.
Outro município com altas taxas de queimadas e desmate é a capital de Rondônia. No ranking RAD/Mapbiomas, Porto Velho está no quarto lugar, com 48 mil hectares de floresta destruídos em 2022. Já na classificação IPS 2023 ocupa a 34o posição (61,31). Este “bom” resultado se explica: capitais e cidades com mais de 200 mil habitantes apresentam os melhores IPS.
“O IPS é um pouco melhor nas capitais e em alguns territórios com mais de 200 mil habitantes. Por outro lado, em geral, os municípios com altas taxas de desmatamento apresentam notas muito baixas. Isso mostra mais uma vez que a expansão da derrubada não gerou desenvolvimento na Amazônia. Pelo contrário, deixou os 27 milhões de habitantes da região sob condições sociais precárias”, completa o pesquisador do Imazon.
De acordo com o Beto Veríssimo, na comparação com os estudos anteriores, houve avanços e retrocessos. “Entre as melhorias e os retrocessos, nós ficamos no mesmo lugar.” Completa o especialista: “o desmatamento, para grande parte da Amazônia, não compensa para o progresso social. A ideia de que o desmatamento vai melhorar o quadro social não tem nenhuma evidência, com base no IPS, em grande parte do território.”
Rondonização amazônica
Quando se olham os dados referentes a Rondônia, por exemplo, que baseia seu desenvolvimento na “pujança do agronegócio”, o estado tem um IPS acima da vizinhança. O IPS 2023 de Rondônia ficou em 56,71, enquanto o Pará – também campeão em desmatamento – obteve 52,68. O estado de Rondônia é um dos exemplos apontados por Veríssimo sobre as diferenças encontradas dentro de um mesmo estado.
Localizado no extremo-oeste rondoniense, na fronteira com a Bolívia, Guajará-Mirim tem a maior área de floresta preservada no estado. Isso, em grande parte, graças a mais de 90% do território estar protegido por unidades de conservação e terras indígenas. Recentemente, como mostrou Varadouro, o governador Marcos Rocha (União) até se queixou da “maldade” que fizeram com Guajará-Mirim.
Bem preservado, Guajará-Mirim tem um IPS 2023 de 61,78. O índice fica bem acima dos municípios onde há maior concentração de áreas desmatadas para o agronegócio, incluindo a capital (IPS 61,31), Nova Mamoré (54,95), Buritis (54,9), Ariquemes (58) e Machadinho D’Oeste (57,82). Já quando se vai para a região mais leste, próxima à divisa com Mato Grosso, onde está mais concentrado o agronegócio, os indicadores evoluem. É o caso de Cacoal (63,95), Ji-Paraná (62,52) e Vilhena (63,09).
É este modelo de progresso promovido pelo agronegócio à Rondônia (chamado de rondonização) que os bolsonaristas hoje no desgoverno do Acre prometiam implementar – não fizeram nem uma coisa, nem outra. Para eles, bastava acabar com a fiscalização ambiental e todos os problemas sociais e econômicos do Acre estariam resolvidos. O único legado deste modelo é o avanço do desmatamento para as áreas mais bem preservadas da Floresta Amazônica, isso num estado que ainda consegue manter de pé 86% de cobertura florestal. Nas cidades, a pobreza ainda predomina, os serviços públicos são precários e as facções criminosas consolidam sua hegemonia.
O fato é que o estudo do Imazon – feito a partir da análises de dados científicos e consolidados de instituições públicas e de pesquisa – mostram que o discurso propagado nos estados da Amazônia de que deixar tudo flexível para derrubar e colocar o boi não proporciona progresso, apenas o atraso. Os dados colocam por terra discursos proferidos por políticos como os próprios governadores do Acre e de Rondônia, do prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom (PP), do senador Márcio Bittar (União), – todos entusiastas da bovinização. Contra fatos (ou dados), não há argumentos.
O que é o IPS
O IPS é um índice de prestígio internacional criado em 2013 para analisar as condições sociais e ambientais de qualquer território (países, estados, municípios e até mesmo comunidades). Concebido a partir do entendimento de que os índices de desenvolvimento baseados apenas em indicadores econômicos são insuficientes, o IPS utiliza exclusivamente variáveis socioambientais. Eles são agrupados em doze componentes e três dimensões, os quais geram uma nota de 0 a 100, do pior para o melhor, para cada um deles. O IPS Amazônia é a média dos índices das três dimensões. Necessidades Humanas Básicas, Fundamentos para o Bem-estar e oportunidades.
“O IPS foi concebido para medir a condição social de países, estados e municípios Ele faz essa medição muito além do IDH. O IPS mede qualidade da moradia, nutrição, ele mede liberdades, ele cita violações contra minorias, a qualidade da internet, segurança pública que é um tema essencial para quem está na Amazônia hoje. O IPS é uma lente mais ampla, consegue detectar muito mais os fenômenos sociais”, afirma o coordenador da pesquisa. De acordo com Beto Veríssimo, os métodos do IPS foram concebidos a partir de estudos feitos pelas universidades de Harvard, e Oxford, além do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT (na sigla em inglês).