JUSTIÇA REALIZADA

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Júri em Jaru condena a 18 anos assassino do líder indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau

A liderança Ari-Uru-Eu-Wau-Wau durante monitoramento do território alvo de invasões (Foto: Neidinha Suruí)




A vida do guardião da TI Uru-Eu-Wau-Wau foi ceifada quatro anos atrás após um desentendimento em bar de Jaru; Ari era uma das mais importantes lideranças do povo Uru-Eu-Wau-Wau que denunciava e combatia invasões ao território por madeireiros e garimpeiros. Para lideranças indígenas de Rondônia, sentença é uma sensação de Justiça


Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho


Dezoito anos de prisão foi a pena imposta, em julgamento segunda-feira (15), pelo Júri Popular, da comarca de Jaru (distante 292 quilômetros de Porto Velho), ao comerciante João Carlos da Silva pelo assassinato da liderança indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau. O crime ocorreu em 2020. Ari integrava grupo de vigilância que fiscalizava a Terra Indígena uru-Eu-Wau-Wau e denunciava invasões.

Para o Ministério Público Estadual, Ari Uru-Eu-Wau-Wau morreu sem a mínima chance de defesa. Enfraquecido pelo efeito do álcool oferecido pelo próprio assassino, ele foi atacado, espancado e arrastado do lugar onde se encontrava. A defesa de João Carlos ainda esboçou a “falta de provas suficientes” sobre a autoria do crime.

Após a condenação, a indigenista e ativista ambiental Ivaneide Bandeira Cardozo, Neidinha Suruí, acompanhada da filha ambientalista Txai Suruí (filha do cacique Almir Paiter Suruí) declarou: “Esse julgamento mostra que a gente pode acreditar que a justiça se realiza.” “Agora a gente precisa que o mandante, quem ajudou ele a assassinar o Ari, também seja punido e responda pelo crime”.

Txai Suruí, coordenadora da Kanindé, também se manifestou pedindo o fim da violência contra os “guardiões da floresta.” “Não podemos permitir que o Brasil continue violentando e matando os nossos líderes e os nossos defensores”, disse.

O corpo de Ari Uru-Eu-Wau-Wau, que tinha 34 anos à época do crime, fora encontrado com marcas de espancamento no dia 18 de abril de 2020, em uma estrada de Tarilândia, interior do município de Jaru, na Amazônia Ocidental Brasileira. Invasões e roubo de madeira dentro dos territórios indígenas têm sido constantes em Rondônia. Recentemente, a situação complicou e o líder André Karipuna desabafou ao Varadouro. Leia: Pedindo socorro

Transmitido ao vivo pela TV do Tribunal de Justiça de Rondônia, o júri durou 12 horas. O comerciante deverá cumprir pena em regime fechado, por homicídio qualificado. Seu advogado poderá recorrer da sentença.

O território dos Uru-Eu-Wau-Wau possui 1,8 milhão de hectares e se constitui um dos últimos grandes remanescentes de floresta no estado. Desde o contato com o povo feito pelo falecido sertanista Apoena Meireles, no início dos anos 1980, a cobiça por seu território fora denunciada à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas a resistência aos invasores só veio ocorrer 30 anos depois, quando eles organizaram uma espécie de guarda própria.

Em 2016, desalentado com sucessivas invasões à terra indígena, o então governador do estado, Confúcio Moura (MDB), pedia o apoio da Funai e do Ministério da Justiça para enfrentar a situação. Só depois, ações da Polícia Federal permitiram mapear as áreas cobiçadas por madeireiros. Além dos Uru-Eu-Wau-Wau, as TIs Karipuna e Karitiana, ambas em Porto Velho, figuram nas planilhas de operações das forças de seguranças federais contra o roubo de madeira e a grilagem.

Em janeiro deste ano, em matéria publicada pelo Varadouro, Neidinha Suruí, apontava o perigo das novas invasões.

Bebida alcoólica

A exemplo de situações anteriores, quase todas fugindo ao controle da Funai – que perdera até a sua antiga 8ª Delegacia Regional em Porto Velho – a bebida alcoólica entrou no cenário da vida indígena em Rondônia. O Ministério Público Federal relatou a ida de Ari Uru-Eu-Wau-Wau ao bar do comerciante João Carlos na noite de 17 de abril de 2020, uma sexta-feira. Ele teria oferecido bebida ao líder indígena antes de praticar o crime..

No processo, testemunhas contaram que o comerciante anteriormente havia ameaçado o indígena de morte, “porque estava insatisfeito com a alteração de comportamento de Ari após a ingestão de bebida.”

Casos anteriores de ingestão de álcool em Mato Grosso, Rondônia, Acre e Amazonas são analisados por pessoas estranhas à antropologia indígena. Desta maneira, as primeiras análises e conclusões logo são tomadas sob o aspecto da “alteração de comportamento”, deixando-se ao largo da história diversas situações da entrada de bebida alcoólica em terra indígena, pelas mãos dos próprios invasores interessados na pesca, na madeira, e até em mulheres.

O caso Paiter Suruí, onde pequenos templos evangélicos passaram a funcionar de duas décadas para cá é surpreendente. Ali, a título de levar o Evangelho e combater o alcoolismo, pastores convenceram o próprio pajé Perpêra – que se livrou sozinho da Covid-19 – a vestir terno e gravata, abandonando curas tradicionais. Um documentário na internet intitulado “Ex-pajé” relata o triste episódio.

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