FRONTEIRAS DA DEVASTAÇÃO

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Após Amacro, agronegócio mira expansão de suas fronteiras para regiões intocadas da Amazônia

A rota Amacro: conhecida como 4 Bocas, cruzamento das rodovias BR-36 e BR-317 interliga a triplíce divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia – a nova fronteira do desmatamento na Amazônia (Foto: Secom/AC)


Para o sociólogo da Universidade Federal de Rondônia (Unir) Afonso Chagas, os Vales do Purus, Juruá e do Javari são os próximos alvos da frente de expansão do agrenegócio na Amazônia. Varadouro conversou com um dos principais especialistas na implementação da zona Amacro, cujos impactos são um pacote de crimes ambientais ao longo dos últimos cinco anos, incluindo grilagem e invasões a unidades de conservação e terras indígenas.



Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco

Se há uma palavrinha do noticiário socioambiental brasileiro que ganhou destaque nos últimos cinco anos, esta é Amacro. Por estar associada a uma série de crimes ambientais na Amazônia desde 2019, a palavra, que é a junção das siglas de Amazonas (AM), Acre (AC) e Rondônia (RO) – daí Amacro -, passou a ser usada com recorrência no noticiário do paíss. Apesar de ser apresentada como uma zona de desenvolvimento sustentável (ZDS), na verdade a Amacro se tornou uma fronteira de expansão do desmatamento sobre a Floresta Amazônica – e com forte potencial para avançar rumo a regiões protegidas da ação humana.

A Amacro pode ser definida como a “prima pobre” da zona Matopiba – que abrange as divisas de estados do Norte e Nordeste – e vendida, desde 2015, como o novo celeiro da produção agropecuária do país. Uma região pujante, movida pela força do agronegócio. Tudo propaganda, dizem os críticos. A ideia era fazer o mesmo com a zona Amacro. A partir da consolidação da força bolsonarista no país e nos três estados, a porteira foi escancarada para o agronegócio se tornar a principal força econômica da região. E a soja seria a responsável por puxar este processo. Para tanto, a principal estratégia foi fragilizar as legislações ambientais estaduais e acabar com as já escassas fiscalizações. A boiada passou.

A região Amacro virou um celeiro de crimes ambientais na Amazônia, com taxas recordes de desmatamento e queimadas, invasões de terras públicas (incluindo unidades de conservação e terras indígenas), grilagem, garimpo e roubo de madeira. Os conflitos sociais pela terra também cresceram. O rastro da devastação é visível até hoje. “Quando você pega os 32 municípios [da zona Amacro], é onde essas duas frentes [pecuária e soja] avançam, mas também onde se expande a prática de crimes, a violência no campo, a tentativa quase que incontrolável dos governos estaduais de desafetar as unidades de conservação. “, afirma Chagas.

Mas afinal de contas, o que é a zona Amacro? Quem a concebeu? Quem é o pai ou a mãe da criança? Ela existe legalmente? Quais suas intenções? Para obter esta e outras respostas, Varadouro conversou com o sociólogo Afonso Chagas, professor da Universidade Federal de Rondônia (Unir), em Porto Velho.

Ele é o principal estudioso e uma das vozes mais críticas sobre a Amacro. Ele alerta: após a ampliação das áreas de pecuária e monocultura nas regiões mais a leste dos territórios do Acre e do Amazonas, os próximos alvos da frente do agronegócio são os vales do Purus, do Juruá e do Javari, no extremo oeste da Amazônia – as regiões mais bem preservadas do bioma, e cobiçadas pelo capital.

“Hoje a Amacro já está dentro daquela Amazônia que é chamada Amazônia sob pressão. Tem uma Amazônia já toda desmatada, essa é a sobre pressão, e ela vai chegar na Amazônia florestal, que é essa aí que a gente fala do Vale do Juruá, que pega a direção ao Vale do Javari, ao Cabeça do Cachorro, essas áreas todas. Áreas preservadas, mas sob fortes pressões”, diz Afonso Chagas.

A seguir, a entrevista completa:


Varadouro (v): O que é a Amacro? Quem a concebeu? Quem é o pai ou a mãe dessa proposta? Ela já tinha uma concepção antes da ascensão dos governos bolsonaristas da região?

Afonso Chagas: Na mentalidade, principalmente do pessoal da Frente da Agropecuária, e aí estou falando da bancada parlamentar, já havia essa concepção de avançar para a Amazônia desde 2015. Institucionalmente falando, porque com o arco do desmatamento, que ganhou notoriedade em 2013, já havia ali um aceno de que eles pretendiam sair do Matopiba e avançar sobre a Amazônia. O discurso da Kátia Abreu no Congresso, em 2015, ela diz o seguinte: “Tem uma coisa que nós da frente temos certeza, que não vamos entrar mais na Amazônia, que é a Amazônia protegida”. Então Matopiba seria, na fala dela, “a última fronteira agropecuária do mundo”, a maior e a última. E não é verdade por duas razões: primeiro, porque uma parte do Matopiba já era bioma amazônico. E segundo, porque não demorou muito pra perceber que, ao entrar pelo Matopiba, na verdade a intenção era condensar todo um sistema de avanço pelo sul do Pará, e aí pegando os itinerários das estradas, sempre o caminho das estradas, a BR-230, a Transamazônica, e principalmente na parte do Pará, a BR-163. Então, para mim, nasce dessa mentalidade que ela já estava meio que incubada, inseminada dentro dos grandes interesses, sobretudo dos interesses mais corporativos da agropecuária. Aqui para nós, o Assuero Veronez fala que ele é o pai da ideia. No entanto, a gestão, a gestação da Amacro, ela se dá dentro do mesmo laboratório do Matopiba. E aí eu vejo uma convergência de destinos que é a Embrapa Territorial. Para mim, a Embrapa presta um serviço técnico de fazer um desenho da Amacro. E esse desenho, ele está justamente em rota de continuidade com o arco do desmatamento.



V: Então essa ideia nasce na Embrapa?

Chagas: Em matéria de DNA, é a Embrapa Territorial. E eles têm um lance interessante que os discursos da Embrapa Territorial são assim: “A Amacro é um protótipo, é um laboratório”, porque nós queremos avançar por onde? Daí eu vou ver para onde, e esse documento está na Sudam. Nós queremos avançar primeiro pelo Tapajós. Eles entendem que o Tapajós ainda tem um campo, e aí o desenho Tapajós é a ligação até onde vai a BR-163, ligando com essa direção que termina em Lábrea, que deveria, em tese, terminar em Tabatinga, que é a Transamazônica. Então eles desenham essa questão a partir dali. Eles chegam a citar em vídeos e em conferências até o Vale do Purus.



V: Aí entra a Transpurus?

Chagas: A Transpurus, toda essa questão. Quando a gente vê essa realidade, se você pega, por exemplo, cidades do Vale do Purus, Lábrea, Boca do Acre, que lideram o desmatamento e o avanço da pecuária, e se a gente vê o quanto que a fronteira da agropecuária avança – e aí é da pecuária, mais do que da agropecuária. Lábrea tem um crescimento de rebanho bovino nos últimos dez, 15 anos, de mais de 4.000%. Boca do Acre e Lábrea e Apuí estão sendo os grandes fornecedores de carne para todo o estado do Amazonas. Menos de leite, mas mais de carne bovina. Vai para Manaus, para o consumo interno também. Você tem dois ou três municípios que abastecem um estado inteiro e uma cidade do porte de Manaus. Agora existe o outro dado, que é o avanço daqueles que falam o seguinte: olha, a pecuária se expande cometendo quase que um ecossistema de crimes; grilagem, tráfico ilegal de madeira., roubo da madeira, invasão de unidades de conservação e terras indígenas. Tudo isso é um conjunto, um consórcio de crimes.

Expansão da soja é a principal força a mover o agronegócio da região; os 32 municípios da zona Amacro apresentam as melhores terras para o monocultivo (Foto: Marcos Vicentti/Secom/AC)



V: Como a pecuária e a monocultura se relacionam nisso?

Chagas: O pessoal do agro faz um discurso meio que esquizofrênico e fala assim: “Esse lado do agronegócio comete esses crimes. Agora nós, do monocultivo, não cometemos crimes”, que é o que está acontecendo em Humaitá, a região de Humaitá, onde a pecuária não avança. O que avança em Humaitá? Soja. E aí o Basa, o Banco da Amazônia, e outros estimulam a construção de portos, por exemplo, como é o porto da Masutti, que é um porto de escoamento para muitas toneladas de soja. E aí falam: “Não, mas era pra desafogar um pouco o porto da margem lá de Porto Velho.” Não só, não só, é porque a soja, o plantio de soja, está aumentando muito nessa região no sul do Amazonas, aumentando aqui na região do Acre. E não há nenhuma coincidência. Quando você pega os 32 municípios [da zona Amacro], é onde essas duas frentes avançam, mas também onde se expande a prática de crimes, a violência no campo, a tentativa quase que incontrolável dos governos estaduais de desafetar as unidades de conservação. Dos três [estados]. Rondônia, pioneiro, quer fazer a desafetação de muitas áreas protegidas.



V: Aqui no Acre temos a tentativa de desafetação da Resex Chico Mendes.

Chagas: É um verdadeiro crime, né? Eu até considero o Acre um alvo especial para eles nesse momento, porque eles já têm dados de que esses municípios têm terras muito boas, propícias para o monocultivo, e que não compensaria você apostar muito em pecuária. Vamos direto, vamos ultrapassar, vamos direto para a soja, para o milho, na entressafra, essas coisas. Eu vejo que a pergunta era quem. De quem é a paternidade? Para mim ela é estatal, muito estatal. Há um programa de dentro das instâncias e da teoria do desenvolvimentismo dessas instâncias, principalmente da Embrapa, em patrocinar e promover esse tipo de situação.



“O objetivo da Amacro é a a expansão da fronteira agrícola, estimular pelo menos esses dois ou três ramos fontes do agronegócio para exportação. Temos a pecuária como protagonista principal no avanço da fronteira sobre as florestas, principalmente áreas não destinadas, terras públicas não arrecadadas.”



V: Então é uma criação também institucional, do Estado brasileiro.

Chagas: Só que tem uma coisa interessante aí que eu queria ver contigo. Veja bem, hoje já tem um decreto que desconstitui o Matopiba, ou seja, o Matopiba foi reconhecido pela Dilma através de um decreto. E esse decreto tinha um prazo de validade. Venceu em 2021, 2022. Ou seja, institucionalmente, o Matopiba não existe mais.



V: Nenhum governo renovou isso?

Chagas: Não renovou. Mas por que não precisa renovar? Porque não é mais importante. Quer dizer, já é desnecessário ter um decreto. O estrago já foi feito, a frente já avançou. E essa frente ela não é só um avanço gratuito, é um avanço patrocinado. Por isso que o subsídio estatal para construir rodovias, portos, área de abastecimento, construções para armazenamento, secagem de produção de grãos, ele está disseminado hoje.



V: E estes subsídios fomentam os crimes ambientais na Amazônia.

Chagas: E aí é o que acaba ocorrendo. Então acaba sendo até o cara que derruba ilegalmente, forma pastagem e pratica uma espécie de intermédio de comércio imobiliário de balcão de terras para futuros fazendeiros, ele também, de certa forma, está subsidiado, muitas vezes não diretamente naquela área, mas por outro ramo de subsídio. Sem falar dos principais ilícitos, que são o da madeira, do contrabando, de certas questões.



V: Pelo discurso oficial, a Amacro é uma zona de desenvolvimento sustentável, uma ZDS. O que seria essa ZDS? Qual é a utilidade de se ter uma ZDS para o agronegócio?

Chagas: A ZDS, enquanto uma zona de desenvolvimento sustentável, foi uma espécie de abstração que eles fizeram. Vamos ter uma concepção teórica, mas vamos formalizar esses processos da Amacro nos estados. Fizeram lançamentos oficiais em Rio Branco, em Porto Velho, mas em Manaus não, atentos aqui, porque Manaus é a única capital que escapa [da zona geográfica Amacro]. Eles preferiram lançar o projeto em Humaitá por conta de todo o simbolismo que ela carrega, porque é um ponto de entrecruzamento. Você liga Humaitá com a BR-319, que liga com a BR-230, e você liga Humaitá com a BR-364. Aí temos os três estados conectados.



O sociólogo Afonso Chagas, da Unir. Amacro já se constituiu de forma prática, sem a necessidade de regulamentação (Foto: Varadouro)





V: Como estão os investimentos para esta ZDS?

Chagas: Quando a gente consulta na página da Suframa a destinação de recursos, já tem aportes nos orçamentos que estão sendo executados em Porto Velho. Esses aportes estão sendo executados em pavimentação de acesso aos portos e na região de Humaitá para fortalecer a estrutura, tanto do porto que já existe, como de outro porto graneleiro. Então, a ZDS ficou muito na sede das conferências, não houve um marco regulatório legal, mas dentro do programa da Suframa, por exemplo, a gente já vê que é um programa de 2022 a 2027, contempla um setor do programa Amacro. Ele já identifica, localiza a Amacro. Ela está institucionalmente estabelecida, constituída. Ela independe de um decreto. Como isso está preso ainda no Ministério da Integração, quer dizer, precisa de uma chancela governamental. A essas alturas, eu acho que nem eles mais estão tão interessados nisso, porque eles já têm instâncias ou sub-instâncias que vão monitorando esse processo. A Suframa, a própria Sudam.



V: Qual o principal objetivo da zona Amacro? Seria para fomentar o agronegócio?

Chagas: Expansão. A expansão da fronteira agrícola, estimular pelo menos esses dois ou três ramos que são fontes do agronegócio para exportação. Pecuária como protagonista principal no avanço da fronteira sobre as florestas, principalmente áreas não destinadas, terras públicas ainda não arrecadadas e nem destinadas, aí o monocultivo da soja e a produção do milho entram em seguida. Todos voltados para uma lógica de exportação, seria aquelas commodities primárias, a reprimarização das exportações, onde ainda há mercado consumidor para tanto.



V: Segundo o Mapbiomas, a Amacro é a nova fronteira do desmatamento da Amazônia. Ela representa a expansão do arco do desmatamento. Há alguma chance do governo Lula legitimar sua existência por meio de um decreto?

Chagas: Eu penso que o estrago que a Amacro fez, no sentido de ampliar a possibilidade de fronteira agrícola, talvez a repercussão do estrago, contenha a institucionalização por parte do governo federal. Na atualidade, talvez o desmatamento avance menos na região, mas também muito pouco se fez, ou quase nada se fez, no sentido de você reverter essa situação, por meio de programas que suspendam a titulação de terras em áreas públicas. Mesmo sendo sugerido isso ao governo, de suspender essa política de expedição, a verdadeira farra de titulação não parou, não cessou. Tem muito título de propriedade privada sendo expedido em terras públicas, principalmente na Amacro. O que cessou, na verdade, foram os crimes mais imediatos. Por exemplo, a fiscalização sobre terras indígenas, sobre unidades de conservação surtem efeitos. Acho que se não houver uma política de reverter os estragos que o avanço da fronteira do agronegócio impôs sobre a região da Amacro, e isso de forma efetiva, através de punição, de responsabilização, o quadro tende a se agravar nos próximos anos.

Paralelo ao avanço do agronegócio, zona Amacro registra explosão de crimes ambientais, como desmatamento ilegal, grilagem e roubo de madeira (Foto: Secom/AC)





V: E qual é o legado da Amacro até hoje?

Chagas: O que ela deixou? Infelizmente, assim como no Matopiba, que prometia resolver os problemas e aumentar IDH, aumentar a renda das pessoas, a qualidade de vida, todas essas eram promessas feitas para os municípios do Matopiba e, passados quatro ou cinco anos depois, pelo contrário, o IDH não melhorou, a desigualdade aumentou e a miserabilidade, principalmente provocada por pessoas que vão para os núcleos urbanos, expulsas do campo. A gente vê muito isso na Amacro. A Amacro hoje é uma ficção onde dois ou três municípios tentam alavancar algum tipo de lucro, de avanço naquela linha do desenvolvimentismo. São Humaitá, Porto Velho, Ariquemes, Lábrea e Rio Branco. Eles passam a ser centros geradores de estrutura de escoamento, de modais de transporte, para cumprir ou para seguir os interesses de grandes produtores do agronegócio e fomentar a indústria da grilagem. Sem resolver esse precedente, esse passado de uma necessária organização e ordenação fundiária, a Amacro vai estar apenas cumprindo um papel de ser impulsora de novas ZDSs que vão ser implementadas na Amazônia, que é o pior.



V: E isso representa o avanço do agronegócio para áreas intocadas da Amazônia?

Chagas: Área de de floresta que estão intactas. Hoje a Amacro já está dentro daquela Amazônia que é chamada Amazônia sob pressão. Tem uma Amazônia já toda desmatada, essa é a sobre pressão, e ela vai chegar na Amazônia florestal, que é essa aí que a gente fala do Vale do Juruá, que pega a direção ao Vale do Javari, ao Cabeça do Cachorro, essas áreas todas. Áreas preservadas, mas sob fortes pressões. E aí quando a gente olha, por exemplo, o estado do Amazonas, 56% das unidades de conservação são estaduais.



V: Politicamente falando, áreas bem fáceis de serem desafetadas.

Chagas: Muito fácil, muito fácil. São apenas dois toques: um na Assembleia Legislativa, alteram a unidade de conservação e as transformam numa zona de desenvolvimento sustentável. Depois, basta o governador sancionar. Outra coisa interessante que é preciso fazer o registro: há muita adoção de uma retórica de fomentar a produção, renda e desenvolvimento para as populações tradicionais. É um discurso muito rotineiro dos arautos da Amacro. E o que é isso? Esse negócio que eles chamam de bioeconomia, na verdade nada mais é do que bionegócio, de você tentar agregar alguma coisa ao agronegócio no sentido de poder criar camadas de amortecimento, de aceitação, de aceitabilidade por parte dos povos tradicionais. Então, investir em turismo, levar a tecnologia, como é a promessa para as áreas mais longínquas e produção vinculada e integrada a grandes redes de produção de cosméticos ou essas coisas… Isso tudo são discursos, é cosmética que se aplica em cima. Na verdade, o grande interesse é a expansão da fronteira, da exploração da pecuária, da soja, da monocultura. A Amacro, hoje, é uma zona de desenvolvimento sustentável, criada ou não criada, mas já existindo. É praticamente de fronteira, e é onde fica tudo mais fácil de você cometer sobre essas áreas de passivo, que te ajudam a fazer algum tipo de lavagem.



V: Você fala da fronteira geográfica da Amacro com os países vizinhos?

Chagas: Exatamente. Há um estudo, portanto, é preciso citar que não é um estudo meu, de um organismo que tem levantado a ideia da presença de organizações criminosas em todos os municípios de fronteira, especialmente nos municípios de desenvolvimento da Amacro. E qual é a ideia? A ideia é você patrimonializar esse passivo. Você vai patrimonializar tendo uma serraria, comprando e vendendo madeira, você vai fazer apropriação de terra pública. Você vai criar gado. Não se trata mais aqui do ilícito, da droga, do traficante, do tráfico. É você transformar isso em postos muito bem demarcados de atuação dessas organizações criminosas. E o potencial lesivo do índice de letalidade da atuação é extremo em regiões onde eles têm um controle quase que em grande parte absoluto sobre a vida da cidade. Na política pública, na política, eles fazem essa influência e são associados a uma geopolítica de um crime internacional, já com as devidas ramificações.

Governador do Acre, Gladson Cameli (PP), principal entusiasta da zona Amacro, em plantação de soja; durante seu primeiro mandato, estado registrou níveis recordes de desmatamento e queimadas (Foto: Odair Leal/Secom)




V: Em resumo, a Amazônia ainda continuará a viver muito tempo sob e sobre pressão?

Chagas: Tem ainda um estoque muito grande para sofrer pressão. E o que está sendo implementado como possível política de contenção a essa pilhagem da Amazônia, para mim, não é suficiente. Temo muito que esse processo da Amacro, venha, infelizmente, a contar com a adesão popular. Seus defensores injetam, de forma muito fantasiosa, mas eficiente, a ilusão nas pessoas de que a soja emprega, gera renda, mobiliza comércios, aquece a economia. Isso é fictício. Se a gente pegar o valor agregado bruto dos nossos estados, a gente vê que dos três estados da Amacro, Amazonas, Rondônia e Acre, o PIB bruto do agronegócio perde tanto para o setor de serviços quanto para o de comércio. Por quê? Porque essa renda [do agronegócio] não gira, ela não se transforma em mais riqueza e é concentrada. Sem falar a Lei Kandir, que isenta de pagar imposto de exportação.


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