Juiz federal do Amazonas solta líder comunitário que retorna neste domingo a Rio Branco

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Paulo Sérgio desembarca neste domingo em Rio Branco (Foto: Mário Manzi, CPT-AC)

Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho

O juiz federal substituto na 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas, Rodrigo Mello, determinou a soltura do líder da Comunidade Marielle Franco em Lábrea (AM), Paulo Sérgio Costa de Araújo. Ele estava recolhido desde março à cela 10 do pavilhão 6 do Centro de Detenção Provisória em Manaus. Paulo volta para a casa da família em Rio Branco neste domingo (28) para cumprir prisão domiciliar com monitoração eletrônica em casa, no Bairro Xavier Maia.

Cautelosa, a família dele quer evitar movimento e comemoração. Segundo relatou um parente, durante a semana uma camionete com vidro fumê passou seguidas vezes na rua da residência de Paulo. Ministério Público, Comissão Pastoral da Terra e Centro de Defesa dos Direitos Humanos serão informados desse fato.

Famílias da Comunidade vivem situação tensa desde o ataque de policiais e jagunços

Paulo Sérgio fora preso em Boca do Acre no dia 4 de março passado por decisão do Juízo Plantonista da Comarca de Lábrea, a 852 quilômetros de Manaus.

A representação para prisão preventiva dele, apresentada à Justiça Estadual repete tantas outras espalhadas pela Amazônia Ocidental Brasileira, notadamente em Rondônia, estado tido como “exemplo do agronegócio.” Ou seja: para fazendeiros paranaenses que insistem numa duvidosa reintegração de posse, Paulo Sérgio seria “líder de organização criminosa voltada à prática de invasões e esbulhos de grandes propriedades.”

Paulo tem diabetes, hipertensão, Parkinson, consome remédios controlados receitados pela
Fundação Hospital Estadual do Acre, e suas dificuldades de saúde foram relatadas
nesta matéria do Varadouro.

Na visão desses fazendeiros, a Terra Nossa Marielle Franco seria “um disfarce e movimento social que se vale de discursos de regularização fundiária para invadir propriedades, fracionar e loteá-las, bem como desmatar e vender ilegalmente madeira.”

Em nenhum momento vem à tona a evidente manobra de setores do agro na chamada Amacro (Zona de Desenvolvimento Sustentável dos Estados do Amazonas, Acre e Rondônia) plantada também sobre terras devolutas: além de expandir a criação de gado bovino e de utilizar terras para o plantio de soja, eles já estão de olho na política de créditos de carbono, onde pequeno, segundo suas manipulações, não teria vez.

“Ele não é criminoso”, frisa o Centro de Defesa dos Direitos Humanos em Rio Branco (AC). Paulo Sérgio foi acompanhado pelo Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, tendo a seu favor a presunção de que seja legítima a sua atuação em prol das famílias da Comunidade Marielle.

O Cartório Extrajudicial da Comarca de Lábrea, onde propriedades rurais da região estariam escrituradas, encontra-se sob intervenção por 90 dias, desde quando autoridades do Poder Judiciário em Manaus e um diretor do Incra constataram terem sido arrancadas duas folhas do livro de registro de imóveis.

Na análise de “violação de Direitos dos Hipervulneráveis”, o juiz lembra que a decisão de reintegração de posse (processo 0000264-82.2016.8.04.3101) fora suspensa algumas vezes porque há várias famílias com crianças e adolescentes assentados na área. Para o juiz, isso traria “consequências irreversíveis.” São aproximadamente duzentas famílias.

“A intervenção policial para retirada enseja incidente de deslocamento de competência na forma do art.109 §5º da CF/88: § 5º. Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra), Comissão Pastoral da Terra constataram em visitas à Comunidade o agravamento da situação fundiária regional, desde 2016. Para a Defensoria, a “Fazenda Palotina”, cuja posse é defendida por Sidney Zamora, de Rio Branco, faz parte das terras da União.

A Defensoria Pública asseverou: “Embora se alegue nos autos que houve registro audiovisual do momento da ameaça (de Paulo Sérgio ao fazendeiro), este não foi disponibilizado nos autos, salvo melhor juízo. Contudo, a imagem que foi apresentada nos autos, do suposto momento da ameaça, é retirada de um vídeo disponível no Youtube há dois meses (…).”

“Quando se analisa o vídeo percebe-se que em nenhum momento o Defensor de Direitos Humanos Paulo Sérgio Costa de Araújo mira o carro ou qualquer pessoa do veículo; tampouco existe algum momento em que ele levanta a arma de forma ameaçadora; ele inclusive em alguns momentos caminha de costas para a estrada onde está o veículo, de modo que poderia ter sido ele alvejado, caso tivessem querido; ele mesmo em nenhum momento gesticula ou profere qualquer palavra que possa ser lida como ameaça. Afinal, o que disse Paulo Sérgio não se pode ouvir pelo registro, mas de toda forma ninguém do carro se alarmou com o que ele porventura disse” – assinala a Defensoria em relato ao Juízo Federal.

No âmbito da Competência da Justiça Federal, o juiz Rodrigo Mello assinalou: “O Juízo da Comarca de Lábrea é incompetente para julgar o presente processo nº 0600573-72.2024.8.04.5300 e os demais processos criminais que são conexos proc. 0600487-04.2024.8.04.53.00 e 0600546-93.2024.8.04.3100.”

Segundo ele, toda a matéria foi remetida no âmbito civil à Justiça Federal pela Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça – “por decisão irretocável da lavra do Excelentíssimo Desembargador Airton Luís Correa Gentil nos autos do processo 0000264-82.2016.8.04.3101 mov. 599.1.”  O Ministério Público Estadual foi comunicado.

O juiz não vê sentido jurídico em haver o julgamento do processo civil na Justiça Federal e do Processo Penal na Justiça Estadual.

●  A área é terra devoluta da União na forma do art.20 da Constituição Federal de 1988 por 2 fundamentos: 1) Não há identificação de cadeia dominial de proprietário, pois não há título de propriedade, apenas posse, ou seja, não há proprietário particular, a terra é bem da União art. 20 inc. II da CF/88; e 2) As localidades dos fatos ocorrem em Boca do Acre (AM) e Lábrea (AM) é localidade de fronteira com Bolívia. O art. 20, inc. I da CF dispõe: Art. 20. São bens da União: II – as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei. ”

Tem-se a hipótese da competência da Justiça Federal na forma do art.109, inc. I da CF/88. O art.109 inc. I da CF/88 dispõe: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

Tem-se intervenção anômala do Incra nos processos 0000264-82.2016.8.04.3101 (Processo Civil) em área que abrange a segurança nacional. Reitero não faz sentido jurídico julgar o processo civil na Justiça Federal e do Processo Penal na Justiça Estadual pois a causa de pedir tem relação fática e jurídica entre os processos 0000264-82.2016.8.04.3101 (Processo Civil) c/c nº0600573-72.2024.8.04.5300 (processo criminal) c/c proc. 0600487-04.2024.8.04.53.00 (processo criminal) e 0600546-93.2024.8.04.3100 (processo criminal). Há liame fático pelas forças das circunstâncias da causa de pedir entre as ações. Aplica-se ao caso a súmula 150 do STJ: “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas.

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