CAMELI ABRIU A PORTEIRA, A JAGUNÇADA ENTROU

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Não pague mais multas do Imac, disse governador em Sena Madureira; município se transformou em ‘referência’ de grilagem e desmatamento

Devastação da Amazônia dentro da Floresta Estadual do Antimary; quase 600 hectares de mata destruída (Foto: Assessoria PF/AC)



Foi em Sena Madureira, em 2019, que o recém-empossado governador Gladson Cameli abriu a porteira para a boiada passar sobre a Amazônia acreana, ao desmoralizar, publicamente, a atuação do órgão ambiental do estado, o Imac. “Não paguem as multas”, disse ele. De lá pra cá, Acre tem taxas recordes de desmatamento. Sena Madureira está na lista dos 50 municípios campeões em devastação do bioma amazônico. Nem áreas protefidas escapam à ação dos grileiros.



Fabio Pontes
Dos Varadouros de Rio Branco



Se há no Acre um município que representa com fidelidade o desmonte da política de proteção ambiental promovido pelo governo bolsonarista de Gladson Cameli (PP) ao longo dos últimos quatro anos, este se chama Sena Madureira, no Vale do Purus. Foi lá, em março de 2019, com menos de 100 dias de sua desastrosa gestão, que Cameli proferiu o discurso de desmoralização e deslegitimação das ações do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac). Pelas palavras do governador, a partir daquele momento, ninguém precisava mais pagar as multas aplicadas pelo Imac “porque agora quem está mandando sou eu”. Cameli prometeu até dar cascudos em fiscal do Imac que multasse alguém da zona rural.

“Quem for da zona rural e que seu Imac estiver multando alguém me avise porque eles vão levar uns cascudos. Não vou permitir que venham prejudicar quem quer trabalhar. MIM avisem e não paguem nenhuma multa porque quem está mandando agora sou eu. Não paguem”, disse ele, para os aplausos do público. (veja vídeo abaixo)

O discurso foi a carta-branca dada pelo próprio chefe do Poder Executivo para legitimar e fomentar uma série de crimes ambientais contra a Floresta Amazônica, cujas consequências levaram o Acre a registrar taxas recordes de desmatamento e queimadas. O Acre virou uma terra de ninguém, onde tudo se podia fazer contra o meio ambiente em nome do “progresso do agronegócio”, e da destruição do legado da “florestania” do PT. Agora era o bolsonarismo no poder.

Bem antes de Ricardo Salles, Gladson Cameli já tinha aberto a porteira para a boiada passar sobre a Amazônia acreana. Atrás e à frente da boiada veio a jagunçada com suas motosserras e tratores, cuja missão era derrubar a mata, plantar capim, colocar o gado, e, por fim, fazer a grilagem de terras do Estado – esquentando documentos públicos, fraudando o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para legalizar a posse junto aos cartórios e ao Incra.

O mais impressionante é que nem mesmo as unidades de conservação – áreas protegidas por lei – escaparam desta ação criminosa. A Reserva Extrativista Chico Mendes, no Vale do Acre, foi a mais impactada pela grilagem e o avanço da boiada. Já menos conhecida, porém riquíssima em espécies vegetais (madeira nobre) e cobiçada pela indústria madeireira, a Floresta Estadual do Antimary também passou a ser muito pressionada pela neobovinização do Acre conduzida pelo desgoverno Cameli.

Cameli numa plantação de soja: ao “desburocratizar” política ambiental, governador abriu a porteira para a boiada – e a jagunçada (Foto: Odair Leal/Ascom)



Unidade de conservação criada para proteger uma das regiões mais ricas em biodiversidade do estado, a Floresta do Antimary está localizada, exatamente, em Sena Madureira, município onde Cameli abriu a porteira para a jagunçada. Desde 2019, a UC sofre com ações de invasores, principalmente os fazendeiros de gado no entorno, que expulsam e ameaçam os pequenos agricultores e extrativistas. Foram eles os responsáveis por levar ao conhecimento da PF os crimes ambientais cometidos contra suas terras tradicionais. Cansados da omissão estadual, apelaram aos órgãos federais. A UC estadual, em tese, deveria estar sendo protegida pelos órgãos estaduais.

Procurada pela reportagem do Varadouro, a Secretaria de Meio Ambiente e das Políticas Indígenas (Semapi) disse que a atuação da PF dentro da Floresta Estadual do Antimary se dá pelo fato de a área onde ela está inserida ainda ser de propriedade da União. “O governo tem o Termo de Cessão de Uso (TCU), porém os trâmites de repasse definitivo ainda estão em fase de conclusão por parte do governo federal”, diz a nota (leia a íntegra abaixo). A Semapi diz ter desenvolvido ações de fiscalização e combate a crimes ambientais dentro das UCs sob sua responsabilidade, bem como a intensificação das operações em 2023.

Com uma área de 47 mil hectares, a Floresta Estadual do Antimary está localizada bem na divisa com o Amazonas, abrangendo os territórios de Sena Madureira e Bujari – uma área bastante pressionada por invasões. O acesso facilitado por meio de ramais facilita a entrada dos invasores para a grilagem.

A deflagração da operação Terra Prometida, pela Polícia Federal, é a exposição dos incontáveis crimes ambientais a que a região esteve submetida nestes últimos quatro anos. A ação de uma instituição federal para proteger a Amazônia dentro de uma área sob responsabilidade do governo estadual expõe a fragilidade e, até mesmo, a omissão do desgoverno Gladson Cameli em proteger a Floresta do Antimary.

Somente a partir das investigações da PF, descobriu-se que o desmatamento provocado pelos atuais e ex-donos da Fazenda Canaã foi de 598 hectares – ou seja, o Acre viu desaparecer, dentro de uma área que deveria estar protegida pelo governo, quase 600 campos de futebol de floresta virgem. Os prejuízos ambientais superam a cifra dos R$ 17 milhões.

“Essa desatenção, essa falta de interesse, nos quatro anos passados se deu pelos dois governos [Gladson e Bolsonaro]. Isso é muito grave e a gente vem vendo que o governo do estado não mudou de política. Continua na mesma. Eu creio que as operações da PF vão ajudar a inibir os processos de grilagem que têm acontecido aqui no estado”, diz Miguel Scarcello, secretário-executivo da SOS Amazônia. “Essas operações já deveriam ter ocorrido bem antes, mas a política anterior não era para isso.”



A atuação da jagunçada

PF durante operação dentro da Floresta do Antimary; um rastro de bastante devastação dentro de uma área que deveria estar sob proteção estadual (Foto: Assessoria PF/AC)




Outro fato que chama a atenção na operação Terra Prometida é a figura do principal suspeito de praticar os crimes ambientais não só em Sena Madureira, mas também em Boca do Acre e Lábrea, no Amazonas. Trata-se de Amair Feijoli da Cunha, condenado por encomendar o assassiato da missionária norte-americana Dorothy Stang, crime ocorrido em 2005, no Pará. Na superintendência da Polícia Federal em Rio Branco, o advogado de Amair negou todas as acusações, criticou a prisão preventiva e disse que seu cliente é vítima de perseguição.

Um mandado de prisão também foi expedido contra o filho de Amair Feijoli, mas ele não foi localizado. Contra ele já havia outra ordem de prisão concedida pela Justiça de Sena Madureira por tentativa de homicídio. Agora, ele passa a ser procurado pela PF também por crimes ambientais.

A atuação de personagens como o mandante do assassinato de Dorothy Srang expõe como o Acre passou a ser um “faroeste caboclo” desde que a pórteira foi aberta para a jagunçada pelo desgoverno Cameli, em Sena Madureira. E é justamente nos Vales do Purus, Envira/Tarauacá que a neobovinização do Acre mais se intensifica.

Não por acaso, Sena Madureira, Manoel Urbano, Feijó e Tarauacá estão entre os municípios líderes de desmatamento da Amazônia a partir de 2019. Não por acaso (ainda), essa é a região acreana com a maior concentração de floresta preservada – alvo dos criminosos ambientais. Regiões remotas e difícil acesso são as mais invadidas. Os grileiros acreditam que a dificuldade de acesso impede a atuação das autoridades, mas não sabem que toda a floresta é monitorada por satélites.

Muitos dos grileiros que aqui aportam são de fora do Acre, maioria vinda de Rondônia. São pessoas especializadas em grilagem, formadas na “indústria da grilagem” que tantos danos já ocasionou no estado vizinho. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Sena Madureira passou a registrar um salto na área de floresta devastada. Entre 2019 e 2022 o desmatamento detectado foi de 370 km2, ficando na 32o posição entre os municípios que mais desmataram na Amazônia Legal. Ao todo, a região possui 772 municípios. Os anos de 2021 e 2022 foram os piores: 111 km2 e 105 km2 de Amazônia derrubada.

Ricos e perigosos

De acordo com a PF, ação mostra alto poder aquisitvo dos investigados; custo para derrubar 600 hectares supera o R$ 1,5 milhão


Em entrevista coletiva na sede da superintendência da Polícia Federal em Rio Branco, os delegados responsáveis pelas investigações classificaram os sujeitos investigados como de alta periculosidade. E isso não é apenas do ponto de vista ambiental, como declarou um deles. Afinal de contas, contra um dos pecuaristas investigados pesa mandado de prisão por tentativa de homicídio.

Durante a coletiva, Varadouro questionou os delegados qual a função do mandante do assassinato da missionária Dorothhy Stang na organização criminosa investigada. Os policiais preferiram não responder para, segundo eles, as investigações não serem prejudicadas. Porém, fornecerem informações sobre o modus operandi da quadrilha. Um deles é alto poder econômico que possui. De acordo com um dos investigadores, para desmatar os 800 hectares de floresta no sul do Amazonas, o “investimento” foi superior a R$ 1,5 milhão.

Uma das formas de financiamento destas organizações criminosa ambientais na Amazônia é “esquentar” o gado mantido em pastos oriundos de desmatamento ilegal. Para isso, os investigados emitem Guias de Transporte Animal (GTAs) “superfaturadas”; ou seja, dizem que o animal saiu de uma fazenda legalizada, quando parte dos animais estava em área grilada.

Apesar de afirmarem que não compram gado oriundos de desmatamento ilegal, os frigorificos acabam recebendo estes animais. É o que a PF chama de “gado de papel”. Outra forma de financiamento da organização criminosa, segundo a polícia, era com a venda de madeira obtida a partir do desmatamento ilegal.

E, assim, com a omissão do desgoverno Gladson Cameli, a Floresta Estadual do Antimary, vem sendo destruída pela indústria da grilagem. Sena Madureira, território sagrado do padre Paolino Baldassari, que dedicou sua vida em defesa das populações da floresta que vivem às margens do Purus, Iaco, Caeté e Macauã, terra tão rica em biodiversidade, vem sendo destruída. Tomara que as nossas instituições federais contenham a insanidade do bolsonarismo que desgoverna o Acre.




O que diz o governo do Acre

Leia abaixo a nota enviada pela Semapi à redação do Varadouro,

NOTA PÚBLICA

Ao longo dos últimos anos, o governo do Estado, por meio da Secretaria do Meio Ambiente e das Políticas Indígenas (Semapi), juntamente com os demais órgãos de controle ambiental, Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), Batalhão de Policiamento Ambiental (PM-AC) e Centro Integrado de Operações Aéreas (Ciopaer), desenvolve ações rotineiras de patrulhamento e gestão em todas as Unidades de Conservação (UCs) estaduais.

O processo de investigação e apuração de crimes ambientais nas UCs inicia com a ação do Estado, no que cabe apuração e apontamento dos mesmos aos órgãos de investigação como polícias e ministérios públicos (MPs).

Com relação à Floresta Estadual do Antimary, a Semapi esclarece que a razão pela qual a Polícia Federal tem investigado esses crimes é que, apesar do local ser uma Unidade de Conservação Estadual, a posse e dominialidade da terra ainda é da União. O governo tem o Termo de Cessão de Uso (TCU), porém os trâmites de repasse definitivo ainda estão em fase de conclusão por parte do governo federal.

Essa operação, deflagrada pela Polícia Federal nesta terça-feira, 29, que resultou na prisão de um investigado, o qual tinha tomado posse de uma área de terra dentro da UC, foi realizada com base em um levantamento de campo e relatórios confeccionados pela Semapi, BPA e Imac e, com isso, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), juntamente com o Ministério Público Federal (MPF), ingressou com ação de reintegração de posse, iniciada ainda em 2022 e realizada no primeiro semestre de 2023.

Este ano, serão realizadas mais de 40 missões integradas sob coordenação da Semapi e do Imac, com o aporte e todo aparato de segurança e fiscalização ambiental estadual, assim como o apoio dos órgãos da União como o Ibama e Polícia Federal (PF). As ações são apoiadas com recursos do Programa REM/KfW.

A ação de monitoramento dos órgãos estaduais subsidiou a Justiça a retirar o investigado da UC este ano. A Semapi esclarece, ainda, que o mesmo não foi detido na área da floresta pública, e não permanece mais no local, pois a área passou pelo processo de reintegração ao Estado. A Polícia Federal está responsabilizando os invasores pelos crimes cometidos em terras da União e o Estado vem acompanhado essas medidas.
Julie Messias

Secretária do Meio Ambiente e das Políticas Indígenas do Estado do Acre.






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