Nota do editor
Quando Marcos Vicentti era vivo cheguei a convidá-lo para participar de nossa seção Retratos Amazônicos. Porém, como Marcão era funcionário de carreira da Secretaria de Comunicação do Estado, talvez ele não se sentisse à vontade para colaborar com um jornal que tem uma linha editorial crítica ao atual governo, responsável pelo desmonte das políticas ambientais que levou o Acre a níveis recordes de desmatamento e queimadas.
Ao ele (e outros profissionais convidados) expor uma de suas fotografias em Varadouro, poderia ser vítima de perseguições no ambiente de trabalho. Podem ser questionados e cobrados pelo fato de contribuírem com um “jornal da oposição”, como somos aqui definidos. Eu sempre compreendi e compreendo a situação. Além do mais, Marcão era um profissional muito ocupado, demandado.
Porém, para homenagear um dos melhores repórteres-fotográficos da Amazônia, Retratos Amazônicos inicia uma série especial até o dia 18 de novembro – quando completa um mês de sua passagem – publicando algumas das obras deixadas pelo riquíssimo acervo de Marcos Vicentti. Uma obra que precisa ser estudada, protegida e exposta em alguma galeria/exposição que leve o seu nome.
Aqui nesta primeira foto, Marcão nos mostra o cotidiano de nossos povos da floresta. Nela, um homem “escala” com precisão o pé de açaí para retirar um robusto cacho com o fruto. Subir um pé de açaí não é a mais fácil das tarefas. Exige muita habilidade, coragem e destreza – qualidades estas aprendidas ainda quando crianças morando nos seringais.
“Quedas de árvores, picadas de animais venenosos e peçonhentos, riscos de lesões no corpo, são apenas alguns dos exemplos de acidentes mais comuns na colheita do açaí”, escreveu Marcão em sua página no Facebook, ao publicar esta fotografia no último dia 22 de abril. Ela foi feita na Terra do Açaí, Feijó.
É preciso muito cuidado para evitar acidentes, ao a árvore não suportar o peso e vir a cair. Todo cuidado é pouco. Após a aventura da escalada, a recompensa vem com um delicioso copo de açaí com farinha. Outros misturam açúcar também. Vai do gosto de qualquer um.
E, assim, Marcão registrou com precisão o cotidiano de nossos povos da floresta. Uma vida tão cheia de infortúnios e riscos – mas também com seus prazeres e alegrias. Alegrias vindas das coisas mais simples, como degustar um belo copo de açaí.
Infelizmente, Marcão não poderá fazer seu autorretrato que marca a nossa seção Retratos Amazônicos. Mas aqui deixo o link do obituário que escrevi contando um pouco sobre a história deste grande amigo, parceiro de sala de aula e mestre da fotografia amazônida.