Entidades apontam falhas em relatório do governo sobre repavimentação da BR-319

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A BR-319 entre Manaus e Porto Velho; para entidades, documento do governo deixa lacunas no aspecto para mitigar os impactos ambientais causados pela reabertura da rodovia.




dos varadouros de Manaus

Organizações da sociedade civil se manifestaram sobre o relatório do Grupo de Trabalho (GT) BR-319, produzido pelo Ministério dos Transportes. Em nota de posicionamento divulgada nesta sexta-feira, 21, assinada pelos coletivos Observatório BR-319, Observatório do Clima e GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, as organizações reconhecem a importância do documento em relação às questões em torno das obras de recuperação da rodovia, assim como a abordagem de demandas defendidas há anos pela sociedade civil.

No entanto, apontam preocupação com a falta de planejamento operacional detalhado para enfrentar os impactos socioambientais com uma possível repavimentação da rodovia que interliga Manaus a Porto Velho.

Entusiasta da repavimentação da rodovia, o governador Wilson Lima (União) fez fortes elogios ao relatório elaborado pelo Ministério dos Transportes. Ele usou suas redes sociais para enaltecer o documento, e afirmou que a estrutura do Estado está à disposição para um eventual começo das obras.

“Parabenizo o grupo de trabalho pelo relatório e coloco o Estado à disposição para agilizar esse processo no que for necessário. A BR-319 é fundamental para o desenvolvimento social e econômico da Amazônia e do Brasil. Vamos pra cima!”, escreveu ele.

As organizações enfatizam que não são contra as obras na BR-319, mas defendem um processo decisório que respeite a legislação brasileira voltada para a proteção do meio ambiente e priorize um licenciamento ambiental inclusivo, alinhado com os direitos das populações impactadas e com a sustentabilidade socioambiental do Interflúvio Madeira-Purus.

Entre os pontos positivos apontados no relatório do governo está a sugestão da criação de uma unidade gestora intergovernamental, porém o documento não traz detalhes sobre recursos e cronograma, nem ações efetivas para criar condições reais de governança territorial na BR-319.

“Antes que se fale em repavimentação é preciso ter um plano concreto e recursos que garantam a atuação fortalecida dos órgãos públicos para a devida gestão do território, garantindo a integridade ambiental e os direitos de povos indígenas, comunidade tradicionais e agricultores familiares”, afirma a secretária-executiva do Observatório BR-319, Fernanda Meirelles.

“A realidade que vemos é que na região de influência da rodovia, não existem recursos suficientes nem para implementação e proteção das Unidades de Conservação já existentes. Estão passando o carro na frente dos bois, falando em rapavimentação antes de gestão, e já vimos que, na Amazônia, isso só resulta em destruição da floresta e problemas sociais.”

Para as organizações, repavimentar a rodovia sem levar em conta a falta de governança ambiental da região vai impactar negativamente ações de combate a queimadas, desmatamento, mudanças climáticas e proteção de áreas protegidas. Para isso, é necessário que o governo federal assegure recursos financeiros e humanos. A nota também enfatiza que a licença prévia concedida para obras no trecho do meio da BR-319 está judicializada e é nula.

“Não há como dar continuidade ao processo de licenciamento da reconstrução e pavimentação do trecho do meio da BR-319. A licença prévia concedida pelo governo Bolsonaro está eivada de nulidade. Atestou-se a viabilidade ambiental da obra sem qualquer garantia de controle do desmatamento e dos impactos socioambientais, bem como sem a consulta prévia às comunidades locais”, alertou a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo.

Outro ponto de crítica ao relatório é que o documento ignora pareceres e notas técnicas de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sobre as graves consequências que o asfaltamento da BR-319 pode trazer ao meio ambiente. Ao invés disso, o GT sustenta que a BR-319 é “ambientalmente viável”. O GT também ignorou informações produzidas pela academia e sociedade civil que apontam preocupações ambientais, sociais e econômicas sobre os impactos da recuperação da rodovia.

“Se a opção é pela repavimentação da BR-319, o governo federal deve conduzir um planejamento operacional – com recursos, cronograma e capacidades institucionais – com ações efetivas para enfrentar os riscos e problemas existentes e criar condições efetivas de governança territorial”, destacou o membro da secretaria executiva do GT Infra, Brent Millikan.

“Este plano deve incluir ações a serem iniciadas antes das obras, com metas claras, inclusive para servirem de ‘gatilho’ para o início das mesmas. Para avançar nesta direção, o atual GT BR-319 deveria ser ampliado para se tornar um comitê interministerial, envolvendo o comando do governo (Casa Civil/SG/PR) e órgãos chave como MMA/ICMBio/Ibama, MDA/Incra e MPI/Funai, Iphan/MinC – contando com espaço institucional para a participação de representantes da sociedade civil”, completou Millikan.




Participação da sociedade civil

A nota também destaca informações distorcidas no relatório sobre a ampla participação da sociedade civil e dos povos indígenas nas audiências públicas do GT BR-319. A mais grave é a de que um representante do povo indígena Parintintin teria relatado que são favoráveis à rodovia e que houve aprovação dos estudos, apresentados em audiências públicas como requisito para emissão da licença prévia. A informação é negada pela liderança Raimundo Parintintin, que participou da audiência, mas como coordenador-regional da Coordenação Regional Madeira, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

O relatório também afirma que não houve contribuições ou apontamentos por parte das organizações da sociedade civil convidadas para as audiências públicas a respeito das obras na BR-319; porém, o convite às organizações foi feito em cima da hora, impossibilitando a participação presencial. O GT também não disponibilizou links para a participação on-line das organizações.

“O relatório técnico elaborado em 90 dias pelo Grupo de Trabalho apresenta lacunas significativas que comprometem a capacidade de abordar e gerir adequadamente os impactos ambientais e sociais de um projeto de tal magnitude”, diz trecho da nota das organizações.


Leia a íntegra da nota aqui

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