VIDAS EXTREMAS

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Após enchente histórica, Amazônia vai enfrentar (outra vez) seca severa em 2024

O rio Juruá, em Marechal Thaumaturgo, em outubro de 2023; um dos mais importantes rios da Bacia Amazônica chegou a nível crítico de vazante (Foto: Alexandre Cruz Noronha/Sema/AC)



Alerta de estiagem extrema foi produzido dias antes da alagação, mas divulgação foi suspensa no momento em que a região lidava com o transbordamento dos rios. Cientistas da tríplice fronteira MAP alertam para a ocorrência de temperaturas acima do normal e chuvas escassas, o que pode influenciar incêndios florestais. Eles alertam Defesa Civil para adotar ações de fornecimento de água potável e combate ao fogo.



Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco


O sul da Amazônia ocidental pode conviver com uma nova seca severa a partir de maio, com seus efeitos se estendendo ao menos até agosto e setembro. Assim como em 2023, a região tende a enfrentar os efeitos de chuvas abaixo do normal e temperaturas extremas. Isso tudo, vale ressaltar, meses e até semanas após a região ser afetada por uma das maiores enchentes dos últimos anos. É o que aponta o mais recente boletim produzido pelo grupo de cientistas da tríplice fronteira MAP: Madre de Dios (Peru), Acre (Brasil) e Pando (Bolívia). A região foi seriamente afetada pelo transbordamento dos rios entre o fim de fevereiro e o começo de março.

Agora, com as cidades e comunidades rurais ainda se recuperando dos efeitos da grande alagação, a ciência já emite alertas sobre a aproximação de uma estiagem extrema. Na verdade, o boletim foi produzido dias antes da cheia, o que levou os cientistas a suspender sua divulgação.

“Aquele não era o momento mais adequado para falarmos de uma seca extrema, quando a gente estava vendo os rios em processo de enchente”, diz o ecólogo Foster Brown, da Universidade Federal do Acre (Ufac) e membro do grupo trinacional MAP. Ele é um dos autores do estudo ao qual Varadouro teve acesso.

Com a população acreana vivendo dias de calor elevado e falta de chuvas em pleno mês de março – que costuma ser um dos mais chuvosos do ano – a pesquisa MAP faz todo o sentido. “Com a continuação do fenômeno El Niño, o mini MAP trinacional mostra que uma seca, talvez mais intensa, poderia acontecer, iniciando-se no período de maio a julho de 2024”, diz trecho do estudo.

Segundo o documento, tais projeções são feitas a partir de análises do Instituto Internacional de Pesquisa para o Clima e a Sociedade (IRI), da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e pelo Centro Europeu para as Previsões Meteorológicas a Médio Prazo, ligado à União Europeia. “As previsões indicam ocorrência de chuvas abaixo do normal e temperaturas acima do normal para os próximos seis meses. Caso o clima se comporte de acordo com estas previsões.”

Os cientistas alertam: “antecipamos problemas agudos de abastecimento de água, ondas de calor e queimadas acidentais em áreas agrícolas e incêndios florestais. Estes últimos, repercutiriam em altos níveis de fumaça com implicações sérias para a saúde humana e ambiental.” No vizinho estado de Rondônia, oito municípios decretaram situação de emergência por causa da seca – isso em pleno inverno amazônico.

Os pesquisadores fazem alertas e uma série de recomendações (veja abaixo) às autoridades de Defesa Civil dos três estados da fronteira Bolívia, Brasil e Peru, a Bolpebra. Todos estes alertas, vale ressaltar, foram feitos antes das enchentes extremas, e quando a região ainda vivia, de certa forma, sob os efeitos da seca severa de 2023, provocada pelo fenômeno climático El Niño.


O mesmo rio Juruá, em fevereiro de 2024, cuja alagação afetou quase 20 mil pessoas no Vale do Juruá; roçados e criações perdidas (Foto: Varadouro)




El Niño ou La Niña não são mais suficientes para explicar extremos

Talvez, a princípio, a notícia divulgada essa semana de um esfriamento das águas do oceano Pacífico (La Niña) possa trazer um alento. Afinal de contas, a La Niña provoca mais chuvas nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, e mais seca no Sul. Entretanto, não é bem esta a análise feita pela cientista Sonaria Silva, coordenadora do Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (Labgama), do Campus Floresta, em Cruzeiro do Sul.

“Não importa o evento climático que a gente dê o nome. A questão é que estamos vivendo a intensificação destes extremos, e, provavelmente, o que está previsto pode acontecer. É a alta da temperatura, o que estamos vivendo nesta semana, algo incomum para essa época do ano. Não só no Acre, como em todo o Brasil”, afirma a cientista.

Como destaca Sonaira Silva, independente de anos de La Niña ou El Niño, o Acre costuma registrar a ocorrência de grandes queimadas e incêndios florestais. “Para o Acre, a La Niña teve uma quantidade de incêndios muito maior, muito mais intensos. Inclusive tivemos incêndios florestais enormes Um de 500 hectares na Resex Chico Mendes, outro de quase 400 hectares em Porto Walter.”

De acordo com ela, em 2023, apesar de estarmos sob a influência de um El Niño, o Acre não apresentou incêndios florestais de grandes proporções, mas houve casos em regiões incomuns de eles acontecerem, como em Marechal Thaumaturgo, no Alto Rio Juruá.

“Então está muito difícil a gente cravar que teremos seca ou não por causa de um evento climático como La Niña ou El Niño, ou o aquecimento do Oceano Atlântico que influencia muito mais a região MAP do que o Pacífico”, pondera Sonaria Silva.

Para a pesquisadora do Labgama, as anomalias das temperaturas do Atlântico causam muito mais impactos no comportamento do clima na Amazônia. Como ela destaca, a corrente de ar que traz umidade para a região, em particular na porção mais sul, é a responsável pela formação das chuvas. A grande seca de 2005, como exemplo, foi ocasionada pelo aquecimento do Atlântico.

Para a cientista, os cenários são muito preocupantes ao se juntar temperaturas elevadas com a falta de chuvas, o que potencializa a propagação de incêndios dentro da floresta, já que ela perde, de forma mais acelerada, sua umidade, entrando em estresse hídrico.

A cientista cita como exemplo de extremos o rio Acre, que em poucos dias alcançou uma alagação histórica (17,89m) – a segunda maior em cinquenta anos de análises – e vazou de forma muito rápida. “Em dois dias ele secou mais de cinco metros. O período chuvoso nosso começou seco, valores de chuva abaixo do normal. E em dois dois começou a chover o que estava previsto para um mês, e tivemos a cheia”, afirma. Segundo Sonaira, até certo momento do início de 2024 as projeções científicas não apontavam para a ocorrência de alagações, mas elas aconteceram.


As recomendações pontuadas pelo grupo MAP às autoridades da Defesa Civil:

Preparar e implementar planos de contingência para o abastecimento de água em comunidades humanas e atividades agropecuárias, levando em conta a importância de manter os ecossistemas aquáticos.

Preparar e implementar planos de contingência para identificar e controlar as queimadas acidentais e provocadas, com o objetivo de apagar rapidamente os incêndios iniciais na floresta antes de sua propagação.

Preparar e implementar planos de contingência para reduzir os impactos de ondas de calor em populações vulneráveis, como idosos e menores, além das atividades agropecuárias.

Que as sociedades e instituições públicas realizem o monitoramento constante da qualidade do ar, através dos dados emitidos pelas plataformas locais (ver anexo) e satélites para implementar medidas de redução do impacto da fumaça na saúde humana e ambiental.

Acompanhar as previsões meteorológicas locais de curto prazo (para dias, semanas e meses), assim como elaborar mapas que prevejam as anomalias de temperatura e precipitação (consulte o Anexo). Isso é particularmente importante ao adotar medidas imediatas, dado que os incêndios apresentam uma rápida flutuação espacial e dependem de previsões e modelos de curto prazo.

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