Varadouro debate jornalismo e realidade ambiental da Amazônia na Universidade de Rondônia

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Larissa Zuim, Daniel Nardin (vídeo), Francisco Costa e Montezuma Cruz do Varadouro e o professor Ricardo Gilson (Canoar/Unir)


Dos varadouros de Porto Velho

Dar voz às populações tradicionais e promover o jornalismo como instrumento de transformação social. Entre outros assuntos, esse tema foi ao encontro das aspirações do grupo de universitários  durante o Colóquio de Comunicação e Cultura na Amazônia Rondoniense (CANOAR) organizado pelo curso de Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

Dois colaboradores do Varadouro estiveram no evento, no auditório Paulo Freire, os jornalistas Francisco Costa e Montezuma Cruz.

Desde a segunda-feira (20) em oficinas e palestras gratuitas, o CANOAR tratou da interface entre o jornalismo e o meio ambiente; a importância do jornalismo na defesa da democracia; memórias do jornalismo; rotinas produtivas e precarização do jornalismo.

Segunda-feira (20) à noite, a economista e repórter fotográfica Marcela Bonfim, autora do projeto Amazônia Negra, mostrou as dificuldades enfrentadas por profissionais, notadamente no aspecto financeiro. Ela enunciou o preconceito contra a classe e revelou a existência de 40 profissionais mulheres negras no mercado de trabalho.

“Apesar das dificuldades em alguns aspectos, hoje, numa esquina, é possível contar uma história”, disse o jornalista Francisco Costa, do Varadouro. Ele saudou os participantes, lembrando que eles ingressam na profissão “dispondo de pautas cheias que chegam a cada dia pelo WathsApp.”

Francisco apontou a “cobertura amazônica de veículos tradicionais, a partir de Brasília”. Mostrou os desafios e sugeriu o máximo cuidado aos que buscarem a reportagem que desagrada poderosos. Lembrou a inclusão de profissionais de Rondônia na Rede de Nacional de Proteção de Jornalistas, organismo criado pelo Instituto Vladimir Herzog, de São Paulo

O jornalista lamentou que a classe política rondoniense atropele leis ambientais, chegando ao cúmulo de apoiar o desmatamento mediante manobras sorrateiras para a extinção de Unidades de Conservação. E a conhecida abertura de espaço para a expansão da soja e da pecuária de corte.

Francisco lamentou a “desconstrução de territórios de povos tradicionais” em Rondônia e mencionou o descuido governamental em relação ao rio Madeira, o maior afluente da margem direita do Amazonas: “Mesmo com a enorme seca – o rio baixou a menos de um metro e meio – não foi editado nenhum decreto de calamidade.”

“A economia da floresta é o caminho, e precisamos apoiá-la”, apelou Francisco propondo pautas etnoambientais.

O jornalista Montezuma Cruz, que chegou a Rondônia em 1976, ainda na fase do território federal, alertou o público: “Cacoal é o município que possui aproximadamente quinhentas nascentes d’água aterradas; fiquem de olho, porque as futuras obras de duplicação da BR-364 servirão para engenheiros usarem sua experiência e seus estudos, enquanto os jornalistas escreverão a respeito da busca da preservação ambiental nos trechos.”

Montezuma sugeriu matérias (em podcast, vídeos e textos) a respeito das mais de 30 plantas medicinais existentes na Terra Indígena Paiter Suruí, sugerindo o encontro de vivência entre os saberes tribais e a Universidade.

Cofundador do Instituto Bem da Amazônia e Amazônia Vox, o jornalista Daniel Nardin, descreveu, entre outras situações de avanço ambiental, o êxito de um grupo de oito mulheres ribeirinhas conhecido por “guardiãs do cacau”. Elas se uniram para produzir chocolate e preservar a Amazônia em Acará-Açu, no Pará.

As mulheres trabalharam durante a pandemia no aprendizado de todas as etapas de produção, desde o extrativismo do cacau na floresta até a formulação de novas receitas do doce.

“A Natureza é sujeito de direito”, afirmou o professor de geografia na UNIR, Ricardo Gilson da Costa Silva. Chamou a atenção para mortes e perseguições a indígenas, posseiros e quilombolas no estado.

Lamentou que recentemente, no Instituto Federal de Rondônia (IFRO) um grande debate ambiental não teve a presença de nenhum representante de povos tradicionais.

Público no evento da Unir (Foto de Montezuma Cruz – Varadouro)

A Amazônia em algumas palavras-chave; a onda de calor e eventos extremos; a justiça ambiental, climática e territorial foram temas por ele abordados. Ricardo surpreendeu o auditório ao revelar dados atuais e de raríssima divulgação na mídia:

∎ 49% do território rondoniense têm pedidos para mineração; 40% da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, por exemplo. “Todas as terras indígenas são visadas pelo setor mineral.”

∎ A maior parte da bancada política (federal e estadual) rondoniense é ruralista e elaborou leis estranhas ao meio ambiente.

∎ Ruralistas “veem absurdo na floresta”. Ele cunhou grande parte da atividade agropecuária nesta parte do Norte brasileiro como “agrobandidagem”, com enorme pressão sobre populações que deveriam ser ouvidas antes de perderem suas terras.

Soja não rende emprego, o que implica mais desmatamento.

∎ O mercúrio segue ameaçando: “O peixe consumido aqui está contaminado”, disse, referindo-se ao excesso daquele metal no tratamento do ouro em garimpos ilegais.

∎ A propaganda da saída brasileira para os portos do Oceano Pacífico, no Peru, requer análise aprofundada. Entre o sul do Amazonas, Acre e Rondônia há projetos para a compra de terras por grandes grupos no valor acima de R$ 1 bilhão.

Ricardo é coordenador do Grupo de Pesquisa em Gestão do Território e Geografia Agrária da Amazônia, e participa da sistematização de estudos desenvolvidos em projetos de pesquisa, mestrado e doutorado.

Alertou aos futuros comunicadores a respeito da Amacro, a “zona de desenvolvimento sustentável” que atualmente constitui a “nova fronteira do desmatamento” na Amazônia. Imagens de satélite identificaram uma área de desmatamento envolvendo os estados do Amazonas, Acre e Rondônia.

Ironizou a interpretação ruralista sobre Rondônia, que para muitos é um estado “do Centro-Oeste”.

Na junção das divisas do Amazonas, Acre e Rondônia, acumulam-se planos de manejo florestal que desmataram milhares de hectares de terras públicas.

Mostrando imagens de Manaus e Porto Velho, o professor Ricardo lamentou a péssima qualidade de vida social urbana de suas populações. “Temos nessas cidades os piores índices de saneamento básico do País.”

A mediadora, Larissa Zuim, teve que esticar o tempo de fala de cada um, tamanha a empolgação com o tema que abriu o leque do debate do jornalismo digital.

Montezuma Cruz prestou homenagem ao jornalista e sociólogo paraense Lúcio Flávio Pinto, que escreve diariamente em seu blog, mesmo sob a dor do Parkinson – doença neurológica que afeta os movimentos da pessoa.

Lúcio trabalhou no jornal “O Estado de S. Paulo” e foi o criador da primeira, única e depois extinta sucursal da Amazônia, cujo trabalho memorável serve de exemplo aos profissionais moradores na região, que atualmente lutam para manter vivas publicações digitais influentes. Como parceiro da sucursal amazônica do Estadão, Lúcio Flávio Pinto contou com o acreano Elson Martins da Silveira, o fundador do jornal Varadouro, em Rio Branco, no ano de 1977. A missão era expor a luta e a resistência dos seringueiros acreanos expulsos de suas colocações pelos “paulistas” trazidos pela ditadura militar (1964-1985), cuja missão era transformar a floresta em pasto.

O CANOAR também debateu investimentos em jornalismo de dados. Jornais digitais da região quase não têm utilizado infográficos que facilitam a compreensão dos assuntos publicados.

Brilhante em sua apresentação, a estudante Uélida Vitória Fontinelli Castro, do Ensino Médio da Escola Barão do Solimões, declamou seus próprios poemas a respeito de Rondônia e da Amazônia. Merece apresentar-se nos próximos eventos, pois o seu trabalho conscientiza as pessoas da realidade estadual.

Trechos da apresentação no CANOAR do professor Ricardo Gilson – Grupo de Pesquisa em Gestão do Território e Geografia Agrária da Amazônia – GTGA, sobre impactos ambientais:

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