Ocupantes de terras em Lábrea ameaçados por fazendeiros do Acre querem garantia de vida
Líder de acampamento foi preso por suposta ameaça contra fazendeiro, que o acusa de grilar e vender lotes de terras públicas; já as famílias dizem o oposto: acusam fazendeiro de desmatamento e grilagem em terras da União, repassando a culpa – e as multas – aos pequenos posseiros. Famílias lembram que região é marcada por violentas disputas que já resultaram em mortes.
Montezuma Cruz
dos varadouros de Porto Velho
Fábio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
Moradores em ocupações de terra nos municípios amazonenses de Boca do Acre e Lábrea pedirão garantia de vida ao Ministério Público Federal (MPF) após o atentado a tiros, torturas e perseguições a famílias na semana passada. Não apenas pelos fatos do dia 28, mas por um clima de ameaças e tensões que se arrastam há mais de cinco anos. O desabafo de Jozias Silva do Nascimento, um dos líderes comunitários da região, dá a medida exata do perigo vivido na área do conflito: “O tormento é grande por lá; não é a primeira vez que eles fazem isso, já morreu gente no Andirá“, diz ele, em entrevista ao Varadouro.
Ele se refere à Gleba Novo Andirá, em Boca do Acre: “Teve assassinato lá, e na Palotina também.” Essa fazenda está encravada na Floresta Nacional do Iquiri.
Em consequência das ações de madeireiros ilegais e grileiros, a zona de amortecimento da unidade de conservação federal é bastante impactada pelo desmatamento desde 2019. Outra UC vizinha pressionada é a Reserva Extrativista Arapixi.
Lábrea situa-se a 447 quilômetros de Rio Branco e a 840 Km de Manaus, Capital do Amazonas, por estrada.
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Em entrevista ao jornal A Gazeta do Acre, de Rio Branco, em janeiro deste ano, o fazendeiro Sidney Zamora acusou Paulo Sérgio Costa, um dos líderes da ocupação Mariele Franco, “pela prática de diversos crimes e por enganar pessoas.”
Por determinação da 1ª Vara da Comarca de Lábrea, Paulo teve decretado mandado de prisão preventiva e foi recolhido. Ele se encontra preso na delegacia da Polícia Civil de Boca do Acre. Nesta quarta, 6, passou por audiência de custódia e teve sua prisão mantida.
Até o momento, nenhuma linha escrita ou providência judicial se conhece em relação ao atentado a balas ocorrido na quinta-feira, 28, praticado por pessoas fardadas de preto, que teriam se identificado como policiais do BOPE (Batalhão de Operações Especiais), da Polícia Militar. Também não se sabe de qual PM eles seriam: se do Acre ou do Amazonas.
As vítimas das agressões registraram queixa e fizeram exame de corpo de delito no Instituto Médico-Legal de Rio Branco.
Zamora acusa Paulo Sérgio de “vender lotes” que considera propriedade de sua família. “A área de 40 mil hectares foi invadida desde 2016 e cerca de 10% do território já teria sido ocupado”, disse ao jornal.
Pelo que se apurou, algumas cruzes de madeira fincadas no chão sinalizariam o local onde posseiros seriam enterrados. Para a Justiça em Lábrea, Paulo “faz parte de uma organização criminosa que atua na área da fazenda há nove anos.” A defesa do líder comunitário vai se pronunciar nos autos.
Já a Polícia Civil do Acre informa ter investigado somente ameaças com arma de fogo, pois vítima e autores moram neste estado. No que diz respeito à ocupação de terras e outras imputações, e da mesma forma o mandado de prisão, quem deve responder pela situação e investigações é a Polícia Civil do Amazonas.
As famílias da ocupação Marielle Franco afirmam que as terras que eles ocupam são áreas da Uniao não destinadas, e que o fazendeiro seria o responsável por invadir e se apropriar de terras públicas. As famílias reivindicam ter direito à posse da terra em assentamentos organizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). A proximidade da área de conflito entre as divisas do Acre com o Amazonas provoca um jogo de empurra-empurra entre as instituições federais e estaduais.
REGIÃO DE LATIFÚNDIOS
Desde a CPI da Terra de 1977, na Câmara dos Deputados, alguns latifúndios prosperavam nos municípios de Lábrea e Canutama. Por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 400 mil hectares foram recuperados e devolvidos à União. No entanto, a disputa vem se agravando desde os anos 1990.
Desde 1985, a família de Zamora obteve na Justiça duas reintegrações de posse. No entanto, Jozias Silva lembra que, em recente audiência pública virtual, notou-se que fazendeiros assentam pessoas por conta própria. Cada lote mediria 2.500 hectares. Jozias suspeita de possível beneficiamento a servidores públicos, incluindo-se policiais.
“O clima é intranquilo, porque eles grilam a terra faz algum tempo, tiram madeira e jogam a culpa nos pequenos, até as multas”, queixa-se Jozias.
“Todos ali agem assim: grilando. Esses servidores públicos se valem de sua influência para direcionar os lotes de terra, enquanto muita gente está privada do direito de comer.” Jozias prevê um desfecho violento, apesar da resistência das aproximadamente duzentas famílias: “Costuma-se dizer que a corda arrebenta do lado do mais fraco, mas nós vamos nos unir cada vez mais”, promete.
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VAIVÉM DE PROCESSOS
O fazendeiro Sidney Zamora já foi denunciado por “falsa comunicação de crime” à Justiça do Estado do Amazonas e pesa contra ele a suspeita de contratar policiais militares para expulsar as famílias. O conflito se arrasta desde 2015. São terras devolutas parte das terras reivindicadas pelo fazendeiro, afirmam as famílias da ocupação Marielle Franco.
Líderes da comunidade rural ameaçada o acusam de tráfico de influência no Poder Judiciário do Amazonas. O histórico de processos envolvendo por crimes ambientais e posse de terras o fazendeiro na Justiça Federal daquele estado inclui recursos por ele impetrados.
Ação civil pública na 7ª Vara Ambiental – Incra em abril de 2007; tutela cautelar antecedente, do Ibama, contra Sebastião Dantas e Cia. Ltda, e outras 22 pessoas. Processo suspenso por decisão judicial. Trata-se de antecipação da tutela, com objetivo de realizar o direito, antecipando parcial ou totalmente o próprio pedido principal ou seus efeitos.
Em fevereiro de 2010, na 1ª Vara Federal Cível do Amazonas: usucapião, mesmas pessoas envolvidas. O processo também foi suspenso por depender do julgamento de outra causa, de outro juízo ou declaração incidente.
Na 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Justiça do Amazonas, em outubro de 2011: procedimento comum cível – Ibama. Remessa automática para o TRF1. Em agosto de 2012: por crimes ambientais denunciados pelo Ministério Público Federal. Arquivado definitivamente.
Na 2ª Vara Cível e Criminal da Justiça do Amazonas, novembro de 2017: execução fiscal – Ibama – juntada de certidão.
Na 2ª Vara Federal Cível e Criminal, em fevereiro de 2018: embargos à execução fiscal – Ibama. Autos remetidos em grau de recurso para o TJ.
1ª Vara Federal Cível e Criminal do Amazonas, agosto de 2018: execução fiscal Ibama. Processo devolvido à Secretaria.
7ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas: reintegração/manutenção de posse Ivan Monteiro do Nascimento. Sidnei Zamora e outros 11. Juntada de petição intercorrente.
7ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas: cumprimento provisório de sentença –
Ibama. Processo devolvido à Secretaria.
Na 1ª Vara Federal Cível do Amazonas: oposição- Incra, contra Paulo Sérgio de Araújo e outros quatro – Recebido pelo Distribuidor.
A reportagem do Varadouro tentou contato com a defesa de Sidney Zamora, mas não conseguiu obter seus contatos.