UMA FLORESTA EM COLAPSO

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Seca extrema ameaça produção e sobrevivência de famílias na Resex Chico Mendes

Forte calor e falta de chuvas prolongadas coloca em risco não só a segurança hídrica das comunidades, mas os segmentos do extrativismo que asseguram suas rendas (Foto: Arison Jardim)



Lideranças relatam que muitas comunidades da região do Alto Acre já estão sem acesso à água potável. Presidente de associação pede o envio de cestas básicas (sacolões) para garantir segurança alimentar de famílias que podem perder até seus roçados. Crise climática e impactos do desmatamento crescente na região ainda colocam em risco a castanha e a borracha.



Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
Montezuma Cruz
dos varadouros de Porto Velho


A cada dia a seca severa do atual verão acarreta sérias consequências às comunidades extrativistas na faixa de fronteira Brasil-Bolívia. Nesta segunda-feira, 5, o presidente da Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes em Epitaciolândia e Brasileia (Amopreb), Romário Campelo, pediu socorro. Peixes, arraias e animais mortos formam um cenário dantesco com o nível crítico de vazante de rios, igarapés, córregos e vertentes.

“Acredito ser necessário um estudo mais detalhado, uma busca de informação a respeito dessa seca. Já temos 90% das famílias sem água de qualidade para consumo, alimentação”, afirma o líder comunitário. Segundo ele relata em mensagens de áudio as seringueiras não se encontram em franca produção a exemplo de anos anteriores, o que inquieta a todos.

Desde o ano passado, as comunidades extrativistas do Alto Acre são intensamente impactadas. As altas temperaturas aliadas à falta prolongada de chuvas comprometem os roçados de macaxeira, milho, verduras, legumes, arroz, café, entre outras plantas.

Ano passado, Varadouro esteve no Seringal Guanabara, em Brasileia, para ouvir o relato de mulheres extrativistas afetadas pela seca. Na ocasião, a reportagem conversou com a jovem liderança Iranilce Silva, que cultiva café dentro de sua colocação para recuperar áreas degradadas. Todavia, devido às chuvas ela precisou interromper o plantio para não ter prejuízos.

No fim de fevereiro último, ela gravou um vídeo para falar sobre problema inverso: a grande alagação. Na Resex Chico Mendes, muitas comunidades ficaram isoladas com a destruição das pontes de madeira por causa do transbordamento de rios e igarapés.

Agora, meses depois, esses mesmos rios, igarapés e vertentes estão em níveis críticos de vazante – alguns até secaram. Mês passado, Varadouro voltou a conversar com Iranilce sobre o atual verão e os efeitos das mudanças climáticas sobre o modo de vida das populações extrativistas.

“A gente tá vendo o nosso rio, o único rio que garante o abastecimento de água aqui para o Alto Acre, que é o rio Acre, a gente tá vendo ele se acabar. Nós do Alto Acre podemos ser os primeiros a ser atingidos por essa seca severa”, afirma a liderança extrativista. “O rio Acre está pedindo socorro.”

Segundo Iranilce Silva, um dos reflexos da crise climática na região da Resex é a redução da quantidade de castanhas coletadas. Se antes uma castanheira rendia a coleta de até 12 latas, hoje não passam de oito. Para a jovem liderança extrativista, isso pode ser reflexo da menor polinização realizada pelas abelhas, que por causa do desmatamento e do clima mais seco migram – provocando um verdadeiro desequilíbrio em todo o ecossistema da floresta.

Desmatamento na Resex Chico Mendes para abertura de pastos aumenta impactos da crise climática e compromete a sobrevivência de grandes espécies vegetais, como as castanheiras (Foto: Gleilson Miranda)

Para Iranilce não restam dúvidas: a derrubada da mata para a abertura de pasto é a principal responsável por esse efeito. “As árvores mais altas da nossa região são as castanheiras, e elas estão vindo abaixo por causa dos fortes ventos. Só aqui na minha propriedade a gente perdeu seis castanheiras. Eu entendo que o desmatamento é o grande vilão destas castanheiras estarem caindo. Se o vizinho ali faz uma abertura mais ampla, o vento vem mais forte e derruba as árvores”, comenta.

“De dois, três anos pra cá a gente já percebeu, principalmente neste ano da safra da castanha agora, a gente já percebeu que estamos sendo atingidos de todos os ângulos.”

Na avaliação de Iranilce Silva, a fuga de animais da região da reserva extrativista é consequência da seca extrema. As condições climáticas adversas reduzem a quantidade de frutos produzidos pelas árvores.

“As frutas das seringueiras, a gente andando pelas estradas de seringa, a gente percebe que a quantidade de frutos no chão não é mais igual dois anos atrás. O porco do mato é um dos animais que mais consomem o fruto da seringueira. São alimentos dos animais que estão ficando extintos. Está tendo um desequilíbrio na cadeia alimentar da floresta”, avalia ela.

A produção de borracha e a coleta de castanha são as principais fontes de renda a partir do extrativismo para as famílias da Resex Chico Mendes. Os impactos da crise climática sobre as duas cadeias produtivas elevam ainda mais as pressões da pecuária sobre a unidade de conservação federal, que desde 2019 enfrenta taxas recordes de desmatamento e queimadas.

“A gente andando pelas estradas de seringa percebe que a quantidade de frutos no chão não é mais igual àquela de dois anos atrás; são alimentos dos animais que estão ficando extintos. Está tendo um desequilíbrio na cadeia alimentar da floresta.”
(Iranilce Silva, moradora na Resex Chico Mendes)


Consequentemente, a região leste do Acre, onde se encontra a Resex Chico Mendes a última área de floresta preservada é seriamente impactada pelos eventos climáticos extremos que colocam em risco a segurança alimentar e de acesso à água potável pelas famílias de extrativistas e agricultores.

A forte estiagem moveu o presidente da Amopreb a apelar no sentido de receber amparo governamental. Ele sugere reivindicação ao Ministério da Cidadania para obter algum apoio, “mesmo com cestas básicas.”

A mortandade de animais em consequência da seca o entristece. Alguns estão fugindo dos seus costumeiros hábitats em busca de água. “Ontem, eu vi essa situação na reserva, tive a oportunidade de caminhar pela área seca onde corriam as águas de um grande igarapé”, disse Romário.

Uma década atrás não ocorriam situações semelhantes, ele analisa: “O poder público e as instituições precisam dar atenção a isso tudo para saber qual será a decisão visando às décadas futuras”, alertou.

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