Amazonas volta aos níveis recordes de queimadas e poluição
Apesar de não estar entre os municípios no topo do ranking do fogo, a capital Manaus é impactada pela fumaça e a poluição. Fronteiras da expansão da agropecuária, Apuí e Lábrea são os campeões em ocorrências de queimadas no Amazonas. Em meio a chamas, Apuí realizará a feira do boi no fim de agosto.
Steffanie Schmidt
dos varadouros de Manaus
O Amazonas está, desde o dia 5 de julho, em situação de emergência ambiental “em decorrência do desmatamento ilegal, aumento das queimadas não autorizadas, do baixo índice pluviométrico e da piora da qualidade do ar em municípios com fortes pressões ambientais”, conforme especifica o Decreto Estadual nº 49.764. Desde então, a fumaça, fruto de queimadas realizadas, principalmente na região sul do estado, vem se intensificando, chegando a colocar a capital, Manaus, como a de pior qualidade do ar no país e a 26ª no mundo, segundo ranking Valores do Índice de Qualidade do Ar (AQI) divulgado no dia 13 de agosto.
O decreto emergencial é uma prática do governo do Amazonas que se repete anualmente, mas, até o momento, ninguém foi preso ou autuado pela prática do uso indevido do fogo. Mesmo com a proibição, o estado registrou quase quatro mil focos de queimadas nos 13 dias de agosto, segundo dados da plataforma BDQueimadas, pertencente ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Os focos captados neste ano representam um aumento de 179,1% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram identificados 1.019 pontos de incêndios. Entre primeiro de janeiro a 13 de agosto, o Amazonas registrou 8.875 ocorrências de fogo em vegetação. A maior parte dos focos se concentra nos municípios ao Sul do estado, na tríplice divisa Amacro: Amazonas, Acre e Rondônia.
Defendida pelos governadores bolsonaristas dos três estados para ser a nova fronteira do agronegócio na Amazônia, a região, contudo, transformou-se numa frente para a expansão de crimes ambientais, como o desmatamento, as queimadas ilegais e a grilagem de terras públicas – incluindo as unidades de conservação – e muitos conflitos fundiários.
Fogo e festa do boi no interior
Em 2024, o município de Apuí – cortado pela Rodovia Transamazônica (BR-230) – lidera o ranking do fogo no Amazonas: 2.926 focos, seguido de Lábrea, com 1.583 focos de queimada. Com apenas 36 anos de existência e 23 mil habitantes, Apuí tem mais boi que gente: possui um dos maiores rebanhos bovinos do Amazonas, com mais de 100 mil cabeças. O próprio governo define o município como “carro-chefe na produção rural do estado com diversas culturas”, principalmente na produção de leite, derivados de leite e carne.
No próximo dia 22, o município realiza a 35ª edição da ExpoAP, feira agropecuária com cinco dias de duração, que contou com investimentos de R$ 531 mil por parte do governo do Amazonas, conforme convênio assinado no último dia 5.
Este ano, em abril, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União), anunciou investimentos na ordem de R$ 3,72 bilhões para reforçar o desenvolvimento do setor primário. O Plano Safra 2023/2024 abrange ações direcionadas à agropecuária, pesca e extrativismo, para contemplar ações e projetos nas áreas de assistência técnica e extensão rural, acesso ao crédito rural, capacitação de produtores rurais e apoio à comercialização da produção. Um aumento substancial em relação ao Plano Safra 2021/2022, que recebeu mais de R$1 bilhão de investimento.
Enquanto isso, segundo dados da Lei Orçamentária Anual (LOA) do Amazonas para 2024, o valor da verba do governo do Amazonas para o programa de Elaboração e Implementação da Política de Desenvolvimento Sustentável e Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas e Monitoramento Ambiental é de apenas R$ 23.823,00, conforme revelou o site Vocativo, esta semana.
Impunes
Mesmo tomada pela fumaça, a capital amazonense não aparece nem entre os 20 municípios com mais registros de fogo. Todo o fumaceiro que invade a região metropolitana de Manaus é oriundo dos municípios na porção Sul e Sudeste do Amazonas, levado até a parte mais norte pela ação dos ventos.
Em 2023, Manaus também ficou encoberta pela fumaça das queimadas descontroladas em Autazes e Novo Aripuanã. Em 2024, Novo Aripuanã está em terceiro lugar no ranking do fogo no Amazonas, com 868 focos, seguido por Manicoré (719 F). Também cortado pela Transamazônica e a BR-319, que interliga Manaus a Porto Velho, Humaitá já registrou 514 pontos de queimadas ao longo de 2024.
Em declaração pública feita esta semana, o Superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Amazonas, Joel Araújo, afirmou que é preciso que haja um trabalho de conscientização junto aos produtores rurais, uma vez que as queimadas são realizadas nesses locais, fruto da prática de ampliação e consolidação de pasto para a prática da pecuária. O Ibama, entretanto, só tem competência para atuação em áreas federais, como as Terras Indígenas, onde estão sendo montadas brigadas voluntárias de combate ao fogo.
“A pecuária praticada no Amazonas tem pouca tecnologia aplicada para desenvolver melhor essas atividades e ano a ano tem necessidade de ampliar sua área de atuação, que resulta em desmatamento. Tem que haver penalização das pessoas pelo uso indevido do fogo, que é crime. Isso precisa ser fiscalizado não só pelas autoridades ambientais, mas também pelas autoridades de justiça”, afirmou.
O Ibama destaca que o desmatamento na Amazônia caiu 45,7% de agosto de 2023 a julho de 2024, a maior queda percentual já registrada para o período, segundo dados do sistema Deter-B, do Inpe, divulgados no dia 7 de agosto. A área sob alertas (4.315 km²) é a menor da série histórica iniciada em 2016.
Isso representou queda em cinco dos nove estados da Amazônia Legal: de 63% em Rondônia; 58% по Amazonas; 54% no Acre; 52% em Mato Grosso; e 48% no Pará, nos 12 meses analisados. Entretanto, no mês de julho foram registrados 666 km2 sob alertas de desmatamento na Amazônia, alta de 33% em relação ao mesmo mês de 2023 (500 km2), após queda de 55% em relação a julho de 2022 (1.487 km²), último ano do governo anterior.
Atualmente 110 brigadistas que integram cinco brigadas do Prevfogo/Ibama seguem realizando combates às queimadas e incêndios florestais. Quatro brigadas são de cunho permanentes e uma de pronto emprego no estado do Amazonas.
Amazônia em chamas
A situação é de preocupação em todos os estados da Amazônia Legal, em especial nas regiões impactadas pelo verão intenso e prolongado. Segundo o BD Queimadas, em todo o bioma amazônico foram registrados 37.833 pontos de queimadas. Os estados com mais detecções são o Pará (10.637 F), o Amazonas (8.875 F) e o Mato Grosso (8.546). Logo em seguida aparecem Roraima (4.642), Rondônia (3.403 F) e Acre (1.036).
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