Seca deixa isoladas comunidades indígenas e ribeirinhas do Alto Juruá
Após enfrentar grande alagação no início do ano, Alto Juruá agora convive com uma estiagem severa que deixa comunidades sem acesso fluvial. Em muitas delas, varadouros passaram a ser a única forma de conexão com Marechal Thaumaturgo. Situação é considerada crítica por lideranças locais. Queimadas agravam o cenário.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
A forte estiagem que atinge o sul da Amazônia ocidental já tem deixado comunidades ribeirinhas e indígenas do Alto Rio Juruá sem acesso por via fluvial. Em Marechal Thaumaturgo só é possível chegar a determinadas localidades caminhando por varadouros, já que rios e igarapés secaram. Onde ainda há água, a navegação só é possível em pequenas embarcações (bajolas). Em muitos casos é preciso puxar e até carregar os barcos nos pontos mais críticos. A seca também já compromete a chegada de mercadorias e combustível à cidade, cuja única ligação com Cruzeiro do Sul é pelo rio Juruá.
De acordo com o dado mais recente disponibilizado pelo Centro Integrado de Geoprocessamento e Monitoramento Ambiental (Cigma), da Secretaria de Meio Ambiente, o rio Juruá media 1,14m na última quinta-feira (29). Ele está abaixo da cota de alerta máximo para vazante, que é de dois metros. A seca de agora contrasta com a grande alagação vivida pelas comunidades rurais de Marechal Thaumaturgo entre o fim de fevereiro e o começo de março. Rios como o Juruá, o Amônia e o Bagé transbordaram.
Roçados e criações de animais nas aldeias, nos assentamentos do Incra e na Reserva Extrativista (Resex) Alto Juruá foram destruídos. Agora, a preocupação é que a falta de chuvas e o calor extremo afetem a recuperação dos cultivos. Com uma população de quase 18 mil pessoas, Marechal Thaumaturgo tem grande parte de sua população vivendo na zona rural, seja em projetos de assentamento, unidades de conservação e em terras indígenas.
A maioria tem nos rios e igarapés a principal fonte de mobilidade, o que aumenta os impactos da seca extrema. Conforme informações apuradas por Varadouro com lideranças locais, as comunidades mais afetadas estão localizadas nas partes altas dos rios Tejo, Bagé, Breu e Alto Rio Juruá. A situação também é considerada crítica no Rio Amônia, onde ficam as aldeias Apolima-Arara e Ashaninka. Em sua parte mais baixa, já no encontro com o Juruá, é possível atravessá-lo andando.
Comida e gás
As cabeceiras desses mananciais ainda estão ocupadas pelas aldeias dos povos Jaminawa/Arara e Huni Kui. Para se chegar a algumas delas só é possível pela mata, caminhando por varadouros. A mesma dificuldade ocorre nas comunidades ribeirinhas da Resex Alto Juruá, que também é composta por aldeias do povo Kuntanawa. Conforme relatos obtidos pela reportagem, as comunidades do rio Bagé da metade do manancial para cima (na comunidade Remanso) estão isoladas. O mesmo cenário se repete no rio São João.
“Os principais impactos que a gente vê e percebe desta seca aqui na região é na mesa do cidadão, na mesa do ribeirinho, do agricultor, das famílias que moram no Alto Juruá. O rio está bastante seco. O acesso está muito ruim, a parte da alimentação fica muito difícil. Falta combustível, falta gás. A situação está bem crítica”, diz Naiana Gomes, gestora do Instituto Yorenka Tassorentsi, organização indígena sediada em Marechal Thaumaturgo.
“A situação está difícil para aquelas pessoas que tiram o sustento da floresta. As caças estão mais escassas, não tem mais caça por perto”, completa ela. A pesca artesanal em rios e igarapés já não é possível em muitos pontos. As únicas opções restantes são os açudes – isso para quem os tem.
O atual cenário de seca extrema, como é possível perceber, deixa estas famílias em situação de insegurança alimentar e hídrica. Como dependem de um clima equilibrado entre Sol e chuvas, seus roçados ficam comprometidos com os comportamentos extremos entre secas e enchentes.
“A situação aqui na Resex Alto Juruá não está muito diferente em relação às outras áreas do estado. Nós temos o rio Tejo muito baixo, nós temos um assoreamento histórico este ano. Comunidades como a Vila Restauração, a Boa Vista estão muito difícil de se chegar”, diz Orleir Moreira, presidente da Associação de Moradores da Resex Alto Juruá (Asareaj).
“Rios como o Bagé, chegar lá na comunidade Seringueirinhas, nas aldeias do rio Bagé está praticamente inavegável.”
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Além disso, há os impactos diretos para a população urbana de Marechal Thaumaturgo. Toda logística de abastecimento da cidade é feita pelo rio Juruá. Embarcações com mercadorias e combustível sobem o Juruá partindo do principal centro urbano da região, Cruzeiro do Sul. Viagens que antes aconteciam em um ou dois dias agora levam semanas. Em muitos pontos, só embarcações menores podem navegar.
Na cidade, muitos pontões (postos de combustível na margem do rio) já estão sem estoque. O impacto se dá no aumento do custo de vida. Outros três municípios acreanos enfrentam a mesma situação: Porto Walter, Santa Rosa do Purus e Jordão.
Secura e queimadas
Além da falta de chuva e temperaturas elevadas, a região ainda é impactada pelo fogo. Segundo dados do Programa BD Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Resex Alto Juruá é a segunda unidade de conservação federal com mais registro de focos de calor ao longo de 2024, com 33 pontos. Ela fica atrás apenas da Resex Chico Mendes (85 F) – localizada no Alto Acre.
Em seguida como as UCs com mais registros estão duas localizadas no Vale do Juruá: O Parque Nacional da Serra do Divisor (30 F) e a Resex Riozinho da Liberdade (28).
Desde 2019 tem chamado a atenção o aumento dos impactos do desmayamento e das queimadas no Vale do Juruá – uma das regiões (ainda) mais bem preservadas da Amazônia. A expansão da atividade agropecuária – com a abertura de pasto – pelo traçado da BR-364 entre Rio Brancco e Cruzeiro da Sul impulsionam as pressões.