TORRES E SAMAÚMAS

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Noke Ko’í denunciam impactos ambientais na construção de linhão, e obras são paralisadas

Já pressionado pela BR-364, território Noke Ko’í agora sente os impactos do linhão de energia elétrica entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul (Foto: Acervo Varadouro)




De acordo com liderança, a empresa fez a derrubada de samaúmas (árvore sagrada para o povo) para a instalação das torres. Segundo Poa Noke Ko’í, danos ambientais são bem maiores do que os previstos no licenciamento. Ele também nega sequestro de procurador e funcionários da empresa. Ao Varadouro, procurador da República também nega qualquer tipo de violência por parte dos indígenas




Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco


As obras do linhão de transmissão de energia elétrica entre os municípios de Sena Madureira e Cruzeiro do Sul estão interrompidas desde a tarde de quarta-feira, 13, no trecho dentro da Terra Indígena Campinas/Katukina. A paralisação é uma ordem do povo Noke Ko’í após constatar graves impactos ambientais ocasionados pela construção das torres dentro de seu território. Entre eles, está a abertura de áreas de floresta maiores do que as previstas no projeto inicial, que provocam a derrubada de árvores consideradas sagradas, como a samaúma. Segundo as lideranças Noke Ko’í, os impactos ocasionados pelas obras são muito maiores daqueles sinalizados durante o seu processo de licenciamento.

“A gente não imaginava que ia ter o impacto tão grande como a gente tá vendo. Quando a gente vê a coisa na prática, é totalmente diferente do que foi apresentado pra gente no licenciamento. Tá fora do nosso acordo, tá fora do estudo, do que nós combinamos, do que nós conversamos”, afirma Poa Noke Ko’í, cacique-geral do povo, em entrevista ao Varadouro.

“Está acontecendo um desmatamento muito grande, um impacto muito grande. É a destruição total das nossas medicinas sagradas, das nossas madeiras de lei, de construção, de nossas palheiras”, afirma a liderança. “A samaúma pra nós, para o povo Noke Ko’í, é uma árvore sagrada.” Ainda segundo ele, as obras impactam também na presença de animais que formam a sua base alimentar, afugentando as caças.

Segundo o cacique, durante as negociações do licenciamento a empresa se comprometeu a desviar o traçado do linhão onde houvesse samaúmas no caminho. “Quando demos conta já tinham detonado seis samaúmas, e tem mais quatro pra serem detonadas, derrubadas”, denuncia Poa Noke Ko’í.

Após anunciarem a paralisação das obras como protesto pelos impactos das obras e a falta de um acordo para indenizações, começaram a se espalhar notícias falsas nas redes sociais e na própria imprensa local de que os indígenas teriam feito funcionários da empresa, do Ibama, da Funai e até um procurador da República como reféns numa das aldeias, e que estariam exigindo o pagamento de R$ 30 milhões para libertá-los. Tudo não passava de uma fake news.

Cacique Poa Noke Ko’í: impactos ambientais muito mais intensos do que os previstos (Foto Cedida)



Uma tensão momentânea

Varadouro conversou com o procurador Luidgi Merlo, do ofício Indígena da 6o Câmara do MPF, que teria sido o “sequestrado”. Ele está vivo, são e salvo. Ele de fato estava na reunião na Ti Campinas/Katukina, mas, como afirma, em momento algum foi feito refém ou impedido de deixar a aldeia pelos indígenas.

Merlo foi convidado por um dos consultores da Acre Transmissora (Zopone Engenharia) para ver de perto a execução das obras. O encontro entre a autoridade ministerial, o povo Noke Ko’í, empresa e demais órgãos públicos aconteceu durante dois dias. No último deles, na quarta, 13, o procurador decidiu ter um momento a sós com os indígenas para que eles se sentissem à vontade para relatar os fatos.

Foi aí que Merlo ouviu os mesmos relatos recebidos por Varadouro. “Eu me encontrei com as lideranças e eles começaram a relatar uma série de problemas, de questões que para eles estavam ruim em relação à empresa. Relataram alguns exemplos, de estar havendo cortes de samaúmas, que para eles é uma árvore sagrada. Eles reclamaram disso, que não estava previsto dentro do componente indígena o corte de samaúmas e outras plantas medicinais”, explica o procurador.

Segundo Luidgi Merlo, os indígenas relataram que a abertura de áreas para a instalação das torres estava maior do que o previsto. Também estariam ocorrendo a abertura de picadas entre uma torre e outra que não estavam no cronograma. Além das ações compensatórias, completa o procurador, os indígenas entendiam que precisavam ser recompensados financeiramente pelos danos ambientais que sofrem.

“Até então, para mim, aquelas eram informações novas, e acho que também para a empresa. E sugeri de nos reunirmos no outro dia [13]: as lideranças, representantes da empresa pra gente conversar sobre estes pontos e ver se a gente consegue chegar a um acordo”, diz Luidgi Merlo.

O encontro voltou a ter a participação de outros atores públicos, incluindo servidores do Instituto de Defesa Animal e Florestal (Idaf), órgão estadual responsável, entre outros, pelo controle sanitário do rebanho bovino.

“Começou a reunião e eu coloquei, de forma resumida, os pontos que tinham sido colocados pelas lideranças, para que a empresa pudesse responder, dar a sua versão. Depois as lideranças fizeram algumas falas e eles decidiram que alguém da empresa viesse para tratar da compensação financeira, que isso era muito importante para eles. Algumas falas começaram a ser mais fortes, de que eles se sentiam enganados, que era necessária a compensação”, comenta o procurador.

Em um certo momento, continua Luidgi Merlo. um dos líderes Noke Ko’í afirmou que enquanto não fosse resolvida a questão da indenização, ninguém iria deixar o local da reunião.

“Isso é comum dentro da retórica de determinados grupos indígenas colocar as questões assim, mas em nenhum momento havia um sequestro. Chegaram sim a atravessar um trator no acesso de saída, mas em momento algum me senti ameaçado. De qualquer forma há uma certa tensão nestas situações, e meu papel foi de tentar mediar para que ficasse tudo bem”, ressalta o procurador.

“Não houve nada de sequestro, refém. Foi uma situação momentânea, rápida. Todo mundo estava em segurança, não houve riscos para ninguém.” O cacique-geral, Poa Noke Ko’í, completa: “Quando falaram que sequestramos o procurador isso é pura mentira. Ninguém ficou refém. Tanto a empresa Zopone [funcionários] como o procurador, ninguém foi feito refém”.

Indígenas, empresa e agentes públicos fiscalizam impactos da construção de torres na terra indígena (Foto: Poa Noke Ko’í)



Acordo ou judicialização

Aos indígenas, Luidgi Merlo se comprometeu a colocar o MPF como mediador da questão, apresentando formalmente as demandas da comunidade para a empresa. Ainda nessa quinta, 14, o procurador redigia ofícios para que a Acre Transmissora, Ibama e Funai se manifestem. Todos terão prazo de cinco dias, a partir das notificações, para dizer como pretendem agir.

A partir das respostas recebidas e em consenso com o povo indígena, explica o procurador, o MPF buscará um acordo sem a necessidade de recorrer à Justiça. Caso não seja possível o acordo, a procuradoria pode ajuizar com uma Ação Civil Pública (ACP) contra a empresa e a União. “Isso exigiria uma análise mais detida de minha parte. Depende das respostas que forem dadas, das análises da documentação”, comenta Luidgi Merlo.

Enquanto o acordo não é fechado, as obras do linhão para Cruzeiro do Sul estão interrompidas dentro da TI Campinas/Katukina. Ao todo são 36 torres de transmissão a ser instaladas no território Noke K’oi. As obras começaram em março do ano passado.

O linhão segue o traçado da BR-364 que corta a terra indígena por 22 quilômetros. Uma das preocupações apontadas pela empresa é quanto à segurança dos indígenas. A Acre Transmissora pede a autorização das lideranças para a instalação de redes nas antenas para evitar que as crianças subam nas estruturas das torres. As negociações estão em curso.



O outro lado

Varadouro entrou em contato com a Zopone Engenharia para saber sua versão dos fatos, mas as respostas não foram enviadas até a publicação da reportagem. A assessoria de comunicação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) também não se manifestou.

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