Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho
Ontem ao Sol, hoje à sombra: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Governo de Rondônia usaram no final da semana o método camaleão para promover ato de entrega de títulos definitivos a agricultores. Foi assim na sexta-feira, 9, no Teatro Guaporé lotado, ao contemplarem 250 famílias de chacareiros em Porto Velho. Solenidades que aconteciam quatro décadas atrás no meio das ruas de Ji-Paraná, Ouro Preto e Vilhena mudaram de lugar e aconteceram no recôndito do salão refrigerado.
Coincidentemente, o ato foi programado para acontecer no dia do 29º ano do Massacre de Corumbiara, quando 12 pessoas morreram a tiros – dez camponeses e dois policiais militares.
Incra e governo estadual regularizaram em parceria uma área de terras com georreferenciamento, cadastraram as famílias na chamada Plataforma de Governança Fundiária e, se o clima permitir, darão vida longa aos chacareiros do setor conhecido por Militão, a 15 quilômetros do Centro da Capital rondoniense.
O mundo modernizou, e as estratégias de marketing também. Em vez de os felizes pequenos proprietários rurais sorrirem para as autoridades, possivelmente ganhando “dedos de prosa”, exibiram dentes e os olhos para as câmeras fotográficas de celulares em selfies – uma atrás da outra.
Militão foi beneficiada por uma decisão do Objeto de um Contrato de Alienação de Terras Públicas no período de colonização de Rondônia, depois retornou ao domínio da União por descumprir cláusulas resolutivas. E aí as famílias ganharam a regularização da posse.
ONTEM ERA ASSIM
Depois de algumas refregas com acampamentos de sem terra e camponeses em diferentes regiões do estado, o que o fez recorrer à Força Nacional, o governador Marcos Rocha diz atualmente que “defende ações que fortalecem a entrega de títulos definitivos.” Ele age como adepto da regularização fundiária, elegendo-a como prioridade.
Condicionando-se a ser parceiro do “novo Incra”, mesmo resgatando situações que se arrastam desde o período da colonização autorizações de ocupação (AOs), por exemplo –, Rocha caminha em busca de uma paz no campo, tendo como revés, ainda, o aumento da violência* no meio rural.
Mas não deixa fugir o discurso direto e ao mesmo tempo ensaboado para as exigências de sem terra e camponeses: “Ao entregarmos esses títulos, estamos promovendo cidadania, justiça social e segurança às famílias de Rondônia” – disse ele no final da semana.
MUITA GENTE NA RUA
Segundo o discurso governamental, a entrega dos 250 títulos definitivos às famílias chacareiras de Porto Velho “só foi possível com atuação da Secretaria de Estado de Patrimônio e Regularização Fundiária (Sepat) e do Incra.”
“A regularização do setor chacareiro Militão é um exemplo de como políticas públicas eficazes podem transformar a vida de comunidades rurais” – afirmou o governador em frase muito bem decorada. Nenhum “a”, nenhum pio, a respeito de um misterioso Instituto de Terras de Rondônia (Iteron), que já fez aniversário, mas dele não se conhece agenda, quem é quem, e se efetivamente teria feito algo em benefício da reforma agrária.
Obviamente, não seria em festividades semelhantes à de sexta-feira (9 de agosto) que viria a funcionar verdadeiramente a alardeada transparência governamental. O Iteron fora concebido para ser “órgão executor da política agrária do estado, investido de poderes de representação para promover a discriminação e arrecadação das terras devolutas, bem como a normatização de áreas urbanas e rurais, de domínio e posse do Estado.”
O silêncio a respeito das atividades do Iteron fere no peito e na cabeça tal transparência.
AGORA É ASSIM
Durante da entrega dos títulos a chacareiros, o superintendente do Incra em Rondônia, Luís Flávio Ribeiro, também enalteceu a parceria entre o estado e o Instituto. tem sido de muito trabalho e resultados.
”O governo, por meio da Sepat acreditou na parceria e deu todo o apoio necessário para prosseguirmos, e assim fez a diferença” – disse Ribeiro.
____
* Relatório da Comissão Pastoral da Terra divulgado no início de agosto deste ano diz que Rondônia totalizou 162 conflitos por terra, o que resulta no aumento de 107,6% em relação a 2022, quando ocorreram 78 casos. Foram ações contra ocupações e posse que elegeram Rondônia o 4º estado com maior número de conflitos no setor. Há nesse relatório conflitos por água no total de 20 em 2023, a maioria de 11 no município de Porto Velho (34 mil Km²). Na Amazônia, a CPT aponta a destruição e poluição da água por consequências graves a 12.307 famílias. São 35 casos. O não cumprimento de procedimentos legais envolve 4.338 famílias.