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Três meses após grande cheia, rio Acre está a menos de 70 cm de vazante histórica

Um rio de extremos: à esquerda, rio Acre em 1 de abril; à direita, o mesmo rio, em 22 de julho (Fotos: Varadouro)



Situação é de alerta extremo com previsões de um verão mais quente, seco e prolongado para 2023; manancial é única fonte de captação para mais da metade da população acreana



Varadouro – Rio Branco



A SITUAÇÃO do rio Acre é preocupante. A nossa situação é mais preocupante ainda. Estamos no fim de julho, e o manancial está a menos de 70 centímetros de alcançar o nível mais crítico de vazante já registrado em 50 anos de aferições, que é de 1,26m. A marca foi alcançada em 29 de setembro do ano passado. Nesta quarta-feira, 26 de julho, o rio Acre está com 1,92m. De um dia para o outro, vazou dois centímetros. A continuar neste ritmo, e se nenhuma boa chuva vir do céu nas próximas semanas, a vazante histórica de 2022 pode ser alcançada – e até superada – ainda no mês de agosto.

O atual cenário desolador do principal rio da região leste do estado, contrasta com a situação ocorrida entre o fim de março e início de abril, quando o agora combalido rio Acre tornou-se um gigante indomável alcançando a marca de 17,72m – a terceira maior enchente. De lá para cá, as chuvas diminuíram (e até cessaram). Passados três meses, a preocupação é com um eventual colapso no serviço de captação e distribuição de água potável.

Com as perspectivas de termos um verão rigoroso em 2023 por conta dos efeitos do fenômeno climático El Niño, a situação torna-se desesperadora para mais da metade da população acreana, que tem no rio Acre a sua única fonte de captação para a água que chega até suas caixas d’água. As projeções são as de termos um verão mais seco, ainda mais quente e prolongado. Se o rio apartar, entramos em colapso. Não há plano B, como bem definiu o geógrafo Claudemir Mesquita, em recente entrevista ao Varadouro.

“Essas oscilações do rio Acre demonstram que o desequilíbrio ambiental é enorme, e essas oscilações só trazem insegurança para a população, insegurança biológica e ecológica. A única possibilidade para amenizar estes problemas é a recuperação do rio. A outra possibilidade é a da educação ambiental”, diz Claudemir Mesquita. Para ele, apenas a mobilização da sociedade será capaz de mitigar os efeitos, atuando em defesa do manancial.

“O poder público até agora não se manifestou. A população terá que inserir isso no contexto pedagógico para que a gente possa, no futuro, um rio pelo menos com água para que a gente possa viver um pouco mais.” “A gente precisa melhor os ouvidos das nossas autoridades e sensibilizá-los para que possam prover ao rio, e à população, melhores dias”, comenta.

Mesmo que não aparte, em níveis críticos de vazante o serviço de captação fica bastante comprometido. Na principal estação de tratamento de água (a ETA 2), na região da Sobral, as bombas precisam ser colocadas em cima de balsinhas para puxar a água dos pontos mais fundos. Assim foi em 2016, quando o Acre também era afetado por um El Niño. Neste tipo de condição, muito barro é sugado pelas bombas – o que exige o uso de produtos químicos em maior quantidade no processo de purificação do líquido.

A se manter as coisas como estão – com tendência de piorar, infelizmente – a Prefeitura de Rio Branco, por meio de seu Serviço de Água e Esgoto de Rio Branco (Saerb), pode iniciar o planejamento para um rodízio na distribuição de água entre os bairros da capital. O mesmo vale para o governo e seu Saneacre nos municípios do Baixo e Alto Acre. Certamente a situação mais crítica pode acontecer em Assis Brasil, cidade localizada nas cabeceiras do rio, e onde a vazante é bem pior.

Em Brasileia, que em março ficou debaixo d’água com a grande cheia do rio Acre, o manancial estava na cota de 1,24m. Descendo um pouco mais, pelas bandas de Xapuri, o nível era de 1,90m nesta quarta.

Ver o rio Acre numa situação tão crítica como essa é reflexo não apenas dos eventos climáticos extremos intensificados ao longo dos últimos 10 anos, mas também – e principalmente – consequência de seu processo histórico de deterioração ocorrido ao longo das últimas cinco décadas, com a ocupação das margens para atividades agrícolas.

A mata ciliar já foi quase toda desmatada. As únicas áreas de floresta que sobrevivem estão em unidades de conservação (Resex Chico Mendes e Estação Ecológica do Rio Acre), aém da Terra Indígena Cabeceira do Rio Acre – do povo Yaminawa. O restante, está tudo ocupado por áreas agrícolas, incluindo grandes fazendas de gado. Há a denúncia de que tais propriedades até furtam a água do rio para abastecer os açudes. O mesmo acontece com seus dois principais afluentes: o Xapuri e o riozinho do Rola.

O despejo de centenas, milhares de litros de esgoto sem nenhum tipo de tratamento é outro grave problema. Nem mesmo durante os 20 anos de governos petistas no estado – mais identificados (teoricamente) com a pauta de preservação ambiental – houve investimentos para um processo de recuperação de tão importante manancial. O mais básico deles seria a recuperação das margens, por meio do reflorestamento. Outro, a construção de estações de tratamento de esgoto nas cidades.

O tempo está ficando curto. Podemos pagar um preço muito alto se ficarmos apenas de braços cruzados enquanto o nosso maltratado e judiado Aquiry vai definhando ano após ano.



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