Operação na Resex Chico Mendes cria clima de hostilidades e ameaças contra primo de líder seringueiro

Uma das mais importantes lideranças seringueiras da região e primo de Chico Mendes, Raimundão é acusado por infratores ambientais de fomentar operação do ICMBio que apreende gado. Algozes dizem que ele procura “pegar chumbo”, assim como aconteceu com Chico Mendes. Raiara Barros, filha de 21 anos de Raimundão, diz ter a vida impactada pelo medo das ameaças.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
A deflagração de uma operação de apreensão de gado dentro da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes na última quinta, 5,, realizada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), criou um clima de animosidade dentro das comunidades da unidade de conservação, e nas cidades do Alto Acre como um todo. Uma das consequências mais graves passaram a ser ameaças e intimidações a uma das mais importantes lideranças da região, Raimundo Mendes de Barros, o Raimundão, primo de Chico Mendes.
Por conta de suas críticas ao atual processo de devastação por que passa a unidade de conservação – com a expansão desenfreada da agropecuária e a venda de lotes de terra por alguns dos moradores -, Raimundão é visto como o culpado pelas operações do ICMBio, bem como as da Polícia Federal, que resultam na apreensão de gado, na aplicação de multas e no embargo de colocações.
Após a realização da Operação Suçuarana, uma grande mobilização política foi montada no estado para denunciar o que classificam como “ações abusivas” cometidas pelos agentes do ICMBio. O caso ganhou repercussão por conta de vídeo no qual um dos alvos da operação ser visto aos prantos, consolado pela família, após ter as mais de 150 cabeças de gado dentro de sua colocação apreendidas.
Em grupo de WhatsApp criado pós-operação, mensagens em áudio e texto responsabilizavam Raimundão pelas constantes operações dentro da reserva extrativista. Algumas das mensagens alertavam para ele e sua família não terem o mesmo destino de Chico Mendes. O líder seringueiro foi executado em 22 de dezembro de 1988, por conta de sua luta e resistência contra a transformação da floresta em pasto.
“Estão sempre atacando a imagem do meu pai, das pessoas que trabalham com a floresta. Começaram a atacar a história do pai, a história do Chico Mendes. Dizem que o pai tá procurando pegar chumbo, assim como Chico Mendes pegou”, diz Raiara Barros, filha de Raimundão e uma das jovens lideranças dentro da Resex Chico Mendes em Xapuri.

Ela é integrante da organização Coletivo Varadouro, que reúne jovens moradores das reservas extrativistas do Acre. Ela afirma estar temerosa com o atual ambiente de hostilidades na região. Aos 21 anos de idade, ela diz já ter sua vida impactada pelo medo ocasionado pelas ameaças contra a sua família. Moradora do Seringal Rio Branco, a família de Raimundão adotou medidas de cautela para evitar exposições.
“Eu hoje estou perdendo a minha juventude com esse medo que a gente sempre carrega por estar à frente defendendo o legado de Chico Mendes, o legado do Raimundão, pois o pai tem muita história pra ser seguida, e a gente vive nesse medo. São pessoas capazes de tudo. É um medo extremo que toma conta da gente. É um medo que afeta muito a minha vida”, ressalta ela, em entrevista ao Varadouro.
“Nós conhecemos as pessoas que estão dirigindo essas palavras ao nosso pai. Nossa família toda está sendo muito mal falada.”. A jovem liderança diz temer que as intimidações se estendam a outras lideranças da Resex Chico Mendes, à medida que as operações do ICMBio avançarem.
“Isso hoje tá acontecendo em Xapuri, com essas ameaças contra as pessoas que defendem a floresta, e sabemos que quando essa ação chegar em Brasiléia e nos outros municípios vai acontecer a mesma coisa. Então é melhor a gente evitar já a partir de Xapuri para que isso tenha um alcance muito grande.”

O grupo de “resistência” à ação é formado por moradores da Resex Chico Mendes que perderam o perfil de extrativistas, e hoje são verdadeiros pecuaristas, lideranças políticas dos municípios do Alto Acre. Eles também conseguem aglutinar os pequenos moradores com a retórica de que eles também podem ser expulsos ou ter suas criações apreendidas pelo órgão gestor.
Essa não é a primeira vez, em tempos recentes, que lideranças tradicionais são vítimas de ameaças. Em setembro de 2023, Varadouro mostrou o caso da seringueira Luzineide da Silva, que passou a ser ameaçado por denunciar e se opor à derrubada da floresta dentro da sua colocação, também em Xapuri.
Leia a reportagem UMA SERINGUEIRA DE PÉ
A ofensiva da pecuária
Os críticos acusam o ICMBio de atuar com abuso de autoridade ao não notificar e nem garantir o direito de defesa – ou mesmo tempo para retirar o gado das colocações. Muitas das cabeças hoje dentro da Resex Chico Mendes é o chamado “gado de meia”; ou seja, os donos das colocações arrendam suas áreas para os grandes fazendeiros do entorno.
A criação de gado é permitida pelo plano de uso da Resex Chico Mendes, desde que respeitados os limites de cada colocação. Todavia, uma parte dos moradores já ultrapassou todos os limites, ampliando a área de floresta desmatada para colocar o boi.
Segundo o ICMBio, os alvos da operação são invasores que já haviam sido notificados administrativamente e possuem decisões judiciais transitadas em julgado.
É o caso deste senhor flagrado aos prantos. A área ocupada por ele, dentro do Seringal Nova Esperança, em Xapuri, já tinha recebido a primeira notificação em 2016, quando pertencia a outra pessoa. A colocação foi embargada por desmatamento e impedimento de recuperação natural, totalizando 98 hectares.
Ao a Justiça Federal determinar a sua desintrusão, o primeiro dono vendeu a área para o senhor agora “visitado” pelas autoridades ambientais. Em 2024, ele já tinha sido notificado pelo ICMBio para retirar o gado da área após sentença judicial. Ele chegou a cumprir a ordem, mas voltou a ocupar o pasto.
A Operação Suçuarana
Desde 2019 outro problema enfrentado é o fracionamento dos seringais para a venda de lotes. A maioria dos novos moradores são pessoas vindas de Rondônia, cujo objetivo é a criação de gado e a agricultura. Por conta disso, a unidade de conservação é uma das líderes em taxas de desmatamento em toda a Amazônia Legal.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por meio de seu programa de monitoramento Prodes, entre 2019 e 2024 a UC perdeu quase 385 km2 de cobertura florestal; foi a quinta área protegida da Amazônia mais desmatada no período.
“A Reserva Extrativista Chico Mendes é uma área federal protegida, destinada a compatibilizar a conservação do meio ambiente com atividades econômicas sustentáveis, realizadas pelos beneficiários que nela residem. É nossa unidade mais desmatada e, diante desse cenário, estamos promovendo operações contínuas de proteção, identificação e punição dos infratores”, afirma Carla Lessa, gerente regional do ICMBio para a Amazônia.

A meta da operação Suçuarana é apreender 400 cabeças de gado que estão de forma ilegal no interior da reserva extrativista. A operação não tem data para acabar. No primeiro dia de retirada de gado, ocorrido nesta segunda-feira, 9, foram apreendidos 20 animais criados em área embargada. Os animais foram destinados a um frigorífico local.
A Operação Suçuarana tem o apoio do Batalhão de Polícia Militar Ambiental do Acre (BPA), Força Nacional (FN), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF), Exército Brasileiro (EB), Ministério Público Federal (MPF) e do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Acre (Idaf).
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