RONDÔNIA ESTRANHA

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Estado mantém Instituto de Terras na surdina e Casa Civil tem mais servidores que o governador

Grandes latifúndios se formaram às margens das rodovias de Rondônia ao longo das décadas, ocupadas pela agropecuária; sem política estadual para a questão fundiária, conflitos se agravam (Foto: Varadouro)



Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho

Salvo a existência de uma agenda misteriosa – o que é absolutamente possível – o Instituto de Terras do Estado de Rondônia (Iteron) tem cara de fantasma no organograma oficial. Sabe-se apenas de sua existência. Ninguém conhece um só diretor da autarquia. Ou o órgão não produziu ainda o necessário, ou sua direção está proibida de falar, deduz-se. Pelo que expõe o governo estadual, o Iteron se vale da estrutura da recém-criada Secretaria de Estado de Patrimônio e Regularização Fundiária (Sepat, ex-superintendência) e dela vive a reboque.

Embora “dotado de autonomia administrativa e financeira” – conforme frisa o governo, e mesmo nessa confortável condição, não se conhece um só real desse investimento orçamentário. Para o período 2023-2024, as despesas obrigatórias de caráter continuado na Sepat estão estimadas em R$ 5,08 milhões – acima da Sesdec (segurança pública), que possui R$ 3,6 milhões, e da Seas (desenvolvimento social), com R$ 2,4 milhões. O Iteron trabalharia com R$ 1,26 milhão.

Rondônia tem o governo amazônico campeão em certificados de transparência: já apresentou meia dúzia desde o primeiro mandato. Daí, o incômodo para servidores do Iteron, uma vez que o público contribuinte é o maior beneficiário dessa transparência, podendo com ela concordar ou até discordar.

Dispondo da divulgação tocada por 106 servidores da Secretaria de Estado de Comunicação (Secom), sua direção permanece na moita e ninguém sabe exatamente o atual estágio dos serviços públicos prestados pelo Iteron.

Seis meses depois de criado pela Lei Complementar nº 1.180 (14 de março de 2023) assinada pelo vice-governador Sérgio Gonçalves da Silva na ausência do titular, coronel Marcos Rocha (União), é sepulcral o silêncio a respeito desse instituto.

Da Assembleia Legislativa, um deputado estadual que incrivelmente pede anonimato (?) pincela o quatro com tintas indesejáveis ao comentar: “Não se sabe o rumo desse navio; se ninguém conheceu até agora quem trabalha nesse instituto pode ser que isso aconteça para afastar latifundiários da sede do governo, só que eles já mapearam gabinete por gabinete.”

O que diz a Lei 1.180:

Subseção I
Do Instituto de Terras do Estado de Rondônia – ITERON

Art. 111-B. Fica criado o Instituto de Terras do Estado de Rondônia – ITERON, autarquia estadual vinculada à Secretaria de Estado de Patrimônio e Regularização Fundiária – SEPAT, dotado de autonomia administrativa e financeira, regido por esta Lei Complementar e por seu regimento interno, aprovado mediante Decreto do Poder Executivo, competindo-lhe:

I – Promover a discriminação administrativa das terras localizadas na área rural de seu território;

II – Reconhecer as pessoas legítimas e destinar as terras apuradas, arrecadadas e incorporadas ao patrimônio imobiliário do Estado de Rondônia, de forma a promover a democratização do acesso à terra e fixação do homem no campo;

III – realizar, bienalmente, a avaliação das terras devolutas e do patrimônio do Estado, agrupadas nas respectivas regiões, atribuindo valoração uniforme a cada lote, respeitando as especificidades;

IV – Promover a formalização e tramitação, em tempo razoável, de processos administrativos que visem à expedição de licenças de ocupação, títulos provisórios e definitivos, com chancela do Governador do estado de Rondônia;

V – Coordenar a elaboração e a implementação dos planos de regularização fundiária rural por meio de convênio e/ou outros instrumentos;

VI – Promover, em conjunto com demais órgãos ou entidades, apoio técnico, social e ambiental aos assentados nos programas do Estado, para implementação de políticas públicas de desenvolvimento agrícola e preservação ambiental; e nacionais ou internacionais, para execução de suas finalidades e competências.

Casa Civil faz e acontece

Resex Jaci-Paraná, em Porto Velho: desmatada e grilada desde sua criação; omissão do governo estadual fomentou invasões em área de proteção (Foto: Varadouro)


Pela primeira vez na história recente do estado, um chefe de Casa Civil tem mais poderes que o próprio governador. A Lei Complementar nº 1.180 de 14 de março de 2023 é o atestado maior dessa situação.

A partir de sua publicação, o maior número de cargos em comissão no governo passou a ser da Casa Civil, com mais poderes assim do que o próprio gabinete do governador: reúnem-se sob o mando do titular, Júnior Gonçalves, 548 servidores, enquanto o gabinete do governador possui 402.

O gabinete do vice, Sérgio Gonçalves da Silva, irmão de Júnior e titular da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sedec) tem apenas 18; a Casa Militar, 16.

Fosse composição militar, a Sedec não passaria de um simples destacamento, embora tenha para si a responsabilidade de negociar, permanentemente, a atração de capitais e a instalação de empreendimentos industriais para o estado. Logo, necessitaria ser um pelotão, até batalhão, diante de seus afazeres.

Demais composições: a Secretaria de Estado de Comunicação, diretamente ligada a Júnior Gonçalves, tem 106 servidores. Na prática, o chefe da Casa Civil dirige 654 pessoas, 252 a mais do que o governador Marcos Rocha.

Aparentemente, quais os prejuízos que isso representa? Basta ver outras composições: a Contabilidade Geral do Estado, onde cada técnico tem a enorme responsabilidade de manter em dia a prestação de contas do governo possui apenas 51 comissionados.

A Controladoria Geral não passa de 47. Tem somente dois servidores a mais que a Secretaria Especial de Integração do Estado de Rondônia em Brasília, conhecida pela sigla Sibra. Já a Superintendência de Gestão de Gastos Públicos (Sugesp) conta com 211 servidores.

Na Contabilidade são feitas operações financeiras de todos os setores administrativos governamentais. É ela que presta contas aos órgãos de fiscalização sobre como são gastos os recursos financeiros de uma entidade ou organização do estado. Na verdade, é dela que sai a transparência sempre demonstrada pelo governo no que diz respeito aos seus gastos.

Terras públicas negociadas e grilagem

O estudo “Leis e Práticas de Regularização Fundiária no Estado de Rondônia” diz que a nova Lei de Terras a ser aplicada em áreas que serão transferidas da União para o governo estadual é “inovadora”: ela veta a regularização para ocupantes que tenham cometido o crime de grilagem.

Atualmente, pouco mais de seis milhões de hectares (27%) do território rondoniense ainda não possuem destinação ou não existem informações sobre seu status. Desse total, 42% já estavam inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Por causa da ausência de informações públicas sobre a situação fundiária desses imóveis (se posse ou titulados), eles não foram considerados no relatório na categoria de imóveis privados (titulados). É possível que muitos sejam ocupações em terras públicas sem titulação.

A maior parte da área não destinada no estado (90%) pertence à União. “De fato, na criação do Estado de Rondônia, em 1981, as terras não foram registradas em nome do estado e continuaram em nome da União”, diz trecho do estudo.

No entanto, algumas glebas não tiveram o processo de arrecadação formalmente concluído pelo governo federal, não sendo efetivamente matriculadas pela União.

Segundo o relatório do Imazon, tais áreas somam mais de 600 mil hectares e correspondem a 2,5% do estado. Atualmente, elas aguardam transferência para o governo de Rondônia.

O ex-governador Daniel Pereira, seu antecessor Confúcio Moura, e o reeleito governador Marcos Rocha reconhecem que a prioridade para entrega de títulos rurais deve ser alcançada. A falta de documentação das terras rurais desafia o estado e causa conflitos. Na história do Incra desde o extinto e anacrônico Território Federal de Rondônia há processos contra servidores corruptos (até executores e coordenadores) nos quais sazonalmente há providências judiciais.

No final de 2019, a pedido da Corregedoria-Geral do Incra, conforme o Diário Oficial da União, servidores foram afastados “por supostas irregularidades identificadas na superintendência regional.” A ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Tereza Cristina afastou servidores, designando outros, inclusive nas diretorias.

A negociação de terras públicas não nasceu hoje; ela vem desde o funcionamento de projetos pioneiros de colonização em Ji-Paraná, Pimenta Bueno e Vilhena.









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