RESEX CHICO MENDES: DESTRUIÇÃO SEM LIMITES

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Morador do Seringal Curitiba denuncia mais destruição no interior da Resex e ameaças de morte

Fracionamento de colocações chega aos seringais mais distantes, como o Curitiba, floresta (ainda) preservada é impactada pelo desmatamento, queimadas e destruição de nascentes (Foto: Cedida)



Mesmo localizado numa região de difícil acesso, seringal é pressionado pelo comércio ilegal de terras; loteamento de colocações feito por moradores ocasiona expansão da devastação para áreas ainda preservadas. Nem espécies protegidas por lei escapam. Ameaçado de morte, morador precisou deixar sua propriedade


Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco



As denúncias de crimes ambientais praticados no interior da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes não param de chegar ao conhecimento do Varadouro. Após a denúncia feita por este jornal das ameaças de morte sofridas pela seringueira Luzineide da Silva, assim como a invasão e a destruição de suas estradas de seringa por parte de grileiros, outros moradores da unidade de conservação criaram coragem para expor os graves problemas enfrentados por quem ainda resiste em viver de forma tradicional dentro da floresta.

É o caso de Luciano Rodrigues do Nascimento, 42 anos, morador do seringal Curitiba, cuja área está dentro dos limites do município de Rio Branco, mas acessível por meio de ramais de Xapuri. Após receber ameaças de morte e ver a seringueiras e castanheiras derrubadas pelos invasores, Luciano decidiu ir embora da Resex Chico Mendes. O problema enfrentado por ele é o mesmo de Luzineide da Silva. Pessoas que ilegalmente compram lotes dentro da UC derrubam grandes áreas de mata para, no lugar, colocar o pasto para o gado.

“A situação lá está sem controle. É invasão de colocação, extração de madeira de lei, mogno, castanheira, seringueira. Tem a venda de terra, uso de laranjas. A pessoa já tem uma terra numa colocação, coloca um laranja lá e vai comprar outra área”, afirma ele. De acordo com o Luciano, os desmatamentos comprometem até as nascentes de fontes de água do seringal.

Ao Varadouro, Luciano enviou fotografias e vídeos que retratam a devastação ocasionada dentro do Seringal Curitiba. Nas imagens, é possível ver seringueiras e castanheiras derrubadas e queimadas pelos invasores. As duas espécies são protegidas por lei, sendo o corte proibido. Luciano afirma ter levado a situação ao conhecimento do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), mas que nenhuma providência foi tomada até o momento.

Quando as seringueiras não são derrubadas ou queimadas, os invasores – para intimidar os extrativistas – danificam as árvores com golpes de terçado. Com as “feridas”, a seringueira para de produzir o látex, a matéria-prima para a produção da borracha. No caso de Luciano, para intimidar ainda mais ele, suas tigelas foram destruídas.

A situação do Seringal Curitiba mostra que a invasão, a grilagem e outros crimes ambientais estão acontecendo quase que de forma generalizada dentro da unidade de conservação, não importando a distância.

Para se chegar ao Curitiba, são necessárias quatro horas de caminhada por varadouros. O último ponto acessível por carro ou moto acaba no vizinho seringal Espalha. Para tirar a produção de borracha ou castanha, só no lombo de animais. Por causa das ameaças e pressões sofridas, ele não fez o corte de seringa em 2023.

As dificuldades, todavia, não impedem o avançar da destruição. Ao reclamar com um dos grileiros que a área que tinha derrubado passava dentro de suas estradas de seringa, Luciano ouviu que se ele colocasse os pés dentro da derrubada “iria rodar na bala”. “Ele é um comerciante de colocação lá. Compra uma hoje aqui, já vende amanhã, troca por outra e assim vai.” Segundo o seringueiro, a ameaça ocorreu no ano passado. Um boletim de ocorrência foi registrado, mas também sem avanços nas investigações.

Luciano afirma que muitos dos moradores retalham as colocações no comércio ilegal de terras. O seringueiro acusa lideranças comunitárias ligadas às associações de moradores da Resex Chico Mendes de também participarem da venda de lotes. Além do fracionamento das colocações, eles estariam legalizando a posse da terra ao os reconhecerem como moradores tradicionais nos cadastros das associações.

De acordo com dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a Resex Chico Mendes foi a área protegida mais ameaçada e pressionada pelo desmatamento entre agosto de 2022 a julho de 2023. De acordo com o Imazon, este é o sexto ano consecutivo em que a UC acreana ocupa a primeira posição entre as áreas protegidas mais ameaçadas pela devastação na Amazônia Legal.

Pelo menos desde 2019 a reserva extrativista sofre com as invasões de seus seringais por pessoas que compram lotes vendidos pelos próprios moradores. O desmonte da política de proteção ambiental promovido pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) é apontado como o estopim para a grilagem na UC. A mobilização da classe política bolsonarista do Acre também contribuiu (e continua a contribuir) para a prática de crimes.

A mera apresentação do PL 6024 é apontada como o gatilho para o comércio ilegal de terras – a conhecida grilagem – dentro da Resex Chico Mendes, prática esta feita pelos próprios moradores, ao fracionarem as colocações. Os municípios do Alto Acre (Xapuri, Brasileia, Epitaciolândia e Assis Brasil) são os mais impactados.



Crimes ambientais e impunidade: seringueiras derrubadas e queimadas no interior da Resex Chico Mendes (Foto: Cedida)


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