Quanto vale a floresta em pé?

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Na semana passada, ao fazer as compras do dia no supermercado mais próximo de casa, encontrei na seção de cereais um atrativo saco de castanha desidratada na gôndola. O que não estava nada atrativo era o valor: R$ 35,99 por 500 gramas de castanha. De repente me veio à cabeça uma conversa que eu tinha tido, dias antes, com a seringueira Luzineide da Silva, lá de Xapuri, que tem a vida ameaçada por se opor à destruição de sua colocação dentro da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes.

Segundo ela me disse, na safra de 2023 (que ocorre nos primeiros meses do ano, no inverno amazônico), os moradores da unidade de conservação (UC) tinham recebido menos de R$ 50 pela lata da castanha. Cabreiro como sou, mandei um zap para ela e perguntei: Dona Luzineide, quanto vocês receberam pela lata da castanha este ano? Ela me disse: no começo [da safra] foram R$ 48, e caiu para pouco mais de R$ 30 ao fim da coleta. Como falamos aqui pelo seringal Aquiry, essa informação me deixou encabulado.

Para quem não sabe, uma lata de castanha corresponde àquelas latas grandes (galões) de tinta que usamos para pintar nossas. Quem já foi a uma loja de material de construção ou de tintas tem uma ideia do tamanho (e peso) de uma lata de 18 litros. Esta é a unidade de referência usada nos seringais para o comércio da castanha. Vende-se a castanha na lata, e assim é definido o seu valor de mercado.

Vamos dar nome aos bois, já que falamos de Acre, e aqui temos boi pra dar e vender. Quem tem o “monopólio” da compra da castanha (e da borracha) dentro da Resex Chico Mendes é a grande e poderosa Cooperacre. Ela é uma central de cooperativas bastante organizada – e beneficiada pelos governos do PT em 20 anos. Praticamente, toda a sua estrutura industrial foi erguida com recursos públicos, por meio de convênios com o governo do Acre (e não falo do atual governo). O Fundo Amazônia foi outro aporte bastante usado pela cooperativa.

Atualmente, a Cooperacre formou cooperativas de base para comercializar a produção de borracha e da castanha em cada um dos sete municípios onde está a área da Resex Chico Mendes. Ela também compra a produção no sul do Amazonas e no noroeste de Rondônia. No caso de Xapuri, há a CooperXapuri. Hoje, a Cooperacre pode ser definida como um dos maiores empreendimentos empresariais do Acre, e um dos maiores da região Norte quando o tema é economia da floresta. Sua produção é exportada para o Brasil e o mundo.

Apesar de, em tese, ser uma cooperativa (modelo de negócio que não visa só o lucro, mas o bem-estar de seus cooperados), a Cooperacre opera num modelo de mercado baseado em ganhos e perdas. Nada mais normal, pois ela (e todos nós) está inserida num mundo capitalista. Ela baseia suas operações conforme as lógicas e as tendências de mercado – oferta e demanda, cotação do dólar e outros. Se assim não for, ela entra em falência, mesmo com todo o suporte estatal que tem.

Por exemplo, já houve momentos em que a central de cooperativas chegou a pagar mais de R$ 100 na lata da castanha. Havia brigas por pés de castanheiras no Acre. Já em outros momentos, os valores foram irrisórios, como agora. Quando isso acontece, empresários da castanha da Bolívia vêm ao Acre pagar um preço melhor pela castanha.

Aí a Cooperacre acha ruim e pede ao governo local para, por força de lei, fazer uma reserva de mercado, já que os bolivianos compram toda a produção. Ora pois, é a lei de oferta e demanda. Se a Bolívia paga mais, o extrativista do Acre tem o direito de vender a eles.

O fato é que não quero, aqui, culpar (apenas) a Cooperacre pelo valor irrisório pago à castanha. Em sua lógica capitalista de perdas e ganhos, ela deve ter suas razões para oferecer menos de R$ 40 pela lata de castanha ao morador da Resex Chico Mendes, e cobrar R$ 36 ao consumidor final por 500 gramas num supermercado de Rio Branco. Imagina no Rio de Janeiro, São Paulo, Londres, Pequim…..

O que eu quero discutir é: quanto vale a floresta em pé? O mundo todo clama e apela para manter a floresta em pé. Mas, quanto vai ganhar por isso quem está lá dentro da floresta? Pessoas iguais à dona Luzineide da Silva que tem catalogada cada uma das mais de mil castanheiras em suas quatro estradas de seringas, e cuja vida está em risco por defender a floresta em pé?

O que vale mais? A lata de castanha ou um bezerro nascido dentro da Resex? Com certeza o bezerro e a bezerra. Como a economia da floresta vai concorrer com a agropecuária? Os gestores da Cooperacre podem me responder?

E aqui também quero cobrar os governos (federal e estadual) para garantir preço e mercado para a castanha. Hoje já temos uma boa política de subsídios para a borracha. E para a castanha? A borracha e a castanha são os mais importantes produtos florestais da Resex Chico Mendes, uma UC bastante pressionada pelo boi, a grilagem e outras práticas devastadoras.

Noutros tempos já tínhamos planos de manejo madeireiro comunitário, mas não seguiram. Enquanto isso, o gado e a soja pressionam toda a região do Alto Acre – consequentemente, a UC.

E ao mercado, que tanto fala em preservação da Amazônia, quanto está disposto a pagar pela floresta em pé? E quando em mercado, incluo nós, consumidores. Quanto estamos dispostos a pagar pela castanha, pelo açaí? Qual qualidade de vida você quer para um seringueiro? Eu quero a melhor;

Porém, me recuso a pagar R$ 36 por 500 gramas de castanha ensacada sabendo que a dona Luzineide e centenas de seringueiras e seringueiros recebem menos de R$ 50 na lata da castanha, num trabalho pesado e arriscado dentro da mata. Além de todos os riscos de serem vítimas do ataque de animais, estes moradores da floresta podem morrer ao ser atingidos pela queda de um ouriço de castanha.

Eu quero a floresta em pé – assim como quero a dona Luzineide e sua família em pé. Para que ela e a floresta estejam vivas, precisamos pagar por isso. E o valor não é baixo. Já destruímos demais a Amazônia. As consequências estão aí. A floresta em pé não tem preço. Tem valor, e ele é inestimável; passa pela nossa sobrevivência. E devemos ser muito gratos a quem vive dentro dessa mata – e pagar, de forma justa, a eles.

Pronto, falei…



Fabio Pontes – jornalista acreano, nascido e criado pelas curvas do Aquiry
Editor-executivo do Varadouro
fabiopontes@ovaradouro.com.br
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