INTOXICAÇÃO AÉREA

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Puruborá dizem que pulverização de agrotóxicos mata peixes e a vida na floresta

Agrotóxicos pulverizados por aeronave (Imagem ilustrativa – Globo News)



Em maio de 2023, a Assembleia Legislativa de Rondônia aprovou projeto de lei que reduz o valor da multa por infrações quanto ao uso de agrotóxicos. Em alguns dos casos, o valor da multa diminuiu mais de R$ 3 mil. Estado figura entre os quatro do país com o maior número de casos de intoxicação.


Dos varadouros de Porto Velho

Em uma carta e relatório publicado nas redes sociais e encaminhada para autoridades públicas, o povo indígena Puruborá, cujas aldeias estão localizadas no município de Seringueiras (distante 533 quilômetros de Porto Velho), no Vale do Guaporé, revela que a pulverização aérea de agrotóxicos coloca em risco a vida na floresta e a sobrevivência das famílias. Rios teriam sido contaminados e peixes estão morrendo, relata a comunidade.

O povo já enfrenta uma resistência histórica e ancestral pela defesa de seu território. Luta contra a expansão do desmatamento que suprime a floresta para criação de gado com objetivo de atender frigoríficos internacionais. E agora sofre com a expansão do plantio de soja nos arredores do território.

Segundo relato dos indígenas, os produtos tóxicos estão atingindo a água dos rios e matando animais. Lideranças afirmam que, desde os anos de 2022 e 2023, grandes empresas de soja do Sul vêm arrendando e mecanizando as terras para plantio de grãos e a pulverização com agrotóxicos. A situação se agravou no início deste ano, com a pulverização aérea por aviões agrícolas. Com a volta do período chuvoso na região, o cenário é de desolação, com os peixes mortos, de tamanhos e espécies das mais variadas, algo nunca visto pela comunidade durante o inverno. Vale lembrar que estes são os mesmos rios de onde é captada a água para abastecer as cidades do Vale do Guaporé.

O peixe é um dos principais alimentos da dieta dos indígenas e fonte de sobrevivência. Com a escassez, pode ocorrer desnutrição, fome e aumento da insegurança alimentar. É uma contaminação que atinge a água, a terra e o ar, tornando a produção, o consumo e a sobrevivência do povo incompatíveis com a dignidade da vida humana.

A Assembleia Legislativa de Rondônia aprovou, em maio de 2023, projeto de lei que reduz o valor da multa por infrações quanto ao uso de agrotóxicos. Em alguns dos casos, o valor a ser pago diminuiu mais de R$ 3 mil. E Rondônia figura entre os quatro estados com o maior número de casos de intoxicação exógena por agrotóxico do Brasil, segundo dados da Vigilância em Saúde das Populações Expostas a Agrotóxicos (Vspea).

De acordo com o levantamento realizado, nos últimos 16 anos o estado registrou 2.583 notificações de casos, mantendo uma média de 13,11 casos por mês. No ano passado, deputados estaduais aprovaram e o governo estadual sancionou lei que regulamenta o uso e aplicação de agrotóxicos em todo estado. A lei autoriza uso de aeronaves não tripuladas, como drones.

Com 75% de sua área de agricultura plantada com apenas três culturas – soja, milho e cana-de-açúcar (dados de 2015) –, o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo, uma vez que o monocultivo agride a natureza e só funciona com uso dos venenos.

Agrotóxicos causam danos à saúde humana, tanto através dos efeitos agudos – intoxicações na pele, insuficiência respiratória, vômitos, desmaios, alergias, dores de cabeça e muitos outros –, como nos sintomas crônicos, a longo prazo, que podem causar alterações no fígado, rins, hormônios, e até doença de Parkinson e câncer.

LEIA CARTA DO POVO PURUBORÁ:

Associação Indígena Maxajã

Aldeia Aperoí, 19 de janeiro de 2024

Seringueiras-RO

Nós, indígenas do povo Puruborá, vimos por meio desse documento denunciar e pedir providências acerca da pulverização aérea de agrotóxicos que está acontecendo no território reivindicado pelo povo Puruborá. 

No segundo semestre do ano de 2023, Indígenas Puruborá, moradores da Aldeia Aperoi que está localizada no km 32 da BR 429, Seringueiras-RO, denunciaram a produção de soja com pulverização de agrotóxicos ao lado da Escola Indígena Estadual de Ensino Fundamental Yawara Puruborá e da farinheira da Associação Indígena Maxajã e roça comunitária. A Aldeia Aperoi é local sagrado do povo PURUBORÁ, devido ser o último local onde morou a matriarca Emília, sobrevivente do contato que tiveram com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na década de 1920 a 1940. 

Histórico

A Comunidade Indígena Puruborá é uma etnia pertencente à família linguística Tupi. De acordo com a Revista Pré-UNIVESP (2013), possui aproximadamente 300 representantes que se encontram distribuídos nos municípios de Seringueiras, Guajará-Mirim, Ariquemes, São Miguel do Guaporé, Porto Velho, Ji-Paraná, São Francisco e Costa Marques, todos em Rondônia. O primeiro contato oficial dos Puruborá ocorreu em 1912, realizado pelo Marechal Cândido Rondon. Posteriormente, ele demarcou uma reserva indígena entre os municípios de São Francisco do Guaporé e Seringueiras-RO, no ano de 1919. Entretanto, o CIMI-RO (05/04/2013) destacou que, apesar de a terra ter sido demarcada, os Puruborá sofreram diversos tipos de pressões, pois no interior de suas terras foram instalados postos do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que impediram as suas manifestações culturais e, em seu entorno, viviam sob a pressão dos seringalistas e sofriam com as inúmeras doenças, como sarampo, beribéri e gripe.

O historiador José Joaci Barboza, da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), relatou que, diante da grande mortandade dos Puruborá, o SPI costumava oferecer índias órfãs como mulheres para seringueiros, iniciando um intenso processo de mestiçagem. Segundo a pesquisadora Ana Galucio (2005), em fins da década de 1940, os Puruborá estavam em quantidade bem reduzida e o grupo se dispersou em busca de trabalho e melhores condições de vida, restando somente uma família Puruborá no local. Nesta época, de acordo com a Revista Pré-Univest (19/04/2013), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) considerou a etnia Puruborá oficialmente extinta.

Em fins da década de 1980, o linguista Denny Moore, pesquisador do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), encontrou três anciãos que ainda dominavam a língua Puruborá e iniciou um trabalho de documentação linguística. Este trabalho foi motivado pelo fato de a língua Puruborá estar sob risco de extinção, pois, com o processo de expulsão, dispersão e a consequente mestiçagem, os Puruborá tiveram muitas dificuldades de encontrar interlocutores1.

Essas terras griladas da União nos anos 1980 a 1990 são reivindicadas pelos indígenas nos anos 2000, depois do ressurgimento da etnia que era considerada extinta pela Funai. Nos últimos 4 anos, está acontecendo uma descaracterização da área reivindicada pela Etnia Puruborá. As grandes áreas de fazenda que estão localizadas nas linhas 7 pontes, LH 22c e travessão, LH 08 e travessão, LH 12 do lado do município de São Francisco. Estão desmatando com tratores e semeando capim na maior parte delas, não utilizando o uso do fogo para fugir de eventual fiscalização, enganar radares que capturam ondas de calores. Mas tem aumentado o crescente uso de agrotóxicos para matar os brotos que vêm após a retirada da vegetação nativa. Após um a dois anos de uso de pastagem que muitos tocos e raízes de árvores já estão podres e morto por agrotóxicos, o terreno é arrendado para plantio de soja por grupos e empresas de grandes produtores de soja que estão vindo do sul do Brasil para região do vale do Guaporé.

O desmatamento em terras próximas do Rio Manuel Correia e Caio Espindola já tem provocado secas intensas na região devido a drenagem da água das lavouras, e cada vez é mais preocupante devido ao solo ser arenoso e causar grandes assoreamento nas proximidades dos rios, levando resíduos de adubos químicos e agrotóxicos para leito do rio.

Nesse último verão amazônico, entre os meses de agosto e novembro de 2023, o Rio Manuel Correia que passa por dentro da pequena área de terra que está aldeia Aperoi sofreu uma seca intensa, onde que morreu muitos peixes, algo nunca registrado pelo povo originário da região, que por analisar os fatos, avalia que o desmatamento associado ao assoreamento com resíduos de adubos químicos e agrotóxicos levaram a mortalidade de peixes no leito do rio. O Rio é uma das principais fontes de alimentos dos indígenas e populações tradicionais da região a dezenas de anos.

As mudanças climáticas estão sendo visíveis a nível global, com catástrofes em vários países do mundo, e na Amazônia não é diferente, quando falamos sobre recursos hídricos (água), com secas intensas e mortalidade de animais aquáticos que vivem nos rios e igapós da região. A contribuição humana derivada do agronegócio exploratório dos recursos naturais tem sido o grande responsável pela degradação ambiental no bioma amazônico.

O Povo Puruborá vem observando que no ano de 2022/23 iniciou as grandes empresas de soja arrendando e mecanizando as terras para plantio no inverno Amazônico, que inicia em outubro e novembro, com início das chuvas. Já em dezembro, com a soja em médio porte de crescimento, ocorre a pulverização de agrotóxicos, mas esse ano de 2024 a pulverização está sendo aérea (com aviões agrícolas) no plantio e durante o início do mês de janeiro de 2024 as atividades se intensificaram por duas semanas seguintes. Nesse período também tem chovido na região e durante uma caminhada no rio Manoel Correia, deparamos com cenas tristes dos nossos peixes mortos, peixes maiores, menores e de espécies diferentes. 

Nunca registramos mortandades de peixes no nosso rio no período chuvoso, essa foi a primeira vez. Nós associamos essas catástrofes aos impactos ambientais que o nosso território tem sofrido como: o desmatamento, plantio de pastagens, criação de bovinocultura, a pavimentação da BR 429, por fim o plantio de soja com grande índice de agrotóxicos. Os peixes estão morrendo e nós acreditamos que nossa saúde está sendo afetada. Logo, com todo esse veneno que vem sendo despejado, nós não conseguiremos produzir mais nada nessa terra, nem para nosso próprio consumo. Por esses motivos, solicitamos aos órgãos que tomem as devidas providências. O território Puruborá está sendo novamente violado, e os direitos do povo Puruborá também.

IMAGENS QUE FAZEM PARTE DA DENÚNCIA:

Animais mortos nos rios (Imagem Povo Puruborá)
Peixes sem vida (Imagem Povo Puruborá)
Sobrevoo de aeronaves (Imagem Povo Puruborá)
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