PIADA PRONTA

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Ó, coitado! Combaterá a corrupção

recebendo salário mensal de R$ 5 mil

Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho

Corra, que o prazo é até hoje, 11 de março de 2024! Qualquer pessoa, mesmo sem graduação alguma, poderá se candidatar ao cargo de servidor comissionado para “prevenção e combate à corrupção.” E ganhará pelo serviço R$ 5.083,07 mensais mais os pouco cobiçados R$ 50 de auxílio saúde. É isso aí: a Controladoria-Geral do Estado de Rondônia abriu um processo seletivo para contratar esse herói disposto ou indisposto a encontrar rastros de corrupção. Sozinho, quixotescamente, coitado.

Deu no G1: a Controladoria-Geral dispensou aos interessados na vaga o diploma de graduação, em qualquer área de ensino. O aprovado assumirá o Núcleo de Inovação.

Stanislau Ponte Preta, pseudônimo do notável Sérgio Porto, certamente incluiria essa contratação no seu folclórico Festival de Besteiras que Assola o País (Febeapá).

O Governo de Rondônia já editou uns dez decretos anticorrupção e manual de conduta ao servidor no sentido de evitar suborno e corrupção.

Mas tudo está valendo desde quando um boquirroto ex-mandatário federal decretou: “Acabou a mamata , acabou a corrupção.” Só que, no âmbito federal as barbaridades ainda não acabaram, e se lá é assim, imagine-se nos estados.

O Brasil vive se explicando à Transparência Internacional, essa mesma que se mancomunou à Operação Vaza Jato, hoje bufada para as cobras.

Sucedem-se “acordos de leniência” nos quais executivos de empresas famosíssimas admitiram ter subornado autoridades brasileiras. Um ministro do STF decidiu que havia dúvidas razoáveis ​​sobre se os acordos foram assinados voluntariamente e argumentou que “o juiz que administrou as multas pode ter conspirado com os promotores.”

Nesse mundão rondoniense, onde há suspeitas sobre a saúde e onde o governo cria – mas não presta contas das atividades – até “instituto de terras”, o que o fiscal que receberá R$ 5.083,07 irá fazer? Como agiria, para não encarar olhos nervosos e brabos daqueles que optam pelo errado?

Tempos atrás, ao constatar irregularidades na Sedam, o governador do estado trocou rapidamente o coordenador de Unidades de Conservação, atualmente agarrado ao emprego numa ONG. E de lá para cá, só propaganda e falastrices.

O inovador que até amanhã deverá ter seu nome anunciado no Diário Oficial do Estado por ser o escolhido para “prevenir e combater corrupção” certamente sentiria calafrios ao adentrar ao Palácio Rio Madeira, tamanha será sua responsabilidade. Afinal, ele próprio está sujeito a ser tentado por atores de um dos males mais antigos da Humanidade.

A corrupção vem de longe, os véus também. Sofás, igualmente.

No âmbito nacional, o Brasil caiu dez posições num índice anual de corrupção percebida divulgado pela Transparency International em janeiro. O Peru caiu 20 posições, colocando-o entre os países considerados os mais corruptos do mundo. A maioria dos países latino-americanos obteve resultados piores do que os seus níveis de desenvolvimento sugerem que deveriam.

É nesse cenário que a Controladoria-Geral rondoniense estufa o peito para contratar um pobre-diabo incapaz de dar conta do recado, por óbvios motivos.

Cenário que implica mais uma farta distribuição de dinheiro aos prefeitos e da possível aprovação pela Assembleia Legislativa, de mais R$ 1 bilhão para o poderoso Departamento de Estradas de Rodagem.

A revista The Economist informa que o congresso do Peru estava prestes a votar sobre a remoção de membros do órgão independente que seleciona procuradores e juízes, apesar de numerosos legisladores estarem atualmente sob investigação por corrupção.

Por aí se vê o tamanho da intenção e a condição desesperante de pessoas convocadas para vigiar e combater atos irregulares. Coitadas.

O presidente populista do México, Andrés Manuel López Obrador quer desmantelar o órgão estatal que investiga a impropriedade. Os políticos no poder na Guatemala lutaram arduamente para impedir que Bernardo Arévalo, um antigo ativista anticorrupção, fosse empossado como presidente em janeiro.

E nós engolimos o edital governamental, pelo qual se convida uma pessoa a procurar rastros de corrupção dentro de uma “cidade” com mais de três mil servidores – sem contar organismos que trabalham no interior. O coitado receberia diárias para viajar e acompanhar possíveis suspeitas? Ou se acomodaria com seus R$ 5.083,07?

A polícia brasileira começou a investigar a Petrobras, estatal de petróleo desde o ex-presidente Getúlio Vargas, seu fundador. É que, desde 2014, a empresa distribuía contratos de construção a preços inflacionados. As empresas usaram o dinheiro extra para subornar executivos e funcionários do petróleo.

Entre 2001 e 2016, a Odebrecht pagou quase 800 milhões de dólares em subornos em três continentes, obtendo mais de 3 mil milhões de dólares em lucros para si e para os seus conspiradores. É o maior caso de corrupção estrangeira alguma vez processado pelo Departamento de Justiça dos EUA, que tinha jurisdição porque alguns subornos foram canalizados através de contas bancárias nos Estados Unidos.

Aqui na província, a notícia do G1 soa como piada pronta. Não há como crer que uma só pessoa possa investigar um governo inteiro. Seu limite não vai além do depósito de água mineral e a sala do cafezinho.

E segue o mantra – como dizia o saudoso Erasmo Carlos.

O edital, na íntegra

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