Pesadelo e Retratação

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O mal de Parkinson pegou o sociólogo, jornalista e escritor amazônico Lúcio Flávio Pinto (de Santarém, Pará) aos 73 anos de idade, 57 dos quais em atividade que lhe valeu prêmios no país e no exterior, prestígio nas redações de grandes jornais e revistas do sul e sudeste, além da publicação de 21 livros sobre a sofrida história de sua cobiçada região. Ele tinha apenas 16 anos e cursava o ginásio no Colégio Paes de Carvalho, em Belém, quando foi contratado pelo melhor jornal da cidade, A Província do Pará, com permissão para assinar suas reportagens.

Durante sua brilhante trajetória jornalística, deixou sua marca no Diário de São Paulo e Diário da Noite, depois na revista Veja, jornal O Estado de São Paulo, jornal Opinião, e participou da edição especial da revista Realidade sobre a Amazônia. Quando eu o conheci, no ano de 1974, ele estava organizando a Sucursal do Ëstadão com sede em Belém, e me convidou para atuar como correspondente no Amapá. Em outubro de 1975, ele me propôs transferência para vir cobrir os conflitos entre seringueiros e fazendeiros e grileiros no Acre.

Foi muita sorte minha. A partir dessa data, eu assumi a profissão de jornalista para o que desse e viesse. Foi uma experiência muito rica, porque contava com um jornalista e amigo de muito brilho me orientando, e de volta ao meu Estado, após 17 anos zanzando por Macapá (AP), Belém (PA) e Belo Horizonte (MG), eu tinha a chance de reatar com as minhas raízes.

Foi o que aconteceu depois que conheci Chico Mendes, Wilson Pinheiro, Txai Terri, Dom Moacyr Grechi, João Maia e Pedro Marques (Delegado e advogado da Contag), Alfredo Sueiro (Huni Kuin), a turma do Varadouro e tantos mais que foram chegando e dando as mãos para acordar todo dia com pautas perigosas, mas sonhos bem sonhados na construção de um movimento pela salvação da Amazônia

Há duas semanas, Lúcio sofreu um pesadelo ao sonhar que tinha cometido um erro ao acusar a Secretaria de Cultura do Pará pela compra suspeita de livros de uma prefeitura municipal do interior; e isso o fez acordar assustado, pois conscientemente jamais cometeria tamanho erro. Correu para ler o texto e confirmou que falhou; ainda na madrugada, escreveu um pedido de desculpa e decidiu parar com sua atividade jornalística diária, por considerar que a falha decorreu de falta de cognição que atribuiu à doença degenerativa.

Das duas dezenas de livros que o Lúcio Flávio publicou, eu tenho na minha estante “O Anteato da Destruição”, “Amazônia Sagrada”, “Contra o Poder”, “Jornalismo na Linha do Tiro” e “Guerra Amazônica”. Num dado momento, ele cansou da imprensa elitista e se dedicou a produzir um Jornal Pessoal, inspirado no jornalista americano Izzy Stone, que passou 19 anos editando sozinho um semanário que metia medo nas celebridades. O Jornal Pessoal do Lúcio durou mais de 30 anos.

Em qualquer dos livros do Lúcio que citei acima tem lições fecundas que não podem ser ignoradas. Numa entrevista que consta do livro “Guerra Amazônica”, tem várias: o entrevistador pergunta se a grande imprensa paraense tem contribuído para o processo de colonização da Amazônia.

A resposta: “O grande drama do cidadão da Amazônia é não ser contemporâneo da sua história, decidida além-mar. Ele é amazônico, uma condição geográfica, sem conseguir se tornar amazônida, uma condição política, de resistência, de consciência”.

Fácil de entender, não?

Elson Martins, jornalista e escritor acreano, nascido no Seringal Nova Olinda, em Sena Madureira, foi o criador do Varadouro na década de 1970. Também foi correspondente de O Estado de São Paulo para a Amazônia. Teve passagens pelas imprensas do Acre, do Amapá e do Pará. Agora, volta a escrever nas páginas digitais do novo-velho Varadouro.

Contato: almanacre@gmail.com
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