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Fechamento de base militar deixa comunidades do Moa expostas a grupos criminosos

DEF São Salvador, no rio Moa: há dois anos fechada, base militar era a única presença do Estado brasileiro em região de fronteira marcada pela ausência deste mesmo Estado (Foto: Acervo Varadouro)




Em 2022, destacamento de fronteira do Exército, na entrada do Parna da Serra do Divisor, encerrou as operações numa das regiões mais disputadas pelo narcotráfico. Base era a única presença permanente do Estado na fronteira com Peru. Para liderança Nawa, a ausência deixa comunidades ainda mais vulneráveis.




Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco


O fim das operações do Destacamento Especial de Fronteira (DEF) São Salvador, do Exército, às margens do rio Moa, em Mâncio Lima, tem deixado as comunidades indígenas e ribeirinhas do Vale do Juruá ainda mais expostas às violências impostas pelas organizações criminosas ligados ao narcotráfico. A base militar foi desativada em setembro de 2022, e desde então a única presença do Estado brasileiro numa das regiões de fronteira da Amazônia mais disputadas pelas facções criminosas foi encerrada.

Conforme Varadouro mostrou na semana passada, as comunidades indígenas acreanas vêm sendo fortemente impactadas pela atuação das facções criminosas, que levam drogas para serem consumidas pelos jovens, e também cooptam os jovens indígenas para serem seus soldados. Este é um problema que acontece já há alguns anos, mas nada de concreto é realizado para proteger as comunidades.

A trágica morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Don Phillips, em Atalaia do Norte, no vizinho Vale do Javari, há exatos dois anos, é outro exemplo da perda da autoridade nacional brasileira sobre suas regiões de fronteira. Em muitas delas, as facções passaram a ser a “autoridade” principal, conquistando o domínio completo sobre os territórios tidos como estratégicos para a passagem da cocaína produzida no Peru.

O desmonte das políticas (e orçamentos) federais para a segurança da fronteira favorece a construção de uma “nova soberania” nas fronteiras amazônicas. O fechamento do DEF São Salvador é um claro exemplo disso. A base militar ficava no rio Moa, manancial que nasce no Peru e adentra o Brasil. O Moa é um entre os muitos rios e igarapés do Vale do Juruá usados por mulas para o transporte de drogas.

O Exército operou a base de São Salvador por 20 anos. Recebeu a área do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), à época o responsável pela gestão do Parque Nacional da Serra do Divisor. A base militar ficava na porta de entrada da unidade de conservação. Todas as embarcações que subiam e desciam o Moa precisavam passar por inspeção, e os passageiros se identificavam.

Com a desativação do destacamento militar, a base foi devolvida ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que passou a fazer a gestão das UCs federais. No Parna da Serra do Divisor, já existia uma base do Ibama/ICMBio no pé da serra – que já há anos se encontra abandonada. O DEF São Salvador está no mesmo caminho do abandono e da deterioração.

Nem ICMBio, nem Ibama possuem servidores e estrutura necessárias para proteger uma vasta região de selva amazônica. A base do Exército ainda era a única forma de o Estado assegurar alguma presença permanente ali, intimidando, de certa forma, a atuação das organizações criminosas.

Em maio, Varadouro conversou com o cacique Railson Nawa, do povo Nawa, cujas aldeias estão à margem direita do rio Moa. À esquerda está a Terra Indígena Nukini, do povo Nukini. Railson tem sido uma das poucas lideranças a denunciar os impactos ocasionados pela omissão do Estado brasileiro em proteger as fronteiras amazônicas, bem como as populações tradicionais que nelas vivem.

Segundo ele, o fechamento da base militar só piorou uma situação que não era das melhores. O território, afirma ele, está ainda mais aberto para a atuação das facções, o que deixa as comunidades expostas. Na região predomina a lei do silêncio. As lideranças que denunciam os problemas são ameaçadas, afirma. (Assista relato completo abaixo)

E, assim, aqui no andar de baixo, a realidade vivida pelas populações da Amazônia continua da mesma forma, bastante vulneráveis. Em Brasília, as retóricas são muitas, mas na ponta o cenário é bem diferente. Enquanto isso, os povos da floresta ficam reféns da ação dos grupos criminosos que lhes impõem a violência e o terror por conta da ausência e das omissões do Estado nacional.



O outro lado

Em nota oficial enviada à reportagem do Varadouro, o Comando Militar da Amazônia (CMA), sediado em Manaus, informou que a desativação do Destacamento Especial de Fronteira (DEF) São Salvador, ocorrido em 2022 no município de Mâncio Lima, faz parte do processo de “modernização” de seus pelotões especiais de fronteira, os PEFs, na região amazônica. De acordo com a nota, a desativação do DEF São Salvador está alinhada “com o Plano Estratégico do Exército para os anos de 2020 a 2023”.

“Durante os estudos para a modernização dos Pelotões Especiais de Fronteira, viu-se a necessidade de se adequar as infraestruturas existentes, visando à otimização da presença do Exército Brasileiro na faixa de fronteira”, diz trecho da nota.

Segundo o documento, a desativação do DEF São Salvador ocorreu ante a necessidade de transformar a unidade do Exército em Marechal Thaumaturgo, que antes era um DEF, em um Pelotão de Fronteira, o que exige o emprego de mais pessoal e recursos.

“Vale destacar que, a localidade de São Salvador fica distante a duas horas do deslocamento fluvial de Cruzeiro do Sul, sede do 61º BIS. A prontidão logística e operacional do Batalhão lhe fornece a capacidade de operar em toda sua área de responsabilidade, o que garante a segurança da fronteira nessa porção do território”, afirma o CMA.

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