Desde abril, após ter a minha casa inundada pelas águas do velho igarapé São Francisco, nos seringais da Vila Ivonete, em Rio Branco, me coloquei no desafio de trazer de volta à vida aquele que certamente foi (e é) um dos mais importantes veículos de comunicação da Amazônia: Varadouro.
Após circular em 24 edições entre 1977 e 1981 (em plena época de repressão da ditadura militar), Varadouro saiu de linha; ele teve vida curta. As dificuldades para se produzir um jornal impresso numa região tão remota do Brasil – como era a capital acreana cinco décadas atrás – inviabilizavam a circulação do nanico-gigante do Norte. (Leia mais sobre nossa História)
Desde 1981, Varadouro ficou apenas na memória da imprensa acreana. Foi um jornal ousado e corajoso. Era o único que dava visibilidade à luta dos seringueiros e indígenas expulsos das matas pelos “paulistas” que aqui chegavam, bancados pela ditadura, cuja missão era transformar a Amazônia num grande pasto para o gado. Íamos contra os interesses das elites locais: por isso ninguém queria financiá-lo.
Varadouro denunciava os crimes praticados contra a floresta e suas populações. Quando via a Rio Branco, um dos principais locais visitados por Chico Mendes era a redação do Varadouro. Trazia as novidades das lutas e empates dos seringueiros nas colocações, e levava exemplares do jornal para ser lido para os companheiros no meio da floresta.
Eu conheci Varadouro quando elaborava meu trabalho de conclusão de curso em Comunicação Social. Fui ao Museu da Borracha pesquisar a história da imprensa acreana, e lá me deparei com ele – foi amor à primeira vista. Qualquer jornalista amazônida se apaixonaria por Varadouro.
Sempre me indagava: como pode um bando de malucos escrever um jornal como esse, no Acre, em plena ditadura militar? Como bem define o jornalista e escritor Toinho Alves, Varadouro era uma invenção acreana. Já o cartunista Henfil, ao receber as edições do jornal em seu exílio escreveu: Varadouro tem cheiro de Acre.
Agora, em 2023, decidi incorporar um pouco da bravura (e da loucura) de jornalistas como Elson Martins, Silvio Martinello, Toinho Alves e outros que fizeram Varadouro circular nos anos 70 e 80. Para mim, um jornalista acreano há quase 20 anos com minha carreira dedicada à pauta socioambiental, não era justo deixar Varadouro apenas como uma peça de museu. Deixar este gigante adormecido era injusto. Ele precisava despertar!
A volta de Varadouro se faz tão necessária quanto foi quase 50 anos atrás. Os tempos são sombrios na Amazônia. Nossa floresta continua sendo devastada. As populações tradicionais permanecem pressionadas e na invisibilidade.
Nós voltamos com os mesmos valores e princípios de antes: um jornal das selvas. Um jornal feito por amazônidas e para amazônidas. Um jornal feito do nosso jeito. Conforme é possível fazer. Com a identidade cabocla. Queremos que a população do Norte se veja nas páginas (agora digitais) do novo-velho Varadouro.
As dificuldades de se produzir um jornalismo alternativo e independente na Amazônia continuam as mesmas. Eu costumo usar a expressão “custo-Amazônia” para se fazer jornalismo na região. São custos em todos os sentidos. Não só os financeiros, do capital.
Neste, nem se comenta. Não é barato. Estamos falando de uma região continental, de infraestrutura precária e de elevado custo de vida. Para chegar a uma comunidade mais próxima, precisamos andar horas de carro, de barco, avião ou a pé pelas trilhas dos varadouros e das estradas de seringa.
Tudo isso demanda capital. E no bom e velho jornalismo, nada melhor do que você ir até as pessoas ouvir e ver os seus problemas. Conversar com elas, fazer fotografias, produzir as reportagens que as tirem da invisibilidade – e para que suas necessidades sejam resolvidas pelo poder público.
Hoje, a nossa cobertura se volta para a região Amacro, a tríplice divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia. Essa foi uma ideia dos governadores bolsonaristas dos três estados para fazer avançar a fronteira do agronegócio na Amazônia. O que avançou mesmo foi o desmatamento e os crimes ambientais. Não por acaso, a região Amacro é definida como a nova fronteira do desmatamento na Amazônia.
Para continuar a produzir um jornalismo independente na nossa região, Varadouro precisa de sua ajuda.
Seja um colaborador deste trabalho. Atuamos sem o apoio das elites econômicas e políticas locais. O jornalismo que fazemos vai contra os interesses deles, cujo propósito continua sendo – como foi cinco décadas atrás – transformar a Amazônia em pasto e cultivo de soja.
Nós somos da Amazônia! Vivemos na Amazônia!
Enfrentamos todos os riscos e desafios para defender a floresta e seus povos. Acreditamos em nosso trabalho, mas precisamos de apoio. As dificuldades são muitas; os desafios, enormes. Mas não vamos desistir!
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Fabio Pontes – jornalista acreano, nascido e criado pelas curvas do Aquiry
Editor-executivo do Varadouro
fabiopontes@ovaradouro.com.br