Fabio Pontes
Dos Varadouros de Rio Branco
APÓS PASSAR os últimos quatro anos sob fortes pressões de invasores, a Terra Indígena Karipuna, em Porto Velho (RO), enfim é alvo de uma grande operação desencadeada nesta sexta, 12, por órgãos federais para garantir a proteção do território. Liderada pela Polícia Federal e acompanhada pelo Ibama e Funai, a ação teve como alvo madeireiras e serrarias localizadas no entorno da terra indígena. De acordo com a PF, ao menos 80 agentes vão atuar nos 12 maiores pontos de desmatamento detectados dentro da TI. O combate à grilagem também está entre os objetivos principais.
Apesar de proibida, a comercialização de madeira retirada do interior do território Karipuna, de acordo com a Polícia Federal, ocorre por meio de um esquema criminoso de fraude no Sistema de Documento de Origem Florestal, o SISDOF. Segundo as investigações, a madeira é “esquentada” por meio de “emissões e transferências simuladas de créditos virtuais”. Essas fraudes no sistema aconteceriam por meio do uso de laranjas e de planos de manejo madeireiros.
Além da invasão da TI Karipuna para roubo de madeira, a PF investiga a prática de comercialização de lotes de terra dentro do território, a conhecida grilagem – outra prática criminosa bastante intensificada nos últimos anos em Rondônia. A TI Karipuna é vizinha à Reserva Extrativista Jacy-Paraná, cuja área de floresta já foi quase toda derrubada por invasores, formando hoje médias e grandes propriedades rurais.
Com o entorno de Porto Velho e municípios vizinhos ocupados pelas fazendas de gado e grãos, as unidades de conservação e territórios indígenas são as últimas áreas de floresta ainda em pé, tornando-se alvo preferencial de madeireiros ilegais e grileiros. A grilagem, muitas das vezes, é fomentada pela própria classe política local. Rondônia é um dos principais redutos do bolsonarismo na Amazônia Legal.
“Eu gostaria de agradecer a todas as instituições envolvidas neste trabalho de retirada dos invasores, mas isso ainda não é o suficiente. A nossa esperança é que um dia o nosso território esteja realmente protegido. Nós queremos que exista uma base de fiscalização permanente”, disse-me, por mensagem de WhatsApp, a liderança André Karipuna.
Em novembro de 2021, o repórter-fotográfico Alexandre Noronha e eu estivemos na TI Karipuna para acompanhar de perto o trabalho quase solitário de André para defender o território de seu povo contra os invasores. Por conta disso, a liderança já sofreu vários tipos de ameaças. O resultado dessa visita pode ser visto na reportagem especial Rondônia Devastada, produzida para a Amazônia Real.
Para André Karipuna, o trabalho dos órgãos federais tende a ser desafiador, já que a quantidade de invasores no interior da TI é muito grande. “A gente sofre os impactos ambientais, os impactos sociais, as ameaças. Afeta a nossa vida culturalmente, espiritualmente. A nossa esperança, nós Karipuna, é que tenham muitas outras fiscalizações iguais a essa, e que tenha uma base permanente”, afirmou ele.
De acordo com a Polícia Federal, todas as pessoas encontradas praticando crimes dentro da Ti serão autuadas e levadas para a superintendência em Porto Velho. Já os maquinários – como tratores, motosserras, caminhões – bem como eventuais estruturas já montadas vão ser inutilizados – ou seja, destruídos. Entre elas estão as pontes construídas, de forma clandestina, pelos invasores para facilitar o acesso ao território indígena.
Em 2023, além das pressões ocasionadas pelas invasões, os Karipuna foram impactados pela cheia do rio Jacy-Paraná, afluente do Madeira. A TI Karipuna está localizada na margem esquerda do manancial. Quase todas as casas da aldeia ficaram submersas, além dos roçados e criações de animais estarem comprometidos. Para as lideranças Karipuna, a construção das hidrelétricas do rio Madeira (Jirau e Santo Antônio) é a responsável pelas inundações frequentes na região. O consórcio das empresas nega interferência das barragens.
Com 153 mil hectares, a TI Karipuna se espalha pelos territórios de Porto Velho e Nova Mamoré. Ela é uma das últimas áreas de floresta em região fortemente cercada por fazendas de gado e soja, além da atividade madeireira. Restritos a uma população de pouco mais de 60 pessoas após quase terem sido exterminados no processo de “marcha para o oeste”, os Karipuna encontram dificuldades para conter os invasores.
Ano passado, o desmatamento dentro da TI Karipuna foi de 17,41 km². Ela foi a quarta TI mais desmatada na Amazônia Legal. Entre 2019 e 2022, a área de Floresta Amazônica derrubada no interior do território Karipuna foi de 43,28 km². Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).