O ano de 2024 já começa com cheiro de eleições. Talvez nunca antes na história deste país uma eleição municipal esteve tão cheia de expectativas como a deste ano. Parafraseio a velha fala do Lula I e II – que adorava recorrer ao “nunca antes na história deste país” para enaltecer os feitos de seus dois primeiros governos – para lembrar o grande desafio que o presidente da República terá na corrida pelas mais de 5.000 prefeituras brasileiras. O maior teste é saber o nível de força da extrema-direita reacionária (bolsonarismo) pelos interiores do Brasil, em especial aqui na Amazônia.
Neste caso, nada melhor do que os resultados de uma eleição municipal para servirem como termômetro. Se há uma disputa que envolve as bases, os rincões, é a que envolve os candidatos a prefeito e a vereador. E é exatamente nestes redutos (muitas das vezes invisíveis) que a extrema-direita mais domina território. E os municípios da região amazônica se mostram, desde as eleições de 2018, como um território consolidado do bolsonarismo. Conhecemos muito bem essa realidade.
O governo Lula concluiu seu primeiro ano. Um ano de reconstrução e retomadas após um quadriênio de devastação – destruição promovida por Jair Bolsonaro (PL). Todo e qualquer cidadão de bem e racional sabe que o governo Bolsonaro foi um desastre para o nosso país. Foram quatro anos de ataques à democracia, à saúde pública, aos direitos sociais e ao meio ambiente (este último é um capítulo à parte).
Nada disso, porém, abalou a popularidade do ex-presidente inelegível. A região Norte permanece sendo o grande bastião do bolsonarismo. No Acre, o seu apoio popular é inabalável. O mesmo ocorre em Rondônia e em Roraima. O antipetismo é predominante. A consolidação das igrejas neopentecostais com suas “pautas ultraconservadoras” fragilizam e dinamitam qualquer possibilidade de crescimento de um pensamento progressista. Hoje, qualquer movimento neste sentido você já é chamado de petista ou comunista.
E para a nossa infelicidade, as eleições de 2024 estarão contaminadas por esta retórica esdrúxula – outra vez mais. Nunca antes na história deste país o debate político-eleitoral brasileiro esteve tão próximo à sarjeta como nos tempos atuais. Ao invés de debatermos os problemas e as soluções para as nossas cidades, um exército de fanáticos fica nas redes sociais a chamar o candidato X ou Z de comunista. Não importa se o candidato à eleição ou reeleição representa um desastre para o futuro do município – o importante é que não seja um comunista.
É dessa forma que cidades como Rio Branco estão indo para o buraco – e falo não no sentido figurado. É deplorável ver a nossa política num nível tão vil. Infelizmente não conseguimos enxergar uma luz que seja (nem de uma poronga) no fim do túnel. Enquanto as igrejas evangélicas detiverem a hegemonia política nos rincões brasileiros, continuaremos a viver sob a escuridão das trevas na política, dando saltos rumo ao abismo dos retrocessos daquilo que chamamos de civilização.
Por isso, os desafios do presidente Lula são muitos. Talvez, muito talvez, apenas uma melhora da economia possa diminuir um pouco (bem pouco) a força da extrema-direita na Amazônia. O meu pessimismo é tamanho que, às vezes, chego a pensar que nem mesmo o retorno do Brasil aos tempos áureos da economia dos governos Lula I e II arrefeça o bolsonarismo. A pauta não é mais economia, sociedade, emprego, renda, qualidade de vida. A pauta agora é caçar comunistas que vão contra os princípios da minha igreja.
Lula e os campos progressistas da esquerda precisam sair de suas bolhas e dialogar com a sociedade. Não é lutar ou desmerecer a fé das pessoas. É conversar com elas para tentar despertá-las deste torpor. Lula tem caminhado o varadouro certo. Suas políticas aos poucos chegam aqui na ponta. Ele assumiu um país destruído. A tarefa da reconstrução não é fácil, sobretudo quando se tem um bolsonarismo com sangue no olho e baba na boca, a toda hora espalhando fake news e discursos de ódio.
As eleições de 2024 podem ser a grande chance de novamente o Brasil fazer as pazes com a racionalidade, a humanidade. Um passo foi dado em 2022. Estar atento ao que acontece nos interiores é importante para termos a esperança do retorno a uma vida normal. Lula precisa estar mais atento ao Brasil. Em 2023 rodou muito pelo mundo. Agora precisa (e deve) olhar para o país que ele governa. O vácuo de poder de seu governo pelos rincões representa a consolidação (ainda maior) do reacionarismo.
Após outubro vamos saber se o presidente fez o dever de casa.
Fabio Pontes – jornalista acreano, nascido e criado pelas curvas do Aquiry
Editor-executivo do Varadouro
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