Governador do Acre vai a Washington em busca de investidores; na bagagem, um rastro de destruição da Amazônia
Fabio Pontes
Dos Varadouros de Rio Branco
Em mais um de seus passeios internacionais bancados pelo contribuinte acreano com a justificativa de atrair investimentos internacionais, o governador do Acre, Gladson Cameli (PP), desembarca na capital norte-americana carregando nas malas um passivo de muita devastação da Floresta Amazônica. Durante seu primeiro mandato, por conta da política de flexibilização da fiscalização ambiental em nome do “progresso do agronegócio”, o Acre apresenta taxas recordes de desmatamento e queimadas. Convertido num ecogovernador desde a vitória de Lula, Cameli tenta apagar o seu histórico de ser um dos entusiastas da política de deixar a boiada passar, adotada por seu ex-pupilo Jair Bolsonaro (PL).
Além da crise ambiental em que meteu o Acre desde 2019, o governo ainda carrega uma dívida social por não ter nenhuma política de geração de emprego e renda para a população. O governo Gladson Cameli (e ele próprio) é investigado por fortes suspeitas de corrupção apontadas pela Polícia Federal no âmbito da operação Ptolomeu, incluindo o que se chama de a “República de Manaus”. O atentado contra um baile funk com a presença de jovens e a rebelião no presídio Antônio Amaro, com a chacina de cinco presos, mostra o estado de caos em que o Acre se meteu.
Os dois pontos, a conivência e até omissão nas ações de destruição do bioma Amazônico, mais a grave crise social em que estamos metidos, de fato serão forças de atração para investidores internacionais? Qual tipo de negócio estrangeiro, que têm entre as suas preocupações o enfrentamento às mudanças climáticas, aplicará recursos num estado da Amazônia dono de um passivo ambiental tão gigante?
Para lembrar o que Gladson Cameli levará nas malas até Washington – e que certamente não será apresentado aos homens e mulheres de negócio -, Varadouro foi buscar, nos dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o quanto o Acre perdeu de Floresta Amazônica desde 2019. Conforme as análises de satélite, nos últimos quatro anos a área da Amazônia levada ao chão chegou a 3.117 km2.
Em 2021, a devastação foi a pior dos últimos 15 anos: 889 km2. Como é possível observar no gráfico abaixo, obtido no portal do Inpe, a partir de 2004 o Acre apresentou reduções significativas nas taxas de desmatamento. Na série histórica do Inpe (iniciada em 1988), os anos de 1995 (1.208 km2) e 2003 (1.078 km2) são os piores. A partir de 2019, com a consolidação da extrema-direita ligada ao agronegócio acreano, a coisa parece sair do controle, o desmatamento volta a subir de forma assustadora.
O mesmo acontece com o chamado rastro do fogo. Estudos feitos pelo Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (Labgama) mostram os quatro primeiros anos de Cameli como os piores no registro de cicatrizes do fogo no Acre – as marcas deixadas no solo pelas queimadas. Somados, são mais de um milhão de hectares de cicatrizes do fogo em terras acreanas. Além das queimadas rurais e urbanas, há também aumento sensível dos casos de incêndios florestais. Não à toa, Rio Branco passou a ser o faroeste do fogo desde a posse de Gladson Cameli e Tião Bocalom.
E é assim, com todo este passivo e muito cinismo na bagagem, que o governador do Acre faz suas viagens pelo exterior com a justificativa oficial de atrair investimentos. Mesmo no auge de sua própria política de deixar a boiada passar por aqui, ele não perdia a oportunidade de fazer uns passeios pelas conferências do clima da ONU (as COPs) ou qualquer outro evento global sobre meio ambiente e preservação das florestas tropicais – enquanto aqui dentro a realidade é bem outra.
Agora que é um ex-governador do agronegócio e um ecogovernador, suas viagens usando o capital ativo da Floresta Amazônica que sobreviveu ao seu desastroso desgoverno tendem a se intensificar ainda mais. O problema é que, para cada viagem internacional, ele precisa obter o “passaporte verde” emitido pela ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (SJ). Investigado pela PF por suspeitas de corrupção, Gladson Cameli tem como uma de suas medidas cautelares a retenção do passaporte pela polícia. Suas agendas oficiais ao exterior – incluindo na vizinha boliviana Cobija – só podem ocorrer mediante autorização da ministra.
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