No primeiro fim de semana após a passagem da famigerada CPI das ONGs por Epitaciolândia, o igarapé Encrenca entrou em colapso. É do Encrenca onde o Saneacre – o extinto Sanacre, depois Depasa – faz a captação de água para ser tratada e distribuída aos mais de 18 mil moradores da cidade, localizada no coração da fronteira acreana com a cidade boliviana de Cobija. Para ser sincero, eu desconhecia a existência do igarapé Encrenca. Tampouco sabia que a fornecida para a população epitaciolandense era de lá retirada.
Sempre achei que a fonte usada era o rio Acre – de onde é feita a outra parte suplementar da captação. Mas o Encrenca é fonte a mais importante. Por conta do volume crítico de vazante do igarapé, o Saneacre precisou adotar um rodízio, um racionamento na distribuição de água para Epitaciolândia. Não podemos achar tal medida normal. Não é! Estamos falando de racionamento de água numa cidade localizada na maior floresta tropical do mundo.
E pior: a população é obrigada a reduzir seu consumo de água – em alguns casos ficando com as caixas vazias – em pleno mês de outubro, já quase começo de novembro. Nestes meses, em outros tempos normais, era para estarmos no começo de nosso inverno amazônico, com as primeiras chuvas caindo, irrigando um solo seco após o fim da estiagem. Já era para os rios e igarapés estarem subindo de nível – talvez se preparando para transbordar pelos fins de dezembro, começo de janeiro.
Mas tudo mudou – e para pior! Estamos agora vivendo os efeitos das mudanças climáticas. Aquilo que o senador bolsonarista Márcio Bittar e sua caterva tanto negam sobre a crise climática global (acusando de ser conspiração comunista), estamos vivendo aqui e agora no Acre e em toda a Amazônia. Vejamos o que está acontecendo com os majestosos rios Amazonas, Negro e Madeira – também em níveis críticos de vazante.
E para piorar ainda mais a situação, Márcio Bittar visita o Acre apenas para reforçar seu discurso negacionista, anticiência, das trevas. Falas comuns do submundo do bolsonarismo. Vem ao Acre pregar o desmonte das políticas de proteção ambiental. Ele acusa ONGs de manterem moradores da Resex Chico Mendes na miséria. Uma reserva extrativista já tão desmatada, onde é muito mais fácil se deparar com cabeças de gado do que com produção de borracha ou latas de castanha. Quais são essas ONGs?
A Resex Chico Mendes é a última área de floresta na região do Alto Acre – e uma das derradeiras do Baixo Acre. Ela é essencial para o equilíbrio do clima, das chuvas, da área onde está concentrada mais da metade da população do estado – e da produção agropecuária. São acreanos e acreanas que dependem diretamente do bom volume de água em rios e igarapés para sobreviver. É dentro da mata que resiste na Chico Mendes onde estão as nascentes destas fontes de captação, como o rio Acre, o Xapuri e tantos outros. Talvez até o agora conhecido igarapé Encrenca nasça dentro da mais ameaçada unidade de conservação da Amazônia.
Estamos vivendo uma crise climática gravíssima. Um verão amazônico mais quente, intenso e prolongado. Em pleno mês de outubro estamos com temperaturas cuja sensação térmica supera os 40 graus. As ondas de calor viraram um tsunami. Para agravar a situação, uma turma de aloprado vem defender mais desmatamento, dizendo que apenas a boiada e a soja são a solução para o progresso da Amazônia. Se perdemos mais florestas, vai faltar chuva até para irrigar os pastos e a soja da turma da boiada. Ficaremos sem água e sem alimentos.
A sociedade acreana precisa estar atenta para a gravidade pela qual estamos passando – e a gravidade que é eleger políticos do tipo de Márcio Bittar e companhia. O Acre e a Amazônia não suportam mais tanta devastação. Eles passaram os últimos quatro anos – sob o berrante de Jair Bolsonaro – passando a boiada sobre a floresta. A crise climática que vivemos hoje é a prova que tais políticas reacionárias nos levam ao colapso – coloca em risco a sobrevivência do próprio agronegócio.
A seca do igarapé Encrenca que leva a população de Epitaciolândia ao racionamento de água é outra evidência de que políticos do nível de Bittar nos deixam encrencados – bastante encrencados. Este não é um debate ideológico de esquerda ou direita. Mas de algo já vivido hoje. As famílias da Amazônia estão sem água e sem comida por causa da seca. Estamos perdendo nossos roçados pela falta de chuvas. Pragas invadem as lavouras de macaxeiras no Juruá. O calor extremo coloca em risco a saúde humana.
O que mais vamos esperar para acontecer?
Fabio Pontes – jornalista acreano, nascido e criado pelas curvas do Aquiry
Editor-executivo do Varadouro
fabiopontes@ovaradouro.com.br