O (GRANDE) PASSIVO HABITACIONAL DE CAMELI

Compartilhe

Ação policial na Terra Prometida repete tragédia social provocada pela bovinização do Acre


Em quase cinco anos de desgoverno, o bolsonarista Gladson Cameli (PP) não ergueu uma única moradia popular no Acre. Com a omissão do Estado, famílias carentes não encontram opção a não ser ocupar “terrenos baldios”. Agora, Minha Casa, Minha Vida, do tão odiado Lula pelo eleitor acreano, pode livrar a população carente da ação truculenta da polícia comandada pela extrema-direita.



Fabio Pontes
Dos Varadouros de Rio Branco



A CRISE ocasionada pela reintegração de posse na ocupação Terra Prometida, localizada na região do Irineu Serra, com crianças, mulheres e idosos sendo expulsos na base das balas de borracha e gás lacrimogêneo, revela o exponencial passivo social e habitacional do desgoverno Gladson Cameli (PP), no decorrer dos últimos quatro anos. Sem ter tido a capacidade de construir uma única moradia popular, a ineficiência de Cameli aprofundou, ainda mais, as desigualdades sociais já historicamente assustadoras, mergulhando o Acre na extrema-pobreza – enquanto a extrema-direita consolida sua hegemonia. Para se provar isso não são necessárias estáticas. Uma simples saída pelas ruas das cidades revela a dramática situação de vulnerabilidade em que os mais pobres estão colocados.

Mas se a questão for a apresentação de dados científicos, basta uma passada de olho no mais recente Índice de Progresso Social (IPS), divulgado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Dentro da Amazônia Legal, o Acre ocupa o segundo pior lugar nos indicadores de qualidade de vida, com um IPS de 52,99. (a nota vai de 0 a 100). A média regional é de 54,32, enquanto a nacional fica em 67,94. No quesito Necessidades Humanas Básicas (NHB) – o que inclui moradias -, o IPS acreano é de 64,46. Em toda a Amazônia fica em 64,83, e 76,30 no país. Quando se compara com o IPS 2021, o Acre apresentou retrocessos. O IPS geral era de 53,55, e o NHB 64,62.

O IPS faz uma relação entre o avanço do desmatamento da Floresta Amazônica para a expansão da pecuária, com a melhora ou a piora dos indicadores sociais. Como se vê, ao reintroduzir aqui a política de bovinização do Acre que levou o estado a taxas recordes de desmatamento e queimadas, o desgoverno Gladson Cameli não fez executar nenhuma política concreta de geração de emprego e renda ou de assistência social às famílias mais vulneráveis – isso num estado já marcado por uma pobreza histórica, criando o efeito retrocesso da bovinização.

Ao não disporem de programas habitacionais – tanto pelo governo local, quanto pela gestão federal passada – a população mais carente de Rio Branco não teve outra alternativa a não ser ocupar terrenos sem destinação. Assim aconteceu na parte alta da cidade, quando famílias passaram a lotear e construir seus barracos numa área de propriedade do Estado, que passou a se chamar Terra Prometida. A região também é constituída por uma APA – Área de Proteção Ambiental.

O problema salta aos olhos de qualquer pessoa que trafega pela estrada do Irineu Serra. As construções foram avançando, avançando e logo se tinha ali um conjunto habitacional. As moradias variam conforme o poder aquisitivo dos proprietários – mas todas feitas de madeira. Em algumas havia garagens com carros. Em outras, apenas barracos cobertos com lonas como forma de demarcar o lote. Rabichos de energia eram puxados para se ter acesso à luz. Diante da omissão do estado, aos poucos a Terra Prometida ia assumindo a forma de um bairro.




A Terra Prometida era a reprodução de como se deu o desenvolvimento urbano da capital acreana. Ao longo das últimas cinco décadas, Rio Branco foi construindo a infraestrutura a partir de ocupações ou invasões, como são mais chamadas por aqui. Este processo se iniciou na década de 1970, com o êxodo rural provocado pela expulsão de milhares de famílias seringueiras de suas colocações com a chegada dos “paulistas”. Era o começo da bovinização do Acre implementada pela ditadura militar (1964-1985), que disponibilizava milhares de hectares da Amazônia para serem transformados em pasto para o gado.

Expulsos dos seringais, os seringueiros vinham parar nas periferias de Rio Branco ou cidades mais próximas. Geralmente, essas ocupações estavam nas margens do rio Acre – a partir de onde a cidade se expandiu. São áreas de risco por ficarem inundadas na época do inverno. Consolidadas as ocupações, o poder público precisava reconhecer e legitimar a posse, levando os serviços básicos como saneamento, iluminação, pavimentação das ruas. Daí surge a mais de uma centena de bairros da cidade.

Ao longo das décadas, muitos programas habitacionais foram executados em Rio Branco. Talvez um dos mais intensos aconteceu nas gestões Flaviano Melo (MDB), ainda nos anos 1980. Foi nesta época que surgiram bairros como Manoel Julião, Universitário, Tucumã e outros. Durante os 20 anos de governos petistas (1999-2018) outros programas de moradia popular possibilitaram a construção e financiamento de moradias populares.

O Minha Casa, Minha Vida, do governo Lula, foi o carro-chefe para a política habitacional no Acre. O último projeto neste sentido foi o Cidade do Povo, no governo do petista Tião Viana, cujo propósito era retirar famílias que viviam em áreas alagadiças na beira do rio.

Com a consolidação da extrema-direita no estado, todos estes programas sociais foram à lona. A aliança estratégica Gladson Cameli-Jair Bolsonaro levou o Acre a um retrocesso histórico, fazendo a população carente ficar ainda mais desamparada. A ocupação Terra Prometida é o exemplo mais trágico do desgoverno no qual o estado está inserido desde 2019, quando Gladson Cameli não teve a capacidade de erguer uma única moradia de habitação popular; repetindo: o desgoverno Cameli, em quatro anos, não construiu uma única casa no Acre.



“Em quase cinco anos de governo, a única casa construída foi a ‘casinha do Papai Noel’, em frente ao Palácio, que custou aos cofres públicos R$ 568 mil. Para o Papai Noel, superfaturamento. Para os sem teto, bomba, gás e polícia”, escreveu em suas redes sociais o deputado Edvaldo Magalhães (PCdoB), o único parlamentar de oposição na Assembleia Legislativa.

Somente agora, após mandar a sua tropa de choque jogar bomba de gás lacrimogêneo nos moradores da ocupação Terra Prometida, o desgoverno Gladson Cameli fala na construção de casas populares. Em abril, após a grande enchente do rio Acre e o transbordo dos igarapés, já tinha exposto a proposta de erguer 300 moradias para retirar famílias das áreas de risco.

E de onde sairão os recursos para as obras? Do Minha Casa, Minha Vida, destruído pelo governo de Jair Bolsonaro, de quem Cameli foi aliado incondicional. Demonizado aqui no Acre, o governo do presidente Lula assegura a verba para a construção de casas populares – evitando que a população mais pobre leve porrada da extrema-direita acreana.

E, assim, de décadas em décadas, e de ciclos em ciclos, o Acre vai reproduzindo a sua história de criação. Os efeitos da bovinização lá da década de 1970 voltaram com a retomada do poder pela extrema-direita bolsonarista – que não tem a mínima preocupação com políticas de inclusão social – apenas muito proselitismo e assistencialismo barato com a distribuição de sacolões. Para eles, isso é assistência social. Quando as coisas passam dos limites, também distribuem porrada.








Logomarca

Deixe seu comentário

VEJA MAIS

banner-728x90-anuncie