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Deputado orienta “contratação” de indígenas para reabertura de ramal no Juruá, barrado pela Justiça

O deputado federal Zezinho Barbary defende abertura de ramal para tirar Porto Walter do isolamento (Foto: MyKe Sena/Câmara dos Deputados)



Ex-prefeito de Porto Walter, Zezinho Barbary (PP) sugere a cooptação de Jaminawa para trabalhar na reabertura de ramal que conecta o município a Cruzeiro do Sul. Ele ainda aconselha fazer fotos dos indígenas como forma de passar legitimidade ao empreendimento. Ramal causa impactos diretos na Ti Jaminawa do Igarapé Preto. Justiça já determinou a suspensão das obras por descumprimento de normas ambientais.



Fabio Pontes
Dos varadouros de Rio Branco


Em mensagens de áudio enviadas para grupos de Whatsapp divulgadas pelo Portal do Rosas, o deputado federal Zezinho Barbary (PP) orienta aliados a cooptar indígenas Jaminawa para trabalharem como mão-de-obra na abertura de ramal que conecta a cidade de Porto Walter a Rodrigues Alves, e, consequentemente, a Cruzeiro do Sul, o principal centro urbano do Vale do Juruá.

Ao sugerir a “contratação” de “uns seis a dez índio” , o parlamentar, que é ex-prefeito de Porto Walter, também orienta que eles sejam filmados trabalhando na obra. Assim, Barbary tenta passar legitimidade ao empreendimento, cuja construção foi barrada pela Justiça justamente pelos impactos que provoca à Terra Indígena Jaminawa do Igarapé Preto, além de não ter ocorrido a devida consulta prévia ao povo.

Principal entusiasta e patrocinador da conexão terrestre entre Porto Walter e Cruzeiro do Sul, Zezinho Barbary tenta, há alguns anos, consolidar a rota, que já ganhou o nome de Ramal Barbary. Desde 2019, com o apoio do governo Gladson Cameli (PP), o parlamentar passou a ter o Departamento de Estradas e Rodagens do Acre (Deracre) como executor da obra.

No áudio, o deputado federal afirma que, quando das primeiras tentativas de abertura do ramal, ele contou com apoio de alguns Jaminawa. “Eu acho que é interessante alguém fazer uma conversa com eles aí, pra quando o ramal chegar ali na terra deles, das aldeias ao Paraná dos Mouras, o trecho maior que tem, a gente conversar com uns seis ou 10 índio, pra gente pagar eles. A gente paga eles, pra gente dar lá umas duas diária, os índio mesmo, pra gente envolver eles no ramal”, orienta o parlamentar do Progressistas.

Ele prossegue: “Aí, alguém, discretamente, lá do nosso pessoal, tira umas fotos deles lá, dos índios trabalhando no ramal, abrindo o ramal, manual, entendeu? Aí alguém negocia com eles lá. Só não pode envolver o meu nome, tá? Depois desse áudio aqui meu, vocês pode até apagar o áudio. Aí vê quanto eles cobram, que a gente paga eles, tá?” (Ouça a íntegra do áudio abaixo)

Em outro áudio, o ex-prefeito de Porto Walter afirma estar disposto a fazer a abertura do ramal a qualquer custo, e que está disposto ao “que der e vier”. Ele afirma já ter doado 200 litros de combustível para ajudar na abertura do ramal e que doará mais 50. “Contem sempre com o nosso apoio.” Depois, ele pede a chave pix de algum membro do grupo para ele transferir R$ 500 para ajudar na compra de alimentação ou gasolina.

O deputado defende a construção em nome de uma integração regional, para tirar o município do isolamento rodoviário com o resto do Acre. Hoje, o acesso entre Porto Walter, assim como Marechal Thaumaturgo, e Cruzeiro do Sul é feito por via aérea ou fluvial pelo rio Juruá.

Neste período de verão, quando o manancial está em níveis críticos de vazante, a navegação de cargas e pessoas fica comprometida. E é exatamente nos meses da estiagem que é feita a abertura do ramal para evitar um possível colapso no abastecimento de Porto Walter.

Em 2024, atiçados pelo discurso da classe política local, a população foi convocada a fazer a abertura do ramal “na raça e na coragem”. Parte da população foi às ruas do município pedir a abertura da conexão terrestre para mitigar os efeitos do isolamento. Com roçadeiras, terçados, tratores e outras ferramentas, os porto-waltenses entraram na mata para reconectar a cidade a Cruzeiro do Sul.

Ramal Barbary: traçado de conexão terrestre acontece a toque de caixa, e provoca impactos em território indígena e unidades de conservação (Foto: Ascom Deracre)

Reabertura do ramal na marra

Após as notícias e registros de retomada das obras, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação para que o governo, por meio do Deracre, e as prefeituras de Porto Walter e Cruzeiro do Sul, comprovem a adoção de medidas, inclusive o uso da força policial, para impedir a reabertura do Ramal Barbary.

Na última quinta, 11, a juíza Raffaela Cássia de Sousa, da Vara Federal Cível e Criminal de Cruzeiro do Sul, atendeu ao recurso ministerial. Na prática, a decisão ordena que o Deracre comprove que realizou o bloqueio da estrada, a fim de suspender o dano ambiental causado pela obra.

A abertura do ramal vinha sendo feita a toque de caixa, desrespeitando as condicionantes ambientais e indígenas para seu licenciamento. Por conta disso, o MPF e o MP/AC ingressaram, em setembro de 2022, com Ação Civil Pública (ACP) contra o Estado do Acre pedindo a paralisação das obras por descumprimento das legislações. Entre elas, está a ausência de consulta aos Jaminawa do Igarapé Preto, como determina a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

Além do território Jaminawa, o Ramal do Barbary ocasiona impactos diretos à Unidade de Conservação (UC) Estadual de Uso Sustentável Japiim Pentecoste, e seu traçado está dentro da área de influência do Parque Nacional da Serra do Divisor, UC de proteção integral.

Em dezembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, determinou a suspensão de qualquer intervenção e o bloqueio do trecho. Em outubro, para evitar a judicialização inevitável da obra, o Deracre chegou a fazer um desvio do traçado, para que não mais adentre na terra indígena. A medida, todavia, não é garantia de amenização dos impactos. Na Amazônia, a abertura de estradas e ramais é o principal vetor para o aumento do desmatamento.

A falta de diálogos entre todos os atores envolvidos no processo de licenciamento e as comunidades impactadas é o principal fator a provocar a judicialização do Ramal Barbary. A seu favor, o estado diz que as licenças foram emitidas pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), seguindo todas as normas legais, por não o traçado não abarcar terras da União. Para o MPF, o argumento não se sustenta por o comprovado dano ao território Jaminawa e à zona de influência do Parna da Serra do Divisor.

Às margens do Juruá, Porto Walter é impactada pelo nível crítico do manancial durante os meses do verão, quando a navegação fica comprometida , dificultando a chegada de mercadorias (Foto: Fabio Pontes/Varadouro)

Outro lado

Desde a última quinta, Varadouro entrou em contato com a assessoria de imprensa do deputado federal Zezinho Barbary (PP) questionando o conteúdo de suas mensagens, mas até o presente momento respostas nao foram enviadas.

Em nota, o governo Gladson Cameli informou que todas as medidas definidas pela Justiça e o MPF foram adotadas. “Reiteramos as informações sobre o ramal que interliga as duas cidades, e apresentamos os relatórios comprobatórios das ações executadas. Esse processo está em fase de captação de recursos para a contratação de um profissional habilitado, considerando a urgência devido ao decreto de emergência de seca dos rios no estado do Acre.”

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