Muitas Amazônias

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A Amazônia invisível para quem não está na Amazônia

Os trágicos quatro anos de desgoverno Jair Bolsonaro colocaram, pela primeira vez, os estados que formam a chamada Amazônia Legal no centro do noticiário nacional e internacional. E infelizmente foi da pior forma possível. Afinal de contas, graves problemas históricos vividos por nós, moradores da Amazônia, foram potencializados pela agenda de destruição dos direitos ambientais e sociais tocada pelo bolsonarismo não só fincado em Brasília, mas também (e sobretudo) o regional. Desmatamento, queimadas, garimpo, grilagem e outras práticas criminosas foram empoderadas. O resultado foi um período de devastação, insegurança e ameaças.

Para muitos, sobretudo para quem está fora da região e nada conhece da realidade local, a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência da República transformou a Amazônia num Jardim do Éden. Não é bem assim. É lógico que o ambiente político hoje é muito melhor do que antes. Como se diz, não entramos no paraíso, mas pelo menos saímos do inferno. A posse de Lula transmite uma sensação de alívio, de segurança para nós que estamos na linha de frente em defesa da floresta e suas populações tradicionais.

Todavia, paz não é a palavra certa para definir o que seja a Amazônia pós-Bolsonaro. Nossas mazelas históricas sobrevivem. Os problemas da Amazônia não estão restritos apenas a derrubar centenas de hectares de floresta, e fazer comparações dos dados Inpe/Imazon com o tamanho de São Paulo. Não se resumem aos malvados grileiros e garimpeiros que tantos danos fazem. Todo este pacote de maldades é apenas a ponta de uma lança, consequência de décadas de políticas desastrosas para a região – incluindo as adotadas pelos governos petistas.

Olhar para a Amazônia como um santuário ecológico é desconsiderar que aqui temos quase 30 milhões de pessoas. E não, a maioria (ao menos 80%( não mora no meio do mato. A maioria está nas periferias das cidades – sejam metrópoles como Manaus ou Belém, até cidades médias, indo de Rio Branco a Macapá, e de Porto Velho até Boa Vista.

Enquanto cria-se muitos clichês e estereótipos para falar da Amazônia à distância, nós que vivemos nos centros urbanos do Norte brasileiro, vivemos outras duras realidades. A violência do campo que mata homens e mulheres corajosos como Wilson Pinheiro, Chico Mendes, Dorothy Stang, entre tantos outros anônimos, é a mesma que nos aterroriza em nosso cotidiano urbano. De jagunços aos “soldados das facções”, o medo nos cerca.

Desde 2015 vivemos um banho de sangue pelas nossas cidades. Foi a partir daquele ano que Comando Vermelho e PCC “descobriram” as fronteiras amazônicas como as melhores rotas para “importar” a droga produzida nos países vizinhos: Bolívia, Colômbia e Peru. A rebelião conflagrada no presídio Antônio Amaro, aqui na capital acreana, encerrada com a contagem de cinco assassinatos dos líderes da facção rival àquela que dominou a unidade prisional, é um dos retratos desta nossa violência diária e invisível nos debates sobre o que seja Amazônia.

Para deter o monopólio destes caminhos, as duas facções vindas do Sudeste travaram uma guerra. Aqui por Rio Branco e cidades do interior acreano, dois ou três eram executados à luz do dia – e em plena via pública, aos olhos de qualquer um. O mesmo ocorria em Manaus e Boa Vista. Toques de recolher eram impostos. Ninguém sai de casa. Ônibus incendiados, prédios atacados. Tudo isso fez as cidades do Norte ocuparem as primeiras posições nos rankings de homicídio no país.

De lá para cá, após muito terror, o CV obteve o domínio territorial das fronteiras amazônicas. O PCC se aliou a facções locais para sobreviver. Passou a atuar como o braço armado dos crimes ambientais – garimpo e grilagem. No Acre, por exemplo, há casos de membros de facções comercializando lotes de terra dentro de assentamentos do Incra.

O crime está presente desde os bairros nas periferias até os pontos mais remotos da selva. É por entre rios e trilhas abertas na selva que há o transporte da droga. Eles também tentam aumentar seu poder de influência na política local. A cada eleição, a polícia descobre candidatos financiados pelas facções.

Também enfrentamos as mazelas ocasionadas pelos eventos climáticos extremos, cuja catástrofe se resume a ser exibida em poucos segundos dentro da previsão do tempo do Jornal Nacional. As enchentes, por exemplo, a cada ano ficam mais intensas e ocorrem com mais frequência. Mais e mais pessoas são afetadas pelas inundações de rios e igarapés, em especial os mais pobres.

Famílias carentes que constroem suas casas em áreas de risco, às margens dos mananciais. Elas sabem que ali são áreas alagadiças, de deslizamento, mas não há outra opção. Como costumo dizer, é até redundante falar em “famílias mais pobres” tratando-se de uma região profundamente marcada pela pobreza e pelas desigualdades sociais.

Na estiagem, a água nos fica escassa, além de termos que conviver com a poluição extrema das queimadas, que traz doenças respiratórias, além das temperaturas elevadíssimas. Sim, tudo isso representa uma violência para a Amazônia e suas populações. Estereotipar a mais importante floresta tropical do mundo a grileiros, garimpeiros e madeireiros é empobrecer o debate. Uma miopia. A Amazônia é uma região bastante complexa. Nem nós que somos seus filhos a entendemos por completo.

Há várias Amazônias invisíveis, esquecidas em nossas periferias – a Amazônia real. A Amazônia onde o bolsonarismo floresceu com bastante força, e dela parece não querer sair tão cedo. Muito mais do que comemorar o “Ibama voltou” – não enalteça isso para um agricultor da região – é preciso pensar a Amazônia em toda a sua complexidade. Pensar em políticas públicas que respeitem a diversidade da região, que de fato assegure uma melhor qualidade de vida para quem vive na … Amazônia.

São as pessoas que vivem aqui que fazem toda a diferença entre a preservação ou a destruição da floresta. De nada adianta espernear desde a avenida Paulista ou o Central Park. É preciso que os próprios amazônidas entendam o valor e a importância desta região para o mundo. Criar um sentimento de orgulho entre os nativos.

É por meio deste trabalho de conscientização, mais a aplicação de políticas que assegurem o combate às desigualdades com geração de emprego e renda, que fará com que a Amazônia Legal deixe de ser um reduto do bolsonarismo, elegendo, a cada eleição, o que há de mais retrógrado e reacionário na política local.

O resto é ambientalismo barato e conversa para boi dormir – e como tem boi aqui por essas bandas invisíveis do Brasil.


Fabio Pontes – jornalista acreano, nascido e criado pelas curvas do Aquiry
Editor-executivo do Varadouro
fabiopontes@ovaradouro.com.br
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