MPF quer demarcação “na marra”; bancada federal do Acre prefere a boiada

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Por Fabio Pontes
dos Varadouros de Rio Branco


ELEITOS por um estado da Amazônia que ainda mantém de pé 86% de sua cobertura florestal, os deputados federais do Acre votaram, em sua maioria, favoráveis ao projeto do marco temporal. Ou seja, eles se posicionaram contra a demarcação de novas terras indígenas no país, incluindo TIs no Acre, apenas para atender a interesses da ala mais reacionária do agronegócio. A posição de tais parlamentares não causa nenhum espanto para quem acompanha a política local. O Acre é um dos redutos mais fortes do bolsonarismo no país, e eles foram eleitos na esteira do que há de mais arcaico e retrógrado no ambiente político acreano.

Na votação desta terça, 30, do PL 490, apenas a deputada Socorro Neri (PP) e seu colega Zezinho Barbary (PP) manifestaram-se contrários ao projeto do marco temporal. Integrante da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, a ex-prefeita de Rio Branco é a menos associada a este movimento reacionário da extrema-direita acreana. Está no PP apenas por sobrevivência política. Já Barbary pode ter ido contra apenas por interesses eleitorais, para não perder o voto dos indígenas de Porto Walter, município de onde foi prefeito.

E enquanto a maioria dos parlamentares atua para suprimir os direitos dos povos indígenas – sendo muitos deles eleitos com votos destes mesmos indígenas – aqui no Acre o Ministério Público Federal (MPF) faz uma atuação exemplar para que as populações que ainda não estão com seus territórios homologados obtenham, na Justiça, o direito à demarcação.

Um dos povos mais vulneráveis neste cenário são os Jaminawa de Sena Madureira, cuja deputada federal eleita pelo município, Meire Serafim (União), esposa do prefeito Mazinho Serafim, votou Sim ao marco temporal. Há décadas esperando pela demarcação de suas terras na Bacia do Purus, os Jaminawa vivem em plena insegurança nas aldeias no entorno de suas terras pleiteadas, além de estarem em extrema vulnerabilidade social na periferia de Sena Madureira.

Entre os territórios que ainda estão à espera de demarcação no Acre está a TI Riozinho do Iaco, reivindicada pelos Jaminawa e Manchineri. Ela está localizada entre os municípios de Sena Madureira e Assis Brasil. No começo de maio, a partir de ação movida pelo MPF, a Justiça Federal determinou o imediato início do processo de demarcação da área pela Funai. Essa é a segunda vez que o Ministério Público aciona a Justiça. A primeira foi há seis anos. À época, o Judiciário deu prazo de dois anos para que a Funai iniciasse o processo; até hoje, nada.

Alegou-se motivo de impedimento por, em 2020, o Supremo Tribunal Federal ter determinado a suspensão de todos os processos de demarcação de novos territórios. “Refutando esse argumento, a Justiça Federal afirmou que a decisão da Suprema Corte foi proferida na época da pandemia causada pela covid-19 e tinha como objetivo evitar que esses processos, com risco de determinação de reintegração de posse, colocassem os indígenas, repentinamente, em vulnerabilidade, sem condições mínimas de higiene e isolamento para minimizar o risco de contágio pelo coronavírus. O Juízo ressaltou que a decisão não retirou os direitos territoriais dos povos indígenas”, diz nota do MPF.

Outras duas terras reivindicadas pelos indígenas de Sena Madureira são a Jaminawa do Rio Caeté e a Caiapucá. Todas elas estão há anos paradas nos corredores burocráticos da Funai. Pressões políticas também são apontadas como motivo para a demarcação nunca ter ocorrido. A região é de alto interesse para explorações econômicas, incluindo a de madeira.

De acordo com dados da Comissão Pró-Índio (CPI), o Acre possui 35 terras indígenas reconhecidas pelo governo. Delas, 24 estão com seus processos de demarcação concluídos. As outras 11 estão na fila de espera. Segundo a CPI, as terras indígenas – incluindo as não homologadas – correspondem a 14,5% do território acreano. Além de assegurar a manutenção da floresta em pé, as terras indígenas são a garantia de sobrevivência dos 25 mil indígenas acreanos. Dentro destas áreas protegidas eles têm sua segurança alimentar e preservam a relação ancestral-cultural com a floresta.

Agora, infelizmente, com o apoio da maioria da bancada do Acre, a Câmara coloca em risco a manutenção da mais importante floresta tropical do mundo, e deixa em risco a vida de milhares de indígenas que se encontram em situação de vulnerabilidade. Expulsos de seus territórios décadas atrás, eles voltam a ver o próprio Estado brasileiro atuar para destruir seus direitos.

A depender dos deputados federais do Acre, nossos indígenas vão continuar nas periferias das cidades, e a boiada vai ocupar as terras que são deles de direito. Não sabemos se o MPF terá força suficiente para conter essa boiada. Não custa nada tenar.

Ainda há o Supremo Tribunal Federal, a instituição mais odiada pela extrema-direita, para barrar a boiada com seu marco temporal.


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