Ibama e ICMBio começam temporada do fogo na Amazônia com recursos escassos
Cortes orçamentários históricos inviabilizam a saída de servidores para ações em campo; resultado é o aumento dos casos de crimes ambientais em unidades de conservação localizadas na região Amacro. Para servidor, ausência de órgãos em fiscalizações também contribui para o aumento da violência nos conflitos por terra entre o sul do Amazonas e o Acre.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
O discurso e a prática. Assim pode ser definida a política ambiental do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aos olhos dos servidores ambientais federais, que estão com suas atividades em “operação padrão” desde o começo do ano. Para agravar a situação, os dois mais importantes órgãos da estrutura federal – o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – enfrentam sérias dificuldades orçamentárias. O corte de recursos por parte da equipe econômica do governo Lula pode colocar em xeque tudo o que o Planalto propaga sobre a proteção da Amazônia aqui e no exterior.
A situação é mais preocupante quando a região está prestes a entrar na temporada do fogo, prática comum na região nos meses do verão amazônico. E a situação é ainda mais de alerta por a tesoura palaciana afetar justamente as áreas de combate ao fogo do Ibama e do ICMBio. Outro fator de preocupação: os alertas já emitidos pela ciência de que o verão de 2024 nesta faixa da Amazônia será um dos mais intensos já registrados, contribuindo para a propagação das queimadas e incêndios florestais.
No começo do ano, Roraima foi o estado mais afetado pelas queimadas e incêndios florestais. O período seco na região norte da Amazônia foi potencializado pelo fenômeno climático El Niño, que atinge os ciclos de chuva e de seca em toda a região desde o ano passado. A partir de junho é a vez da porção sul da Amazônia voltar a ser impactada por uma estiagem severa.
De acordo com dados da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), o orçamento do Ibama para as ações de combate a incêndios em 2024 sofreu um corte de 24%. Dos R$ 120 milhões solicitados pelo instituto para a atuação do Prevfogo ao longo de todo o ano, o governo disponibilizou apenas R$ 50 milhões.
“Isso impacta diretamente no trabalho a ser desenvolvido, como aquisição de equipamentos e contratação de brigadistas. Vale destacar que, com os cortes no orçamento, uma equipe de brigadistas que seria de 15 profissionais, passaram a ter 13 profissionais”, diz trecho de nota emitida pela Ascema.
Ainda segundo a entidade, a partir de dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP) do governo federal, até o momento apenas R$ 7,3 milhões dos R$ 65,7 milhões previstos para o programa de Prevenção e Controle de Incêndios Florestais nas Áreas Federais Prioritárias foram liberados pelo governo Lula.
Para a Ascema, caso a execução dos recursos continue neste ritmo e os servidores mantenham sua mobilização por mais tempo, a tendência é que nem a metade dos R$ 65,7 milhões sejam liberados até o fim do ano. “Desde o início das mobilizações pela reestruturação da carreira, a Ascema Nacional tem alertado que a falta de acordo com o governo compromete seriamente a gestão ambiental, o que inclui os trabalhos de prevenção e combate aos incêndios florestais.”
“A demora no processo de negociação decorrente da ausência de uma proposta justa para os servidores por parte do governo é um erro grave que já comprometeu o processo de contratação de brigadistas, e está prejudicando as ações de prevenção, realizadas por meio das queimas prescritas e atividades de educação ambiental”, diz Cleberson Zavaski, o Binho, presidente da Ascema Nacional.
Ele completa: “O governo precisa entender que sem o engajamento total dos servidores ambientais, a situação que se vislumbra para este ano é de uma catástrofe sem precedentes”.
Áreas protegidas desprotegidas
Assim como o Ibama, o ICMBio tem área específica para o combate às queimadas e incêndios dentro das unidades de conservação federais e entorno. Os brigadistas são contratados de forma temporária, em especial para a temporada do fogo. O trabalho deles é crucial para amenizar o impacto do fogo dentro das áreas protegidas.
No Acre, por exemplo, a Reserva Extrativista Chico Mendes ocupou as primeiras posições de focos de queimada durante os quatro anos de desmonte da política ambiental promovido por Jair Bolsonaro. A UC conta anualmente com o trabalho dos brigadistas do instituto para combater os focos de queimada, prática bastante comum para a limpeza de roçados e pastos.
Neste ano, o ICMBio sofreu dois cortes orçamentários significativos durante a tramitação do Projeto de Lei Orçamentária Anual – PLOA 2024, com uma expressiva redução de cerca de 13%.
“Adicionalmente a essas restrições impostas, outra dificuldade decorre do Decreto nº 11.927, de 22 de fevereiro de 2024, que determinou o limite de movimentação e empenho para o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima – MMA em 20% da dotação até final de março 2024, além de restringir a disponibilização de recursos financeiros em valores aquém das necessidades do ICMBio”, diz trecho de nota técnica.
O resultado são as operações de fiscalização e proteção das UCs federais quase que paradas. Sem recursos, os servidores ficam inviabilizados de ir a campo – além do próprio movimento da categoria que restringe as ações para os casos mais emergenciais.
Uma das formas de driblar o contingenciamento é recorrer a fundos paralelos, como do programa Arpa (Áreas Protegidas da Amazônia). Porém, nem todas as UCs têm acesso a este fundo, e dependem exclusivamente do caixa do ICMBio. Ou seja, se o órgão não tiver dinheiro, elas ficam desprotegidas.
“Estes cortes estão impactando em desenvolver as ações nas áreas socioambientais, que são as reuniões de conselho, acompanhamento do Bolsa Família, todos estes programas, e impacta, sobretudo, as ações de fiscalizações”, diz um servidor do ICMBio em Rio Branco que pede anonimato.
Como consequência, afirma a fonte, há aumentos expressivos nos casos de crimes ambientais dentro e no entorno das unidades de conservação. Aquelas localizadas na região Amacro – a tríplice divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia – são as mais impactadas. Há casos de invasões de madeireiros, caçadores e até a abertura de garimpos na Ponta do Abunã, região noroeste de Rondônia, divisa com Acre.
“Essa região está totalmente abandonada, seja pelos órgãos ambientais ou pelo Ministério Público. Este corte nunca aconteceu nem no governo Bolsonaro, e olha que ele foi o pior para os nossos trabalhos. A gente sofreu [agora] um corte de quase 100% das ações. Hoje o ICMBio está fazendo duas ou três operações por mês, o que é gravíssimo”, afirma.
Outra consequência da tesourada palaciana no orçamento do ICMBio, analisa a fonte, é o aumento dos casos de conflitos no campo na divisa entre Acre e Amazonas, como Varadouro mostra desde o ano passado. O caso mais recente aconteceu na última segunda, 20, quando três agricultores foram atingidos por disparo de arma de fogo num atentado em ocupação no município de Boca do Acre.
“Quando o ICMBio e o Ibama estão presentes nestas áreas, conseguimos fazer a intermediação entre os agricultores e fazendeiros. Ano passado conseguimos fazer um bom trabalho ali naquela região. Ficávamos até 20 dias direto em campo. Com os cortes no orçamento todo esse trabalho ficou comprometido.O agricultor, o posseiro, quer a presença dos órgãos lá perto deles, não quer vir para um gabinete na capital”
Localizada bem no coração da tríplice divisa Amacro, a Floresta Nacional do Iquiri é a mais impactada pela falta de ações do ICMBio. A Flona é alvo constante de invasões para a retirada de madeira. Sua proximidade com a Ponta do Abunã a faz ser a principal fonte de extração pelas madeireiras dos distritos de Nova Califórnia e Extrema, em Porto Velho.
E assim, enquanto o governo Lula propaga ao mundo bons resultados no combate ao desmatamento da Amazônia – o que de fato acontece, como atestam os dados – na ponta os trabalhadores responsáveis por executar a política ambiental do estado brasileiro enfrentam sérias dificuldades – e pedem valorização. As áreas que deveriam estar protegidas, estão desprotegidas.
Ao que tudo mostra, o governo Lula precisa sair de seus palacetes em Brasília e estar presente em nossa realidade amazônica.