Um adeus carinhoso a Pedro Ramos
Por Mary Allegretti*
O líder extrativista Pedro Ramos de Souza, falecido na última segunda-feira, 11 de dezembro, transformou-se, ao longo dos anos, no filósofo do movimento extrativista. Para seus pares, interpretava os fatos e ajudava a compreender a conjuntura política sempre com uma visão antecipada do que poderia acontecer. Para o público externo era um intérprete preciso e eloquente do significado do movimento extrativista para a Amazônia e para o mundo.
Quero homenageá-lo lembrando de quando o conheci, aqui em Curitiba, durante o Seminário “Planejamento e Gestão do Processo de criação de Reservas Extrativistas na Amazônia”, organizado pelo Instituto de Estudos Amazônicos – IEA, em setembro de 1988.
Foi nesse seminário que as primeiras Reservas Extrativistas foram definidas e seus limites preliminares delineados pelos representantes de diferentes estados amazônicos. Chico Mendes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, desenhou o mapa que serviu de base para a definição da área da Resex que recebeu seu nome. Pedro Ramos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Amapá, ao lado de Guairacá Carvão Nunes, representante do MIRAD no Amapá (Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário), definiu os limites do território que hoje é a Resex do Rio Cajari.
A manifestação pública aconteceu no encerramento do Seminário, para chamar a atenção da imprensa e da sociedade a respeito das ameaças de morte que Chico Mendes estava recebendo naquele momento e que se concretizaram três meses depois.
Pela sua experiência de vida, pela sua atuação na política sindical e, principalmente, pela sua longa dedicação ao movimento seringueiro, desde que conheceu Chico Mendes nos encontros sindicais nacionais, e até recentemente, Pedro foi uma liderança de grande influência no Conselho Nacional dos Seringueiros e das Populações Extrativistas.
Em depoimento ao IEA, em 2016, Pedro Ramos comentou: “Nós (referindo-se a ele e Chico Mendes) descobrimos uma coisa: o movimento sindical dos trabalhadores rurais sozinho não daria conta de levar para frente uma bandeira muito grande que era a luta dos extrativistas. Nas conversas que a gente tinha, a gente falava sobre as dificuldades que a gente estava tendo com o governo em relação à questão da reforma agrária. Ele discutia no Acre e eu no Amapá, uma nova modalidade de reforma agrária pra Amazônia”. Juntos conquistaram o primeiro marco legal de uma reforma agrária inovadora – o Projeto de Assentamento Extrativista – e, em outubro de 1988, foram criados três PAEs no Amapá e seis no Acre.
O marco legal para as Reservas Extrativistas somente surgiu em 1990, resultado do impacto do assassinato de Chico Mendes, quando foram criadas as primeiras quatro Resex: Alto Juruá e Chico Mendes no Acre, Cajari no Amapá e Rio Ouro Preto em Rondônia que haviam sido desenhadas em 1988.
Desde então, Pedro participou ativamente da história do CNS e das Reservas Extrativistas em vários cantos do Brasil, como um guerreiro da palavra e da ação, um analista do contexto político, engajado, corajoso, assessor atento aos desafios, perspicaz em relação aos limites e as oportunidades do movimento social. Certamente, sua influência sobre a formação da juventude extrativista, a quem se dirigia muitas vezes, já vem sendo percebida na Escola Agroextrativista do Carvão, no Amapá, e será estrategicamente importante para dar continuidade à força desse movimento social, essencial para a Amazônia e o Brasil.
Ao extrativista e filósofo Pedro Ramos, nosso sincero agradecimento.
*Mary Allegretti é antropóloga e presidente do Instituto de Estudos Amazônicos (IEA)