dos varadouros de Rio Branco
Em uma ação emergencial para amenizar os impactos de uma possível nova crise migratória na tríplice fronteira do Acre com a Bolívia e o Peru, os Ministérios Públicos Federal (MPF) e do Trabalho (MPT), além da Defensoria Pública da União (DPU) enviaram recomendação ao governo do estado para a elaboração, no prazo de 15 dias, de um plano de contingência para acolhimento humanitário de pessoas que entrem no território acreano. A medida é uma precaução ante as consequências de decreto governamental do Peru, que pretende deportar imigrantes a partir do final do mês de outubro.
A principal preocupação é que uma leva de imigrantes venezuelanos que hoje moram no Peru venham para o Brasil. Após o Chile, o Peru é um dos principais destinos dos cidadãos que deixaram a Venezuela nos últimos anos por conta da grave crise econômica que assola o país. No Brasil, a principal porta de entradas é a fronteira com Roraima. Porém, como muitos estão nos países mais ao Sul do continente, eles passam a usar outras fronteiras para entrar no Brasil.
Já há alguns anos centenas de venezuelanos usam a tríplice fronteira MAP (Madre de Dios, Acre e Pando) para adentrar em território brasileiro. Entre eles estão os indígenas Warao. Com a medida adotada por Lima, a perspectiva é que uma nova crise migratória e humanitária se forme na região.
Desde 2010 a fronteira do Acre com o Peru passou a ser uma das principais rotas migratórias na América do Sul. Os primeiros a usar a Rodovia Interoceânica como rota foram os haitianos, que chegaram ao Brasil fugindo dos efeitos devastadores do grande terremoto de 2011. Depois, povos de países africanos e asiáticos também escolheram o caminho. Desde 2019 os venezuelanos integraram o grupo.
Em inquérito civil instaurado de ofício pelo MPF, as instituições estaduais afirmam que não existe, no momento, abrigos e casas de acolhimento institucional no Acre – públicos ou custeados por entidades civis ou religiosas – com capacidade para acomodar migrantes e refugiados, seja em caráter de passagem, seja para fixação de residência no estado.
A recomendação tem como fundamentos os direitos humanos à vida, à igualdade, à saúde, à alimentação, à moradia, à segurança, e à assistência social, previstos na Constituição Federal, em especial nos artigos 5º, 6º, 196 e 203, e também previstos em diversas normas internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Além disso, também são levados em conta a Lei n. 13.445/2017, que define a acolhida humanitária como diretriz da política migratória brasileira, e a Lei n. 13.684/2018, que dispõe as medidas de assistência emergencial para acolhimento das pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária.
Ausência de apoio institucional
O procurador da República Lucas Costa Almeida Dias, que assina a recomendação, afirma que atualmente os migrantes precisam buscar, por conta própria, acomodação para permanecer no estado, especialmente em Rio Branco e nas cidades que fazem fronteira com o Peru e a Bolívia, muitos dos quais são mulheres, idosos, crianças, adolescentes e pessoas enfermas ou com deficiência.
Além do representante do MPF, também assinam a recomendação a defensora pública federal Carla Pedroso de Mendonça e o procurador do Trabalho Igor Sousa Gonçalves.
Entre os pontos que devem constar no plano de contingência, de acordo com a recomendação, estão:
abrigo emergencial, provisório e adequado aos migrantes, com fluxo para transferência de pessoa entre os entes federativos;
atendimento da atenção básica de saúde e da rede de urgência e emergência aos migrantes, com especial atenção para crianças, gestantes e idosos, que inclua o fornecimento de medicamentos e eventuais referências para atendimentos especializados de média e alta complexidade;
alimentos, material de higiene, vestuário e mobiliário (especialmente colchões, camas, geladeiras, fogões e outros eletrodomésticos básicos) adequados às necessidades dessas pessoas;
a inserção das crianças e dos adolescentes em idade escolar na rede pública de ensino básico;
a inclusão dos migrantes e famílias no CadÚnico e seus benefícios;
os repasses financeiros aos municípios fronteiriços, com direcionamento planejado e que considere as peculiaridades da região.
O governador do Acre, Gladson Cameli (PP), tem o prazo de dez dias para informar se acata a recomendação e relatar as ações tomadas para o seu cumprimento ou indicar as razões para o não acatamento. O MPF, o MPT e a DPU alertam que o não acatamento poderá implicar a adoção de medidas judiciais cabíveis, inclusive por eventos futuros que podem ser considerados decorrentes da omissão. (Com a Assessoria MPF/AC)