Como o desmatamento reduz o volume de chuvas, e piora nosso verão amazônico
Fabio Pontes
Dos Varadouros de Rio Branco
Temperaturas extremas. Calor sufocante. Baixa umidade do ar. Muitas regiões do estado – principalmente as rurais – já estão com suas fontes de água secas. Rios e igarapés em níveis críticos de vazante. Eis o resumo dos dias vividos por estas bandas da Amazônia ocidental. O consenso é geral: nosso verão está mais quente e seco. As altas nos termômetros, aliás, são registradas em todo o país. No noticiário, especialistas responsabilizam o fenômeno climático El Niño por este nosso “aquecimento regional”. As águas mais quentes no Pacífico equatorial contribuem para agravar o nosso período seco.
Na região leste do Acre, segundo os mais recentes boletins meteorológicos, as temperaturas estão até cinco graus acima da média para agosto. Na última segunda, 21, a marca foi de 38 graus em Rio Branco. Já na porção mais oeste, para o Vale do Juruá, a elevação é de até três graus.
É interessante observar essa diferença dentro de um estado tão pequeno. Teria isso relação com a presença de floresta em pé? Afinal de contas, o leste acreano – onde está a Bacia do rio Acre – é onde se concentra mais de 70% de toda a área desmatada do estado. Já o oeste detém a maior parte da Amazônia preservada.
Até que ponto a presença de floresta influencia as questões climáticas? É certo que quando se está no interior de uma mata virgem, tomada por árvores e todo tipo de vegetação, as temperaturas são bem mais amenas do que quando se está no meio de um pasto ou no centro de Rio Branco.
Essa é uma comparação muito comum usada pelo ecólogo e cientista ambiental Foster Brown, da Ufac. Em entrevista à TV Varadouro, ele falou sobre essa diferença, além de como o desmatamento da Amazônia impacta na quantidade de chuvas que cai na nossa região. “O desmatamento afeta o clima na escala local, mas tem também o de efeito regional”, diz.
De acordo com Brown, o desmatamento ocorrido na parte mais leste da Amazônia – como Pará, Mato Grosso e Rondônia – interfere na quantidade de chuvas no Acre, sul do Amazonas e na Panamazônia boliviana e peruana. Isso se explica pelo fato de parte das chuvas que caem por aqui é trazida por correntes de ar vindas do oceano Atlântico, a zona de convergência do Atlântico Norte. Além da umidade formada no mar, tais correntes “arrastam” o vapor transpirado pelas florestas localizadas no leste amazônico – onde estão as maiores concentrações de devastação do bioma.
O desmatamento local, reforça o físico Alejandro Fonseca Duarte, coordenador do Grupo de Estudos e Serviços Ambientais da Ufac, é um dos fatores a interferir no volume de chuvas. A explicação é simples: as árvores exercem uma função ecológica chamada evapotranspiração – que nada mais é do que despejar umidade absorvida do solo para a atmosfera, como também “sugar” a umidade do ar.
Em resumo, quanto menos floresta, menos evapotranspiração, o que implica em menos umidade. “A evapotranspiração é importante principalmente para a época de seca. Desmatamento na escala da Amazônia afeta o transporte de vapor de água, e, consequentemente, as chuvas”, afirma Foster Brown.
Pelos ciclos da natureza, agosto e setembro já são os meses mais secos nesta porção sul da Amazônia. Com a perda expressiva de cobertura florestal ao longo das últimas cinco décadas, o nosso verão amazônico passou a ficar mais quente, seco e prolongado.
De acordo com estudos acompanhados por Foster Brown, a estiagem tem se prolongado por pelo menos um mês. As primeiras chuvas do inverno que deveriam começar em outubro, passam a ficar intensas só a partir de novembro. No conhecimento tradicional de nossos caboclos e indígenas, outubro já era definido como o primeiro mês das chuvas. No campo, os agricultores preparavam os roçados no fim de setembro, já à espera das chuvas de outubro. Estes ciclos vêm mudando – o tempo está imprevisível. Há alguma relação com o desmatamento?
“A floresta está relacionada com o ciclo hidrológico. Ela é a responsável por manter estes ciclos das correntes de ar que transportam umidade. Se você desmata, este ciclo diminui, ficamos com menos água, reduz a umidade, prejudicando a função da evapotranspiração exercida pela floresta, que joga menos água para a atmosfera. Menos água na atmosfera, menos chuvas. Vai chover cada vez menos”, explica o físico Alejandro Fonseca. Exemplo disso é a quantidade de chuva observada no Acre até o dia 21 de agosto: 35 mm. A média histórica é de 50 mm. “Faltam menos de 10 dias para terminar o mês. Pelo visto as chuvas ficarão abaixo do esperado.”
E as temperaturas extremas também são resultado de menos floresta em pé? Em partes, sim. Como há menos umidade na atmosfera em forma de nuvens, ensina o pesquisador da Ufac, ocorre uma maior infiltração de raios solares até o solo, aumentando a concentração de energia – ou seja, calor. “Mesmo assim, as madrugadas são frescas porque não há nuvens que retenham esse calor na baixa atmosfera. Então temos altas temperaturas durante as tardes, e madrugadas relativamente frescas”, diz.
De acordo com ele, as temperaturas médias para agosto variam entre 32o e 33o. Todavia, os termômetros têm estado na casa dos 36o ao longo dos últimos dias, chegando a 37 e até 38. Essa atual onda de calor já estava prevista pela ciência ao menos desde o começo do ano, quando os primeiros alertas sobre a formação de um forte El Niño foram emitidos.
O fato é que o clima em todo o globo está conectado. Uma anomalia na temperatura do Pacífico ou do Atlântico causa impactos em nossas vidas no Sul da Amazônia. E se temos menos florestas, o cenário é ainda mais catastrófico.
Por isso o combate ao desmatamento não é uma retórica (ou narrativa, usando a palavra da moda) de ambientalistas – ou uma teoria da conspiração internacional para deixar o Brasil e a Amazônia na pobreza, como rotineiramente ouvimos por aqui. Manter a floresta em pé é essencial para a nossa sobrevivência, para evitar o colapso dos nossos rios, de sermos menos afetados por ondas de calor sufocantes como esta de agosto. Infelizmente, segundo as previsões, o verão mais severo pode perdurar até o fim do ano.
E, infelizmente, não estamos fazendo a nossa tarefa de casa para proteger a mais importante floresta tropical do mundo. Os últimos quatro anos marcam o desastre socioambiental em que o Brasil se meteu com o bolsonarismo. Agora é hora de tentar reparar o dano causado – tomara que tenhamos tempo.