Símbolos de defesa da floresta são atingidos por crise climática do Acre
A sede do STR de Brasileia e casa de Chico Mendes, em Xapuri, ficaram quase encobertas pela grande cheia do rio Acre. Locais são a referência da luta dos seringueiros acreanos contra a transformação de suas moradias (os seringais), em pasto para o boi. Movimento de resistência e relação com crise climática foram lembrados pela ministra Marina Silva.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
As águas barrentas do rio Acre que por muito pouco não encobriram a construção em madeira do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (STTR) de Brasileia, na região central da cidade, revelam a gravidade da crise climática vivida pela população acreana nos últimos anos. Era a segunda vez consecutiva, em menos de um ano, que Brasileia tinha parte de sua infraestrutura urbana tomada pelo manancial. Descendo o curso do rio, em Xapuri, a recém-reinaugurada casinha azul e rosa de Chico Mendes ficou com água acima da janela. E não era a primeira vez que dois dos principais símbolos da luta de resistência dos seringueiros contra a bovinização da Amazônia, entre as décadas de 1970 e 1980, estavam submersos pelas alagações extremas do rio Acre.
Juntas, Xapuri e Brasileia são consideradas o centro da organização política de resistência dos seringueiros acreanos contra a transformação da Amazônia em pasto para o gado. Hoje, os dois municípios concentram as maiores áreas ocupadas pela agropecuária – e estão entre os mais afetados pelos eventos climáticos extremos, sobretudo as inundações. A única área de floresta que sobreviveu na região é, justamente, resultado da luta e do sangue derramado pela resistência seringueira: a Reserva Extrativista Chico Mendes.
Essa história de resistência e sua relação com as mudanças climáticas – provocadas pela alta do desmatamento – foi lembrada pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente), durante sua visita a Brasileia na semana passada. Ela própria é uma das seringueiras que atuavam ao lado de Chico Mendes contra a ofensiva dos “paulistas”.
Durante coletiva de imprensa em Rio Branco na segunda, 4, Marina Silva apontou o desmatamento da Amazônia como uma das razões para a atual crise climática vivida pelo mundo.
“Este é um trabalho [combate ao desmatamento] que eu, particularmente, tenho feito desde que me entendo por gente. Hoje eu fiquei muito emocionada quando a gente passou lá em frente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia, que tem o nome de Wilson Pinheiro. Em 1979 [na verdade 1980] ele foi assassinado para proteger a floresta”, afirmou a ministra, nascida no seringal Bagaço, também às margens do rio Acre, em Rio Branco.
“Desde aquela época que a gente luta para combater o desmatamento , que é uma das causas das mudanças climáticas.” Marina lembrou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve presente no velório de Wilson Pinheiro.
A participação rendeu ao petista e a Chico Mendes o enquadramento na Lei de Segurança Nacional por ele proferir a famosa frase “está chegando a hora da onça beber água”. A declaração foi vista como uma ameaça e uma convocação de vingança contra os latifundiários que chegavam ao Acre, incentivados pela ditadura.
Wilson Pinheiro foi executado em 21 de julho de 1980, quando saia de mais um dia de trabalho na sede do STR. Varadouro também acompanhou de perto toda aquela efervescência social e ambiental vivida pelo Acre invadido pelos jagunços trazidos pelos novos donos de terra (latifundiários) que aqui chegavam. Nas páginas do jornal estão os relatos daqueles idos, denunciando as mazelas sofridas pelos seringueiros – expulsos à bala de suas colocações.
Até hoje a sede do STR Brasileia mantém as características originais. O espaço chegou a funcionar como um memorial de Wilson Pinheiro. As sucessivas inundações do rio Acre, todavia, colocam em risco a sobrevivência da construção. Desde 2012, Brasileia vem sendo afetada por sucessivas inundações extremas que invadem grande parte de sua infraestrutura urbana.
Em 2024, a cheia do rio Acre foi a maior já registrada na história do município: 15,58m. Ela superou em três centímetros a grande cheia de 2015, que ocupava, até então, o topo do ranking das maiores alagações sofridas pela cidade fronteiriça com a Bolívia.
Aliado de Wilson Pinheiro, Chico Mendes foi outra liderança executada por sua luta em defesa da Amazônia, Assim como Wilson, Chico ocupou a função de presidente do STR, neste caso, de Xapuri. Outra semelhança: Chico Mendes foi morto numa tocaia. Ele foi assassinado em 22 de dezembro de 1988 na porta do fundo de sua casa, quando ia tomar banho no banheiro localizado na parte de fora.
O imóvel simples de madeira, nas cores azul e rosa, virou um símbolo de peregrinação do movimento ambientalista do mundo. Entre 2019 e 2022, no governo do bolsonarista Gladson Cameli (PP), o imóvel passou por processo de deterioração.
Desde que assumiu o governo, Cameli deixou de manter a casa de Chico Mendes como um museu. Cameli foi eleito governador, em 2018, em meio a onda bolsonarista que predomina até hoje no Acre, com a bandeira de privilegiar o agronegócio como o motor da economia acreana – levando o Acre a taxas recordes de desmatamento e queimadas. Com a eleição de Lula em 2022, mudou mais o discurso.
Ano passado, em 10 de novembro, após muitas negociações, a casa de Chico Mendes foi reaberta pela Prefeitura de Xapuri. Três meses depois, o imóvel voltou a ficar coberto pelo rio Acre, como já tinha ocorrido em 2015.
E assim, os símbolos físicos de um momento tão conturbado da história da Amazônia vão resistindo aos impactos devastadores de eventos climáticos extremos em nossa região – que já estão quase corriqueiros. Lá atrás, mulheres e homens morreram para garantir seus direitos de permanência na terra e de manutenção dos seus seringais.
A floresta virou pasto. Agora a natureza cobra a fatura. A sede do STR e a casa de Chico Mendes permanecem de pé após a inundação, e nos passam a mensagem de que ainda há esperanças para evitarmos o colapso ambiental (e social) do Acre.
LEIA mais em nossa editoria Mudanças Climáticas