Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho
Pela primeira vez depois de 54 anos da chamada fase de colonização de Rondônia, governo estadual e INCRA assinam um acordo de cooperação técnica com validade por cinco anos visando à regulamentação ambiental em lotes dos projetos de assentamento. A decisão foi anunciada esta semana. No século passado em tempos territoriais, nem mesmo a notável atuação dos ambientalistas José Luztemberger e Paulo Nogueira Neto* fez ver às autoridades esse desafio no futuro amazônico.
O acordo foi assinado na segunda-feira (21) em Porto Velho pelo superintendente estadual do INCRA, Luiz Flávio Carvalho Ribeiro, e pelo titular da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Ambiental, Marco Antonio Ribeiro de Menezes Lagos .
Não se sabe exatamente se o temor à super expansão do agronegócio até nas margens de rios teria sido o real motivo dessa decisão, mas a medida certamente traz algum alento.
Será possível a regularização ambiental dos lotes rurais que compõem os projetos de assentamento da Reforma Agrária, consolidados ou não. INCRA e Sedam irão cadastrar e analisar lotes individuais dos assentamentos já georreferenciados e validar oito mil lotes na vigência desse acordo. Esse georreferenciamento alcançou 49 unidades de conservação e existem dados vetoriais para verificação de sobreposição nas UCs.
A ordem nos anos 1970 era derrubar a metade do lote, e o colono que fosse casado tinha preferência para ser assentado. Isso resultou no efeito bumerangue, ocorrendo o maior índice de derrubadas da cobertura verde rondoniense. Elas coincidiram com o início das atividades do Programa de Desenvolvimento Integrado para o Noroeste do Brasil (Polonoroeste), no que piorou ainda mais a situação.
Criado em 1981 pelo Decreto nº 86029 de 27 de maio, o Polonoroeste tinha como meta principal “maior integração entre as regiões, aumentar a produção e renda da população, além de diminuir as desigualdades entre as regiões.”
Financiado pelo Banco Mundial, o Polonoroeste também serviu para a obtenção de recursos destinados ao asfaltamento da BR-364, rodovia Cuiabá-Porto Velho; proteção ao território indígena e abertura de estradas vicinais (ramais, na linguagem acreana).
A Assessoria de Comunicação do INCRA informou que os 206 projetos de assentamento em Rondônia abrigam atualmente 24 mil 545 famílias. Elas serão beneficiadas por ações conjuntas de alerta em relação ao uso racional dos recursos naturais.
Todas as áreas inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), financiado desde o governo Confúcio Moura pelo banco alemão KfW, que tem como parceiros o Serviço Florestal Brasileiro e o IICA. O KfW e o BNDES têm uma parceria técnica e financeira que remonta à década de 1960.
Antes da pandemia da covid-19, o CAR sofreu a descontinuidade em Rondônia, o que facilitou a busca da redução de desmatamentos.
O superintendente Luís Flávio Ribeiro, ex-prefeito de Machadinho d’Oeste, considerou o acordo com a Sedam “medida imprescindível” diante da urgência na recuperação ambiental dessas áreas. De outro lado, sozinho o instituto não daria conta do desafio, porque lhe falta toda operacional. “Nossa gestão tem dado prioridade às parcerias, tanto na regularização fundiária quanto na ambiental, e elas são surpreendentes”, ele disse.
Ribeiro reconhece e elogia o apoio de algumas instituições com capacidade técnica a contribuir e as menciona: “O Instituto Federal de Rondônia, Secretaria de Estado do Patrimônio e Regularização Fundiária (Sepat), Emater, Tribunal de Contas, Centro de Estudos RioTerra, e agora a Sedam-RO.”
A Sedam não informou a respeito da recuperação de áreas degradadas em Machadinho, uma das regiões de maior exploração madeireira em Rondônia. Na Amazônia Ocidental Brasileira ocorrem altos índices de mortandade de nascentes de rios; sucessivas derrubadas de matas para a extração de toras; formação de pastos e plantio de soja; e onde também há uma imensurável riqueza de plantas que poderiam ser usadas na produção de fitoterápicos.
Em setembro de 2020, a Sedam organizava o plantio de 360 mil mudas que seriam cultivadas em 270 hectares de área degradada e retomada pelo estado em Machadinho, que se situa na divisa de Rondônia com os estados do Amazonas e Mato Grosso, a 298 quilômetros de Porto Velho.
Estimava-se em médio prazo, por exemplo, o resultado desse fomento econômico e ambiental, especialmente à agroindústria farinheira e de polpas de açaí. O plantio incluía excelentes manivas e mudas de açaí.
O ex-secretário da Sedam, Marcílio Leite, alinhava a esse trabalho a outros com o objetivo de obter recursos que recuperariam nascentes de rios em Cacoal, Cerejeiras, Colorado do Oeste e Espigão do Oeste.
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* José Antonio Lutzenberger, nascido em Porto Alegre (1926-2002) foi um agrônomo, escritor, filósofo, paisagista e ambientalista brasileiro que participou ativamente na luta pela preservação ambiental. Seu maior legado é a demonstração da necessidade da adoção de políticas públicas que garantam o desenvolvimento sustentável.
* Paulo Nogueira Neto (1922-2019) foi um brasileiro naturalista, político, pesquisador, professor universitário e memorialista, que teve uma grande influência na legislação ambiental do País. Primeiro a coordenar a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), que deu origem ao Ministério do Meio Ambiente.