“Me parece que essa nossa luta está incomodando alguém”, diz Ângela Mendes
Na semana passada, a estátua de Chico Mendes voltou a ser alvo de ataques na região central de Rio Branco, transformada numa cracolândia. Em 2022, vândalos levaram escultura ao chão; agora, suas mãos foram arrancadas. Para filha do líder seringueiro, muito mais do que ato de vandalismo, ataque pode ser visto como tentativa de se passar mensagem aos herdeiros da luta de Chico.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
O mais novo ataque inescrupuloso ocorrido na última quarta-feira, 15 de janeiro, à estátua do líder seringueiro Chico Mendes, na região central da capital acreana, é a demonstração de uma decadência política e cultural vivida pelo Acre ao longo dos últimos seis anos, desde a (re) consolidação da extrema-direita no poder. Uma extrema-direita que tenta, a todo custo, apagar o legado de Chico e de outras lideranças que lutam pela preservação da Floresta Amazônica e das populações que nela vivem.
O ato de vandalismo foi ainda mais horripilante do que o ocorrido em julho de 2022, quando o monumento foi levado ao chão. Agora, num ato violento, e numa tentativa de passar uma mensagem de intimidação, foram arrancadas as mãos do líder seringueiro.
“É uma violência muito grande. Arrancar as mãos choca. Numa primeira visão, você fica chocado. A gente precisa entender o que está por trás disso. Será que é um vandalismo puro e simples?”, comenta Ângela Mendes, filha do líder seringueiro e presidente do Comitê Chico Mendes. A entidade registrou boletim de ocorrência sobre o fato na Polícia Civil e também pediu investigações ao Ministério Público.
Uma das principais alegações das autoridades é a de que o ataque é promovido por dependentes químicos em situação de rua no centro de Rio Branco. Num evidente processo de decadência, a região central da capital vem se transformando numa espécie de cracolândia. Assaltos e pequenos furtos são recorrentes. O abandono do espaço público pelo governo e prefeitura também agravam a situação. Há uma escancarada falta de policiamento no Centro de Rio Branco.
Localizada de frente para o Palácio Rio Branco, a sede do Poder Executivo, e ao lado da Assembleia Legislativa, a Praça Povos da Floresta sofre com a degradação. Um pouco turístico até pouco tempo atrás, o local deixou de ser frequentado pelo estado de abandono e a violência.
“Eu entendi este ataque como uma espécie de mensagem, um aviso, de que a manutenção da luta de Chico por seus companheiros e companheiras continua incomodando. Então, me parece que essa nossa luta está incomodando alguém. Mas, infelizmente para eles, nós não vamos parar. O Chico deixa um legado muito importante, e o que ele deixa é para a Humanidade. A gente não pode parar de resistir”, afirma Ângela Mendes.
A homenagem original era do líder seringueiro de mãos dadas com seu filho pequeno. A estátua da criança foi roubada e nunca mais recuperada – ou colocada outra no lugar. A escultura também trazia estrutura que reproduzia a fachada da casa do líder seringueiro em Xapuri. A estátua foi feita em fibra de vidro pela artista plástica Cristina Mota, e reproduz o tamanho real de Chico Mendes.
“Eu entendi este ataque como uma espécie de mensagem, um aviso, de que a manutenção da luta de Chico por seus companheiros e companheiras continua incomodando. O Chico deixa um legado muito importante, e o que ele deixa é para a Humanidade. A gente não pode parar de resistir”
Ângela Mendes
“É uma pena que o nosso Acre esteja vivendo novamente esses tempos terríveis. Essa obra foi entregue em meu governo, em 2006, há quase 20 anos, feita pela escultora Cristina Mota. Era um lugar lindo e um dos mais fotografados da nossa cidade, mas agora está entregue ao vandalismo, que foi institucionalizado no Acre com a conivência das autoridades”, escreveu em suas redes sociais o ex-governador Jorge Viana (PT).
Foi durante o seu Governo da Floresta (1999-2006) que o Acre reposicionou a figura e o legado de Chico Mendes como um dos símbolos da identidade local. Certamente o líder seringueiro – ao lado de sua parceira de lutas Marina Silva – está entre os nomes acreanos mais conhecidos no Brasil e no exterior. Todavia, aqui dentro, a velha direita bolsonarista hoje no poder trabalha para desconstruir e desqualificar a imagem de Chico Mendes. Acusam-o de “atrapalhar” o desenvolvimento do Acre, feito às custas da invasão das áreas de floresta para transformá-la em pasto para o gado.
As investigações podem até apontar que o mais recente ataque à estátua de Chico Mendes foi um ato de vandalismo praticado por um dos moradores de nossa cracolândia – que é hoje a região central da cidade. Mas com certeza muita gente vibrou (inclusive as detentoras de cargos públicos) ao ver as mãos de Chico Mendes arrancadas. “Tentam nos calar, arrancam nossas mãos, mas não podem tirar nossa resistência”, escreveu o Comitê Chico Mendes.
O que diz o governo
Em nota, por meio da Fundação Elias Mansour (FEM), o governo informou que a estátua de Chico Mendes passará por uma nova revitalização. A reconstrução será feita por meio do trabalho dos artistas plásticos acreanos Darcy Seles e Luís Carlos Gomes.