LEGADOS DE RESISTÊNCIA

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Cacique e professor, Bené Huni Kuĩ construiu grade curricular com a própria identidade do povo

 

Cacique Bené: um guardião da memória e da cultura Huni Kuĩ (Foto: Ascom Funai)




Liderança-geral da Ti Kaxinawá da Praia do Carapanã, José Benedito Ferreira usou a educação como principal instrumento para manter vivas a cultura e a espiritualidade Huni Kuĩ. Um de seus principais trabalhos era em transmitir para as novas gerações toda a ancestralidade do povo, e era fonte de inspiração para novas lideranças.   




Fabio Pontes 
dos varadouros de Rio Branco 


O povo Huni Kuĩ da Terra Indígena Kaxinawá da Praia do Carapanã, localizada às margens do rio Tarauacá, no município de mesmo nome, realizou, durante a última sexta-feira, 16, as últimas cerimônias pela passagem do cacique-geral Bené Huni Kuĩ. Nos últimos meses, ele estava morando em Rio Branco para tratar de uma lúpus, doença que fragilizou sua saúde e o levou a desenvolver outras complicações, como pneumonia. José Benedito Ferreira lutou pela vida e resistiu enquanto teve forças. 

A resistência, aliás, foi uma de suas principais marcas. Infelizmente o cacique não resistiu, e fez a passagem para o mundo espiritual na quarta, 14. Estava com 50 anos de idade. O corpo foi sepultado na aldeia Água Viva, onde morava. Deixou aqui na Terra a esposa, cinco filhos e dois netos, cuja missão é manter vivo o legado de uma liderança que via na Educação a melhor ferramenta de recuperar e manter acesa a cultura e a ancestralidade Huni Kuĩ. 

Conhecido como professor Bené, teve papel essencial no fortalecimento da educação indígena do Acre. Por mais de 20  anos dedicou-se à sala de aula. Foi um dos primeiros professores indígenas do estado. Além de ensinar, também estava constantemente em busca de novos conhecimentos. Fez o mestrado na Espanha e se preparava para o doutorado. Era um intelectual nascido e criado na floresta. Tinha a verdadeira sabedoria da vida – não só as de teorias e livros. 

Graças ao seu trabalho, o povo Huni Kuĩ – que forma a maioria entre as nossas populações indígenas – desenvolveu e apresentou uma grade curricular de ensino própria, levando em consideração todas as particularidades culturais, espirituais e linguísticas do povo. A proposta foi apresentada ainda em 2018, mas até hoje não foi incorporada pela Secretaria Estadual de Educação. 

Bené virou o cacique da TI Kaxinawá da Praia do Carapanã a partir da transmissão de liderança por parte de seu pai. “O cacique Bené, como sucessor do pai dele, avançou muito na luta de conquista dos direitos não só dos Huni Kuĩ, mas também de todos os povos do Acre. Ele lutava em defesa dos direitos dos povos indígenas de modo geral”, afirma Ninawa Huni Kuĩ, presidente da Federação do Povo Huni Kuĩ do Acre (Fephac), em entrevista ao Varadouro.   

“Enquanto professor, ele via como um todo. Defendia muito o fortalecimento cultural, da espiritualidade, do desenvolvimento econômico dentro dos territórios indígenas a partir da sustentabilidade”, completa Ninawa. Um de seus trabalhos mais recentes era a recuperação de áreas degradadas dentro do território, envolvendo a juventude Huni Kuĩ.  

“O cacique Bené é uma inspiração para o povo Huni Kui, assim como para muitos povos. Ele foi uma das nossas maiores inspirações de lideranças”, afirma Ninawa Huni Kuĩ, ele próprio uma jovem liderança de seu povo. “Na tradição Huni Kuĩ, nós falamos que estas personalidades não morrem, elas se transformam. Vão surgir muitos caciques Bené.”  

Logo após o anúncio de sua passagem, muitas organizações emitiram notas de pesar. “Bené esteve à frente de várias iniciativas para o fortalecimento de conhecimentos e práticas tradicionais, proteção e sustentabilidade ambiental na sua terra indígena, valorizando a formação e o engajamento dos jovens”, declarou a Comissão Pró-Indígenas do Acre (CPI-Acre). 

“O líder e educador indígena deixa um legado de luta que perdurará nas memórias daqueles que tiveram a honra de conhecê-lo. Que o seu legado siga sendo fonte de inspiração para todos que lutam pela defesa dos direitos dos povos indígenas, em especial na luta pela educação escolar indígena de qualidade”, manifestou-se a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 

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