Ainda com as marcas de 2024, Acre se prepara para nova temporada da seca e do fogo

Início do verão amazônico já acende o sinal de alerta para os impactos dos dias mais quentes, sem chuvas e de poluição extrema do ar. O ambiente ainda carrega o “estresse” das grandes estiagens de 2023 e de 2024. O rio Acre está na terceira pior cota de estiagem para junho. Desmatamento em alta preocupa e potencializa efeitos do fogo. Ciência aponta aumento de até 3 graus da temperatura em 20 anos.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
O avanço no acúmulo de dias sem chuvas, o aumento na sensação térmica das temperaturas e a redução no volume dos rios são os sinais de que o verão de 2025 dá as caras por estas bandas da Amazônia ocidental. Para quem viveu e sentiu os impactos da severa estiagem do ano passado – quando a região foi atingida por uma grave crise climática e ambiental – a chegada do novo verão é preocupante – e até atormentador. O fumaceiro que invadiu as cidades acreanas, levando a poluição do ar a níveis extremos de contaminação, ainda está na memória de muitas pessoas. Em outros pontos do estado, a situação ficou ainda mais agravada com a falta de água para as necessidades mais básicas.
Em 2024 o Acre registrou 8.658 focos de queimadas. Na comparação com 2023, houve um acréscimo de 24%. No ápice da contaminação do ar no ano passado (durante os dias de setembro), a concentração de material particulado PM 2.5 chegou a níveis 30 vezes acima do mínimo recomendado pelas autoridades de saúde. Por dias, Rio Branco ocupou o topo no ranking das cidades mais poluídas do mundo.
Além do fogo comum em áreas de roçados e pastagens, mais as áreas recém-desmatadas, o Acre registra elevado aumento de incêndios florestais, consequência direta do prolongamento dos dias mais quentes e sem chuvas, o que leva a floresta a perder a umidade – o chamado estresse hídrico.
A intensificação dos dias quentes e secos coloca em risco não somente a questão da preservação ambiental, mas também compromete a qualidade de vida da população com a poluição ocasionada pelas queimadas, a baixa umidade do ar e as elevadas temperaturas que levam muita gente às unidades de saúde em busca de tratamento médico. Neste começo de junho, Rio Branco enfrenta um surto de doenças respiratórias – situação agravada pela baixa adesão da sociedade à vacinação.
No campo, famílias de produtores são ainda mais impactadas ao ter a perda de seus roçados para o fogo, a falta de chuvas e as temperaturas sufocantes. Em regiões como o Alto Juruá e o Alto Tarauacá, comunidades inteiras ficam isoladas com a vazante crítica dos mananciais. No Alto Acre, incluindo comunidades da Reserva Extrativista Chico Mendes, as fontes de água secam por completo, o que compromete não só a agricultura, mas sobretudo a segurança hídrica da população.
Em Rio Branco, muitas comunidades rurais necessitam de água potável distribuída pela prefeitura em caminhões-pipa para não passar sede. Em 2024, a Defesa Civil antecipou a operação estiagem ainda para as primeiras semanas de junho. Em outros anos, a distribuição de água na zona rural começava entre o fim de julho e o começo de agosto. Também houve a necessidade de ampliar o número de comunidades atendidas.
Para enfrentar os efeitos do verão de 2025 que se avizinha, a Defesa Civil já elabora um plano de ação. Entre as estratégias permanece a distribuição de água potável em carros-pipa. “Nós já trabalhamos para amenizar os efeitos deste verão. Nós temos o plano de contingência para contratar caminhões-pipa para fazer a distribuição de água já no fim deste mês pois já há essa necessidade”, afirma o tenente-coronel Cláudio Falcão, coordenador da Defesa Civil de Rio Branco.

“Nós estamos caminhando para um cenário bem complicado, assim como aconteceu em 2016 e 2024. Um dos pontos que vamos dar atenção é a navegação nas comunidades ribeirinhas. O escoamento da produção fica muito comprometido. Iremos atender as comunidades rurais com ajuda humanitária”, diz.
Segundo ele, a prefeitura trabalha atualmente na elaboração do PMRR: Plano Municipal de Redução de Riscos. Entre as ações previstas, afirma o coordenador, está o plano de contingência para reduzir os efeitos das queimadas urbanas e rurais, além dos efeitos das temperaturas elevadas.
Oscilações extremas
Em 2024, o rio Acre atingiu o menor nível de vazante em 50 anos de aferições; 1,23m em 21 de setembro. Em Brasiléia, ele ficou abaixo dos 70 centímetros. Os mananciais também alcançaram volumes críticos em todo o estado. No Alto Juruá, comunidades ficaram isoladas. Em muitos pontos, era preciso levar as embarcações nas costas para chegar aos locais com condições de navegabilidade.
Segundo dados do Monitoramento Hidrometeorológico, do Centro Integrado De Geoprocessamento E Monitoramento Ambiental (Cigma), o rio Acre media 2,80m na manhã de quarta, 4, na capital. Já em Brasiléia a medição era de 1,311m. A situação é totalmente oposta ao começo de março, quando a capital acreana foi atingida pela terceira alagação consecutiva do rio Acre, que chegou à marca de 15,88m.
De acordo com o coordenador da Defesa Civil, o atual nível na capital é o terceiro pior na série histórica para o mês de junho, perdendo para 2024 e 2016. Vale destacar que estes foram dois anos em que o clima na região amazônica estava sob influência do fenômeno climático El Niño, que reduz o volume de chuvas. Em 2025 não há o registro do El Niño, mas o ambiente ainda é marcado pelo “estresse” ocasionado por duas estiagens muito severas e sequenciadas: 2023 e 2024.
Especialista nos estudos sobre clima e ambiente, o pesquisador Evandro Ferreira do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em seu núcleo na Universidade Federal do Acre (Ufac), diz que as previsões apontam temperaturas acima do esperado até agosto. Já quanto às chuvas, as análises indicam que elas ficarão dentro da normalidade também até agosto, “embora tenhamos um déficit de chuva desde o ano passado”.
“O que está me preocupando é o desmatamento no Acre. O Acre está na contramão, e tudo indica que, em 2025, teremos a maior taxa de desmatamento no em muitos anos, porque agora, a partir de maio-junho, começam as derrubadas”, aponta o cientista. Evandro Ferreira indica os dados levantados pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

No primeiro trimestre de 2025, o estado registrou uma área de 17 km2 de floresta desmatada. Em igual período do ano passado foram 6 km2. Já quando se analisa o chamado calendário do desmatamento (de agosto a março), o incremento de floresta derrubada em território acreano foi de 38% quando se compara os dois últimos anos.
Em seu Relatório Anual de Desmatamento (RAD 2024), o Mapbiomas aponta redução na área de floresta devastada na maior parte dos estados da Amazônia Legal, exceto Acre. Por aqui, houve aumento de 30% de floresta derrubada ao longo do ano passado. Apesar disso, a região conhecida como Amacro – composta por Amazonas, Acre e Rondônia – registrou queda no desmatamento pelo segundo ano consecutivo; diminuição de 13% na comparação com 2023.
Toda essa área de floresta levada ao chão nos últimos meses tende a ser queimada agora a partir de julho, quando se inicia a temporada do fogo. Ou seja, caso as autoridades sejam omissas ou ineficientes como aconteceu em 2024, a tendência é a de uma nova crise das queimadas e da poluição extrema do ar.
E esse aumento da devastação do bioma amazônico pode estar contribuindo diretamente para agravar o comportamento do clima em nossa região, sobretudo no período da seca. Uma temporada que, como podemos observar na pele, passou a ser rígida e prolongada.
Se noutros tempos (como diziam os mais antigos) já era possível preparar a terra em setembro para receber as chuvas de outubro – o começo do inverno – agora ainda sentimos os efeitos da estiagem se estender até meados de novembro, no que se carateriza como o novo normal do clima na região amazônica.
Este novo normal na dinâmica do clima está não apenas perceptível, mas também comprovado pela ciência. É como mostrou o mais recente relatório de alerta sobre os impactos do verão 2025,elaborado pelo grupo trinacional MAP, que reúne cientistas da fronteira Brasil, Bolívia e Peru.
Um futuro ainda mais quente

A temperatura média anual na tríplice fronteira pan-amazônica aumentou 1.8 graus Celsius entre 1990 e 2024. Na prática, a população acreana é afetada com dias muito mais quentes e secos do que no passado. Essa elevação dos termômetros aconteceu em paralelo com o aumento do desmatamento da Floresta Amazônica.
Quando se analisam os modelos meteorológicos para as próximas décadas, a situação é ainda mais assustadora. “Em 34 anos nós tivemos um aumento de temperatura de 1,8 graus. Dentro de uma ou duas décadas, portanto em menos de 30 anos, está previsto para este aumento ser de três graus. Este foi o modelo mais ou menos conservador que identificamos”, afirma o ecólogo Irving Foster Brown, da Ufac.
Para o cientista, uma das principais perguntas para enfrentar este cenário é: “Quais são as políticas públicas para se enfrentar isso no futuro? A sociedade tem que dizer: se já temos um problema, vai piorar nas próximas duas décadas. Mesmo se a gente mudar tudo agora, vai levar um bom tempo para ter mudanças. A tendência no momento é acelerar [a crise climática].
Em outras palavras, a tendência é de a população acreana ser impactada por estiagens e alagações mais intensas ao longo dos próximos anos – e num futuro nada distante. “Não adianta você ter carro-pipa se você não tem água para colocar no carro-pipa. Este é um cenário crítico para as áreas rurais”, afirma Foster Brown.
Mesmo zerando o desmatamento das florestas tropicais, aponta o ecólogo da Ufac, os níveis de emissão dos gases do efeito estufa vão continuar por poluidores como a indústria e a queima de combustíveis fósseis – que respondem por 80% das emissões de dióxido de carbono na atmosfera.
Para o cientista, apenas políticas públicas eficazes de planejamento podem amenizar os impactos deste cenário climático catastrófico. E aqui não se trata de alarmismo, de opiniões vazias. São análises científicas feitas a partir do que vivemos no passado, no agora e num futuro logo ali se sociedade e governos ficarem de braços cruzados.
