PEDINDO SOCORRO

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Isolado e esquecido, Karipuna não suportam mais a invasão de grileiros e madeireiros

Área Sul, onde já existe antigo desmatamento, é a mais cobiçada. Roubo de madeira e formação de pastagem ameaçam um dos mais tradicionais povos indígenas de Rondônia (Foto Survival)



Mudança de governo no plano federal não alterou a realidade de abandono e esquecimento a um dos povos indígenas da Amazônia mais pressionados pelas invasões ao seu território. Roubo de madeira e grilagem ameaçam a vida dos Karipuna. Eles dividem a terra indígena com os parentes isolados, também vulneráveis às investidas dos criminosos ambientais.

Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho



André Karipuna, 31 anos, não perdeu a esperança, mas o avanço da grilagem sobre o território de seu povo vem cansando cada vez mais. A Terra Indígena Karipuna, localizada nos municípios de Porto Velho e Nova Mamoré, fica no centro de uma das regiões de Rondônia mais pressionadas pela expansão agropecuária. O roubo de madeira nobre acontece à luz do dia, com seguidas ameaças e queima de áreas para pastagem. “Estamos impactados já faz nove anos, sofrendo ameaças todo dia; isso é ruim para crianças, mulheres e nós todos”, diz a jovem liderança indígena, em entrevista ao Varadouro.

“O que nos machuca muito é não ter o mínimo diálogo, não conseguimos nos aproximar dessa gente para fazer ver que a terra sempre foi nossa; a gente tinha muita esperança que o novo governo apresentasse política indígena favorável também ao povo Karipuna”, afirma. Essa esperança não está de todo perdida: “Eu mesmo acho que futuramente tudo se resolva, mas é preciso agir agora, porque a invasão não começou hoje.”

Se agentes da Polícia Federal, Ministério Púbico Federal e órgãos ambientais acamparem na Terra Indígena Karipuna colherão flagrantes semanais. Nesta terça-feira, 12, por exemplo, conforme a assessoria de comunicação da PF em Rondônia, o órgão iniciou a Operação Limítrofe, com objetivo de desarticular um grupo de falsificadores de documentos públicos para dar aparente legalidade à madeira extraída ilegalmente em regiões dos municípios de Alto Floresta d’Oeste (Zona da Mata), e nos distritos de Vista Alegre do Abunã, Extrema e Nova Califórnia, em Porto Velho.

Na operação, a PF cumpriu 12 mandados de busca e apreensão. Ainda conforme a polícia, houve também determinação judicial para o sequestro/bloqueio de R$ 51,26 milhões do grupo investigado. Durante as investigações verificou-se a falsificação de diversas autorizações de extração que teriam beneficiado diversos envolvidos, entre pessoas físicas e jurídicas.

Estes distritos estão localizados bem no coração da tríplice divisa Amacro: Amazonas, Acre e Rondônia, que é o novo celeiro de crimes ambientais na Amazônia, desde 2019. A TI Karipuna também está na zona de influência criminosa da Amacro.

A ação simultânea, em cinco diferentes regiões de Rondônia, contou com a participação de 44 agentes e resultou na apreensão de um veículo e uma arma no Distrito de Nova Califórnia. As investigações acontecem desde 2019, após denúncia anônima dando conta da ação de madeireiros na Terra Indígena Kaxarari – esta, assaltada há mais de 30 anos. Extraíram ilegalmente pedras de sua reserva.

Por ser uma das poucas áreas em Porto Velho com bastante floresta preservada, o território do povo Karipuna é cobiçado pela indústria madeireira. Os quatro anos de governo Bolsonaro (PL) foram os mais devastadores para o território. As omissões do governo federal e estadual fomentaram as invasões a terras indígenas e unidades de conservação em Rondônia.

Roubo constante

Em maio do no passado, a TI Karipuna foi alvo de operação conjunta realizada entre PF, IBama e Funai para desarticular o esquema criminoso de roubo de madeira e grilagem de terras dentro do território. Quase um ano depois, pouco ou quase nada mudou em termos de pressões e ameaças sofridas pelos Karipuna.

Em 2008, com base em relatórios da PF, o falecido bispo da Diocese de Guajará-Mirim, dom Geraldo Verdier, estimava em mais de 30 mil metros cúbicos de madeira extraída ilegalmente, possivelmente esse volume tenha dobrado. “Eles estão aí derrubando árvores e carregando toras”, contou André.

Até o ano 2000 haviam sido desmatados 342 hectares. Nos primeiros meses de 2017, conforme denúncia do líder Adriano Karipuna à Organização das Nações Unidas, em apenas oito meses derrubaram 1.045 hectares.

Derrubadas ilegais atualmente em Rondônia são “esquentadas” com documentos falsificados, um problema a mais para a investigação da PF e do Ministério Público Federal (Foto Survival)

A TI Karipuna, considerada por analistas da problemática indígena na Amazônia a mais desmatada no país, é acessada pelo Km 101 da BR-364 no sentido Porto Velho-Abunã, e a comunidade mais afetada pela grilagem está a 35 quilômetros do Distrito de União Bandeirantes.

A sobrevivência limita-se a apenas uma aldeia, a Panorama, próxima aos rios Formoso e Jaci-Paraná. A demarcação pela Funai aconteceu em 1997 e homologada em 1998, embora as reivindicações tenham sido bem mais antigas, datando dos anos 1970, quando lá esteve o falecido sertanista Benamour Brandão Fontes.

São 152.930 hectares de terras – 40 mil ha a menos do que a proposta inicial, área no lado sul, que foi homologada por acordo entre a Funai, o governo estadual e o Incra.

Esse povo já foi quase dizimado nos derradeiros 40 anos, e as famílias resistentes são poucas diante da força grileira. Sobreviventes do contato, seus descendentes lutam com dificuldade até para pedir ao governo o remanejamento dos invasores.

O avanço das áreas de pasto rumo às famílias indígenas é preocupante. Segundo André, o lamentável entre seu povo é “a falta de ação governamental.” “São denúncias em cima de denúncias, e o sofrimento só aumenta, porque sentimos que estamos sendo deixados de lado pelo Estado Brasileiro.”

A T.I. Karipuna faz divisa com a Resex Jaci-Paraná, uma das dez Unidades de Conservação mais desmatadas do país. A UC estadual já foi alvo de projeto de lei da grande bancada ruralista da Assembleia Legislativa de Rondônia para praticamente extingui-la. Sancionada pelo governador Marcos Rocha (União Brasil), a legislação foi considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado.

André Karipuna: mudança de governo em Brasília teve pouca ou nenhum alteração da realidade para seu povo que vê a riqueza florestal indo embora (Foto: Alexandre Cruz Noronha-Amazônia Real)

“É muito triste ver o governo comemorando o aumento dos rebanhos de bois, enquanto nossas famílias estão aqui, encurradalas, sem perspetivas de enfrentar essa invasão como poderíamos fazer”, lamenta o líder Karipuna.

Ele destaca o fato de seu povo ser minoria dentro de um dos maiores municípios brasileiros. Porto Velho possui área de 34 mil Km², onde cabem, individualmente, as extensões dos estados de Alagoas e Sergipe, e até de países europeus, a exemplo da Bélgica.

“Eu chamo a atenção e peço com respeito às pessoas, às autoridades, para que releiem relatórios e conheçam a história socioambiental de Rondônia”, apela André Karipuna.

O Survival Brasil, organização não-governamental, classifica a T.I. Karipuna a mais visada entre as 69 terras indígenas no entorno das rodovias que dão acesso à região, viajando pelas BRs-319 (Manaus-Porto Velho) e 364 (Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco-Cruzeiro do Sul).

Paralelamente, os Karipuna convivem com outra situação delicada: com baixa imunidade a doenças, eles vêm recebendo e apoiando indígenas isolados que também “não têm para onde correr.” O Observatório dos Povos Indígenas Isolados comenta: “A presença de indígenas nessas condições em território Karipuna ocorre historicamente na porção sul, que vem sendo afetada pelas invasões.”

Em 2017, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) constatou irregularidades durante o aumento das invasões. A Funai, por exemplo, desocupou um posto de fiscalização na entrada da T.I, que fora aberto com recursos de compensação ambiental da obra da Usina Hidrelétrica Santo Antônio, em Porto Velho.

Roubaram o gerador de energia elétrica, a unidade foi incendiada e as placas arrancadas.

E dá-lhe roubo de madeira!

E assim o Povo Karipuna continua com sua resistência – isolado e sem o apoio do Estado Brasileiro.


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