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COP-29: Em crise climática e afrouxamento da legislação, Acre participa da Conferência do Clima

Em 2024, Acre enfrentou período crítico ocasionado pela intensificação das mudanças climáticas, agravado pela ação e omissões humanas (Foto Samuel Moura – Secom)


Em 2024, Acre foi seriamente impactado pela intensificação dos eventos climáticos extremos. De uma grande cheia no começo do ano a uma seca severa até dias atrás, população ainda precisou inalar, por semanas, a fumaça tóxica das queimadas e incêndios florestais. Em meio a crise, Estado fez aprovar conjunto de leis consideradas como grave retrocesso por lideranças.


dos varadouros de Rio Branco

Em agosto de 2024, com a anuência e omissão do governo do estado, a Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) aprovou um conjunto de novas leis ambientais que têm gerado discussões sobre suas consequências para a política de licenciamento, compensação e regularização fundiária no estado. As mudanças incluem o licenciamento tácito para atividades de baixo impacto, a unificação de diretrizes sobre compensação e reposição florestal e a possibilidade de concessão de títulos de propriedade em Unidades de Conservação (UCs), gerando preocupações sobre o equilíbrio entre desenvolvimento e conservação.

A 29o edição da Conferência do Clima da ONU começou ontem, 11, na cidade de Baku, no Azerbaijão. Apesar de dias atrás ter anunciado que participaria do evento, o governador Gladson Cameli (PP) deixou de ir. Réu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por crimes de corrupção, Cameli cumpre medidas cautelares impostas pela ministra relatora de seu processo, Nancy Andrighi.

Entre elas está a retenção do passaporte, medida esta pedida pela Polícia Federal para evitar uma possível tentativa de fuga do governador. Para cumprir agendas no exterior, mesmo como chefe do Executivo, Cameli precisa pedir autorização à ministra. A vice-governadora, Mailza Assis (PP), foi convocada de última hora para representar o Acre no evento, além da comitiva oficial composta por servidores do governo.

O Acre chega à Conferência do Clima do Azerbaijão enfrentando um 2024 crítico nos impactos da crise climática. Após ser atingido por uma grande alagação no começo do ano, a partir de junho uma seca extrema levou os mananciais a volumes críticos de vazante, queimadas e incêndios florestais fora de controle. A população acreana conviveu, por mais de um mês, com a poluição extrema do ar. Entre agosto e setembro, conforme o Imazon, o Acre voltou a registrar crescimento nas taxas de desmatamento da Floresta Amazônica.

Enquanto isso, Aleac e Palácio Rio Branco fizeram passar um chamado “pacote de maldades” que enfraquece o arcabouço estadual de proteção ambiental.

As leis nº 4.395, 4.396 e 4.397, sancionadas em 19 de agosto de 2024, e que passam a valer a partir do próximo mês, introduzem o conceito de licenciamento tácito, que aprova automaticamente atividades de baixo impacto após o período de análise pelo órgão ambiental. Essa medida visa agilizar processos, mas também levanta dúvidas sobre a fiscalização e o controle de atividades licenciadas, especialmente no contexto da pressão por expansão agropecuária e exploração de recursos na Amazônia.

A Lei nº 4.395 altera as regras para compensação e reposição florestal, misturando os conceitos de compensação, que busca equilibrar impactos ambientais, e reposição, que mitiga a retirada de vegetação nativa. A unificação desses conceitos tem o potencial de enfraquecer a restauração e a conservação de áreas naturais e permite o uso de espécies exóticas, com efeitos adversos sobre o bioma local.

Já a Lei nº 4.396, que possibilita a regularização fundiária em áreas de UCs, é especialmente controversa. A concessão de títulos de prioridade aos moradores dessas áreas facilita a privatização de territórios de conservação, colocando em risco a biodiversidade. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), as mudanças violam a Constituição e representam um retrocesso ambiental, ao permitir que áreas protegidas possam se tornar propriedades privadas após dez anos.

O MPF/AC pediu à A Procuradoria-Geral da República (PGR) a apresentação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anular a validade das duas leis aprovadas pela Aleac e sancionadas pelo próprio Parlamento, por meio do então presidente interino da Casa, deputado Pedro Longo (PDT)), presidente da Comissão de Meio Ambiente.

Créditos de carbono e falta de consulta aos povos indígenas

Além das mudanças nas leis ambientais, o governo do Acre está buscando se habilitar para negociar créditos de carbono junto a certificadora internacional ART TREES, por meio do projeto de REDD+ Jurisdicional, sem respeitar as salvaguardas necessárias e sem garantir a participação, a transparência e o diálogo direto com os povos indígenas em seus territórios.

A Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj) denuncia a falta de participação dos povos indígenas no processo, que, segundo a organização, viola o direito de consulta prévia, livre e informada, conforme estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Francisco Piyãko, coordenador da Opirj e liderança do povo Ashaninka, critica duramente o governo por buscar uma certificação de sustentabilidade sem dialogar com as comunidades afetadas. “A certificadora ART TREES tem protocolos que o governo sequer cumpre. Nem o estado, que busca obter o certificado de excelência ambiental, nem a própria certificadora estão respeitando o direito dos povos indígenas à consulta”, afirma. Piyãko argumenta que a falta de consulta é parte de uma estratégia para avançar com interesses privados, sob a aparência de uma política ambientalista.

Para a liderança Ashaninka Francisco Piyãko, REDD jurisdicional do Acre viola direitos das populações indígenas ao não cumprir princípio da consulta prévia (Foto: Divulgação)



Contradições e a imagem do Acre na COP 29

Essas ações contrastam com a imagem que o governo do Acre pretende apresentar na COP 29, no Azerbaijão, onde autoridades estaduais esperam promover o Acre como referência ambiental. O governo estadual planeja apresentar projetos que “reforçam a proteção das florestas”, mas críticos apontam que, internamente, as práticas do governo não condizem com o discurso de sustentabilidade.

Em um cenário de aumento dos incêndios florestais e ausência de fiscalização e enfrentamento efetivos, o governo do Acre lançou, em outubro, uma campanha publicitária com os dizeres “ela só ia limpar o quintal…”, na qual uma mulher é apontada como responsável pelo alastramento das queimadas.

Essa campanha gerou uma onda de repúdio e nota de indignação do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher e da Conexão Cipó, uma rede de nove organizações indígenas e socioambientalistas que atuam no estado. “O governo tem criado uma falsa imagem ambientalista, promovendo o Acre como um modelo de sustentabilidade para atrair investimentos, enquanto internamente desmonta políticas públicas de proteção ao território e ignora completamente a autonomia dos povos indígenas”, declara Piyãko.

Batelão encalhado no rio Juruá: seca extrema levou mananciais acreanos a volumes críticos de vazante, deixando cidades e comunidades isoladas (Foto: Juan Diaz)

Enquanto flexibiliza normas ambientais e negocia créditos de carbono sem consultas devidas, o governo do Acre enfrenta uma crescente oposição de lideranças indígenas e entidades de preservação.

“Essa postura mostra que o Governo do Acre trabalha em dois lados: uma voltada para a autopromoção ambientalista e outra que desmonta políticas de proteção territorial. Estamos lidando com um governo que quer explorar o carbono dos nossos territórios sem qualquer consulta genuína com nossos povos. Essa mensagem precisa ficar clara: o que temos são duas faces de uma gestão que diz proteger o meio ambiente, mas que age contra os direitos e o futuro dos povos indígenas”, finaliza o coordenador da Opirj.

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