HERANÇAS MINERAIS

Compartilhe

Exploração de Petróleo na Foz do Amazonas: existe um caminho do meio?

Lula com os senadores Randolfe Rodrigues e Davi Alcolumbre, durante agenda em Macapá; pressões políticas pela exploração de petróleo na Foz do Amazonas (Foto: Ricardo Stuckert / PR)




dos varadouros de Macapá

Em seu mais novo artigo escrito para Varadouro, o professor da Universidade Federal do Amapá (Unifap) Marco Antonio Chagas, faz uma análise sobre as mais recentes movimentações políticas nacionais pelas pressões para que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) conceda a licença ambiental para a exploração de petróleo e gás na Foz do Rio Amazonas. Em fevereiro, o presidente Lula (PT) fez uma série de críticas sobre a possível morosidade do processo de licenciamento.

As críticas, obviamente, são corroboradas pela classe política amapaense, que vendem= a tese da exploração petrolífera na costa do estado como uma das soluções para o “desenvolvimento” econômico da região – isso para um estado que já teve uma experiência fracassada na exploração mineral, a Serra do Navio.

Neste artigo, Marco Antônio faz uma análise sobre os processos de licenciamento ambiental pelo Ibama, relembra as consequências da extração de manganês no Amapá décadas atrás, além dos prometidos benefícios econômicos e sociais advindos dos royalties da exploração do petróleo na Foz do Rio Amazonas.


Leia:


Este artigo se arrisca no campo das conjecturas e conhecimentos rivais relacionados a um conjunto de fatos noticiados pela mídia que dão conta da emissão da licença ambiental para exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas – pelo Presidente Lula e não pelo Ibama – e da consequente insegurança política gerada nas instituições de meio ambiente do Governo Federal.

A exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas tem colocado ambientalistas e desenvolvimentistas em lados antagônicos e até certo ponto na beira da intolerância. De um lado, ambientalistas que argumentam em favor da natureza e dos riscos ambientais associados à atividade extrativa. De outro lado estão os desenvolvimentistas, que acreditam que as rendas da exploração do petróleo diminuirão a pobreza regional, sobretudo dos estados amazônicos confrontantes aos possíveis campos de produção offshore.

É possível um caminho do meio, como defendem os teóricos da sustentabilidade?

Os ambientalistas são representados por integrantes das instituições de meio ambiente, das universidades, de organizações não governamentais e por um segmento difuso da sociedade preocupada com o aquecimento global, com o aumento de emissões de CO2 e com a vulnerabilidade socioambiental regional – presença de áreas protegidas, comunidades ribeirinhas, pescadores e indígenas.

Neste grupo destacam-se os técnicos do Ibama, possivelmente os únicos a analisarem o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) elaborado há mais de uma década, ainda sob os auspícios da BP Energy do Brasil e que, em meu entendimento, já caducou pela intensidade da dinâmica ambiental e social amazônica. Portanto, considero que o EIA, apesar de reconhecer seu papel vinculante ao processo de licenciamento ambiental em curso, é um instrumento frágil para decidir sobre um licenciamento ambiental desta natureza.

Por exemplo, o Estudo Ambiental de Abrangência Regional do EIA da Perfuração Marítima do Bloco FZA-M-59, localizado na Foz do Amazonas, instruído pelo Ibama por um Termo de Referência emitido em 2014, me parece uma equivocada interpretação do Artigo 19 da Portaria MMA nº 422/2011 para se adequar a uma escala regional e, deste modo, ser aproveitado em outros processos de licenciamento ambiental de blocos contíguos.

Este procedimento acabou passando por cima de muitas questões que um EIA deveria evidenciar com dados primários, com desdobramento que ora se torna problemático, como os impactos relacionados à criação de expectativas na população da área de influência direta e à diminuição dos estoques pesqueiros, somente para citar dois impactos ambientais significativos. O primeiro impacto exemplificado já é uma realidade na área de influência direta.

Quais medidas de mitigação estão sendo adotadas?

O despacho de 2023 do presidente do IBAMA destaca que a ausência de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), que no caso do licenciamento de atividades de exploração e produção de petróleo é tipificado como Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), “dificulta a manifestação a respeito da viabilidade ambiental da atividade, considerando que não foram realizados estudos que avaliassem a aptidão das áreas, bem como a adequabilidade da região, de notória sensibilidade socioambiental, para a instalação da cadeia produtiva do petróleo”.

O presidente do Ibama tem razão. Mas, por que o governo federal ainda não regulamentou a AAE? Por que o governo não se movimentou nesses 10 anos para a elaboração da AAAS para a Margem Equatorial?

O Plano de Proteção à Fauna do EIA acabou por se tornar o mais importante condicionante prévio do licenciamento ambiental. Muito pouco para um processo de licenciamento ambiental que já teve recomendação de arquivamento pelo alto risco ambiental da atividade e, sobretudo, pelo comprometimento das metas climáticas do Brasil em relação ao Acordo de Paris, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas. Mas, penso que tudo isso pode ser creditado como aprendizado para o licenciamento ambiental da fase de produção de petróleo.

No lado dos defensores ferrenhos da exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas estão os desenvolvimentistas, formados por representantes políticos, pela empresa Petrobrás e pela maioria da população da região que acredita na fantasmagórica modernidade e nos benefícios que a atividade pode proporcionar, principalmente na geração de riqueza.

Perdoe-me a inquietação professoral, mas tenho que explicar que a palavra “desenvolvimento” se firmou na literatura clássica em 1949, quando o então presidente dos Estados Unidos, Harry S. Truman, exaltou o modelo de progresso capitalista norte-americano (moderno) em detrimento dos subdesenvolvidos (atrasados, selvagens). O jargão logo se tornou palavra fácil em discursos políticos, usada para quase todos os tipos de promessas, que mais tarde se demonstram pura ilusão.

O navio de produção FPSO P-34, da Petrobras; os riscos e os impactos da exploração de petróleo na costa da Amazônia (Foto: Roberto Rosa]



O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, é o maior produtor de petróleo do Brasil. Nem por isso o Rio de Janeiro pode ser considerado um exemplo de desenvolvimento. É um dos estados mais desiguais do Brasil e onde a criminalidade controla territórios.

Segundo dados do Atlas da Violência do IPEA 2024, “no Norte-fluminense, o aumento da renda das cidades beneficiadas com os royalties do petróleo da Bacia de Campos também trouxe o aumento da violência nessa região”. Todos os governadores eleitos do Rio de Janeiro nos últimos 20 anos foram ou estão presos.

A promessa de desenvolvimento pelas rendas da produção do petróleo é ilusão ou mito, como nos ensina Celso Furtado, o mais brilhante economista brasileiro. Muito mais ilusório é o discurso da geração de emprego pela cadeia do petróleo, altamente especializada e com empregos diretos somente acessados por concurso público, – no caso da Petrobrás, uma das empresas brasileiras que melhor remunera acionistas e investidores.

Os indiretos, ainda desconhecidos ou de estimativas fictícias, serão preenchidos por mão de obra já formada que migrará para a região produtora, com exceção daquelas poucas categorias que norteiam o trabalho braçal e mal remunerado. A migração em massa sempre desestrutura territórios.

É possível um caminho do meio? A literatura menciona a Noruega como exemplo de sustentabilidade pelos benefícios da renda da produção de petróleo. Sim, é um caso a ser estudado, principalmente quanto à taxação do lucro e destinação dos royalties.

Mas nunca será um modelo comparativo para o Brasil, muito menos para a Amazônia, região de pluriversos sociais, culturais e ambientais. Seria insensato pensar na homogeneização de territórios amazônicos pela reprodução de modelos europeus de exploração de commodities.

O estado do Amapá é o único da Amazônia a ter um ciclo completo (boom e colapso) de exploração mineral. Os ambientalistas citam que a exploração só deixou mazelas sociais e externalidades ambientais. Os desenvolvimentistas sentem saudade e acreditam que o Amapá foi beneficiado pela exploração das minas de manganês de Serra do Navio.

A obra de Álvaro da Cunha, “Quem explorou quem no contrato do manganês do Amapá”, publicada em 1962, é uma referência crítica sobre como o grande projeto intensivo de capital opera em contratos abusivos em favor de uma das partes – a Empresa Privada.

Deixo aqui algum alento pós-licenciamento ambiental “discricionário” da exploração do petróleo na Foz do Amazonas, não para superar a ilusão do desenvolvimento, muito menos para defender a sustentabilidade da atividade. É tão somente uma forma de amenizar a tristeza profunda que toma conta de minhas utopias em relação a uma Amazônia libertária e emancipatória ao capitalismo de mercado.

Aos governos: 1) rever a distribuição dos royalties da produção de petróleo, tornando-a mais justa com a região produtora e vinculando a cota federal a investimentos em cuidados com a natureza na Amazônia; 2) taxar o lucro aferido pela produção com base na oscilação do preço do petróleo; 3) democratizar e pactuar a aplicação dos royalties, considerando indicadores críticos da região.

À Petrobrás: 1) antecipar o estudo sobre a cadeia produtiva de petróleo e gás e os detalhamentos dos segmentos de serviços diretos e indiretos aplicados à exploração e principalmente à produção de petróleo; 2) criar no Amapá uma fundação socioambiental com foco em parcerias na gestão das áreas protegidas da Amazônia (infraestrutura e ecoturismo) – o petróleo acaba e o ecoturismo pode amenizar o colapso; 3) por fim e não menos importante, corrigir no site da empresa a sigla do Amapá, que consta como “AM”.




Fonte: Portal Petrobras

Logomarca

Deixe seu comentário

VEJA MAIS

banner-728x90-anuncie