GRILAGEM: A INVESTIGAÇÃO AGORA É FEDERAL

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MPF tira da esfera estadual “investigação tartaruga” de assassinatos de líderes rurais em Rondônia

Camponeses das áreas Tiago dos Santos, Ademar Ferreira e 2 Amigos se manifestam em 2021 (Foto: Jornal Resistência Camponesa)




Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho


Quatro anos depois das “porteiras abertas”, da desmoralização do Incra, Ibama e ICMBio, e da presença da Força Nacional expulsando famílias em Rondônia, nuvens claras e democráticas surgem no horizonte. O Ministério Público Federal (MPF) começa a chamar para si a investigação eficaz e o indiciamento de mandantes dos assassinatos de líderes camponeses no estado. Com o bolsonarismo isso seria impossível. A busca da garantia de investigação mais eficiente para que ilícitos sejam esclarecidos e seus eventuais autores julgados e punidos levou o órgão a “federalizar” crimes praticados no campo.

E por qual razão? – Mesmo considerada exceção no mundo jurídico, essa medida lidará com a impotência de autoridades locais para lidar com a situação e a impunidade seria iminente. A ação é fundamentada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a pedido da Procuradoria Geral da República. E assim, a “federalização” irá apurar detalhadamente a matança de líderes que denunciaram e deram a vida na luta contra a grilagem de terras e exploração ilegal de madeira nas regiões de Jaru, Ariquemes, e do chamado “Cone Sul” de Rondônia.

Atualmente, Rondônia é o segundo estado com o maior número de mortes em consequência de conflitos agrários; perde apenas para o Pará. Entre 2015 e 2016, o estado ficou no topo do ranking, contribuindo para a liderança mundial do Brasil em mortes no campo.

A reação do MPF às mazelas fundiárias em Rondônia, que se diz “do agronegócio”, parece merecer o aval do governo federal. Devagarinho e pisando igual macaco em loja de louças, o governo Lula está diante do conservadorismo do eleitorado que elegeu Jair Bolsonaro em 2018, votou nele de novo em 2022, e cegamente ainda o venera.

Mesmo tendo criado uma Ouvidoria Agrária inicialmente atuante, desde o seu governo anterior [2003-2010] o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não solucionou o drama das indenizações das vítimas da Chacina de Corumbiara, ocorrida em agosto de 1995.

Seis inquéritos que apuram crimes de homicídio praticados contra líderes de trabalhadores rurais e outras pessoas que denunciaram grilagem passarão às mãos de procuradores da República. Até então eles corriam numa vagareza de fazer dó e de autoridades coniventes com o latifúndio.

“A atuação dos órgãos policiais e judiciários da União pode prevenir a responsabilização do Brasil nas cortes internacionais”, lembrou o MPF em nota.

Durante o governo Bolsonaro, a Polícia Militar de Rondônia, da qual fez parte o governador coronel Marcos Rocha (União), vergou-se à intervenção da Força Nacional e, ao mesmo tempo, viu alguns de seus integrantes serem condenados pela Justiça, em Vilhena (a 705 km de Porto Velho), por servirem descaradamente a latifundiários.

Segundo o MPF, a decisão de “federalizar” a apuração das mortes foi tomada pelo STJ na quarta-feira, 23 de agosto, ao acolher pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) feito em setembro de 2019 pelo documento chamado Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) 22.



Vítimas do latifúndio e de madeireiros

Os inquéritos “federalizados” se referem às mortes do professor Renato Nathan Gonçalves, Gilson Gonçalves, Élcio Machado, Dinhana Nink, Gilberto Tiago Brandão, Isaque Dias Ferreira, Edilene Mateus Porto e Daniel Roberto Stivanin.

Em sua maioria, as vítimas faziam parte de movimentos em prol dos trabalhadores rurais e camponeses. A recordista em líderes assassinados no estado é a Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia (LCP) e Amazônia Ocidental, que desde o início dos anos 2000 perdeu pelo menos dez pessoas seviciadas, sequestradas e mortas por jagunços em emboscadas.

A transferência das investigações para o âmbito federal possibilitará esclarecer crimes resultantes de extrema violência e prática de tortura, a consequência maior do grave conflito agrário instalado neste estado amazônico.

Para o MPF, as investigações locais dos assassinatos dessa lista de vítimas, “além de morosa, foram inconclusivas e insuficientes para punir os responsáveis, seja pela corrupção de agentes públicos ou pelo sucateamento dos instrumentos de segurança pública e investigação do Estado.”


“Tal cenário demonstra a incapacidade da esfera estadual em oferecer resposta pronta, efetiva e eficaz aos crimes, com sério risco de responsabilização perante a comunidade internacional protetiva de direitos humanos.”



O MPF alertou para a existência e o desenvolvimento de organizações criminosas que atuam em benefício de grupos mais fortes, visando a manter o controle sobre as terras. O Poder Judiciário tem conhecimento da situação, tanto que reverteu um cenário aterrorizante – com mortes de ambos os lados – ao punir policiais militares a serviço de fazendeiros.

De acordo com a decisão do STJ, o pedido apresentado pelo MPF preenche todos os requisitos de ordem constitucional e legal para o deslocamento de competência da esfera estadual para a federal. Entre eles, “a grave violação de direitos humanos, a possibilidade de responsabilização do Brasil em razão de descumprimento de obrigações contraídas em tratados internacionais e a incapacidade de órgãos locais darem respostas efetivas às demandas.”

A transferência de investigações ou processos para a Justiça Federal visa, ainda, a garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo País nos tratados internacionais de direitos humanos.



Grupos paramilitares

Em novembro de 2022, o jornal “Resistência Camponesa” informava a respeito de uma operação das polícias civil e federal e do Ministério Público comprovando antigas denúncias do movimento camponês em Rondônia: a existência de grupos paramilitares fortemente armados, a soldo do latifúndio, envolvendo policiais e pistoleiros.

Com isso, conforme publicava o jornal, cinco mandados de prisão preventiva, dentre eles um advogado, foram cumpridos. Também foram executados um mandado de “afastamento de função pública” e 32 mandados de buscas em Porto Velho, Ariquemes, Vilhena, Cassilândia (MS) e Brasília (DF).

A investigação surpreendeu políticos e a seccional de Rondônia da Ordem dos Advogados do Brasil, que ainda estava incrédula no tamanho do estrago provocado pelo latifúndio armado.

Segundo a investigação, os envolvidos – dentre os quais estão policiais militares, policiais civis, delegados da Polícia Civil e pistoleiros – foram pagos e estavam a serviço da empresa Leme Empreendimentos Ltda, de propriedade de Antônio Martins, o “Galo Velho”, denunciado sucessivas vezes por camponeses, desde Jaru, como “um conhecido e criminoso grileiro de terras públicas”.

Os grupos armados do latifúndio, nesse caso, atuaram ampla e impunemente contra a Área Tiago Campin dos Santos, que ocupou as terras da empresa do “Galo Velho”, em Nova Mutum-Paraná, próximo à BR-364, no sentido Acre.

Em novembro de 2021, uma grande operação policial nacional com mais de dois mil homens foi organizada para expulsar mais de 800 famílias camponesas. Ainda conforme o Ministério Público, jagunços a serviço do grileiro cometiam abusos cometiam abusos e execuções sumárias usando armamento e viaturas oficiais.

“O grupo ainda lavava dinheiro e fraudava processos judiciais de desapropriação de terras. A partir do afastamento do sigilo bancário dos investigados foi possível identificar movimentações financeiras superiores a R$ 445 milhões, sendo efetivamente comprovado o pagamento de valores aos servidores contratados para a função de bando paramilitar particular do latifúndio”, publicava “Resistência Camponesa.”



Um agosto pesado

Em 3 de agosto, um casal de camponeses foi assassinado a sangue frio dentro de sua própria casa em um ataque feito por pistoleiros na comunidade rural de Ipixuna, município de Humaitá, sul do Amazonas, a 200 quilômetros de Porto Velho.

O marido era conhecido por “Fumaça”, a esposa era Cleide da Silva. Ela levou cinco tiros no peito, enquanto o marido foi executado com sete tiros no pescoço e na cabeça. Os dois estavam em casa.

Nove dias depois, em 12 de agosto, noutro ataque violento, policiais e pistoleiros estavam em um acampamento no município de Cujubim, distante 222 km de Porto Velho. Lá, eles prenderam 25 trabalhadores, apreenderam diversas motos e as incendiaram.










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