Após acabar com programa REDD, governador atua para salvar acordos com europeus
Em 2 anos, estado perdeu quase R$ 55 milhões por ultrapassar área de floresta devastada; no último quadriênio, Acre atingiu níveis recordes de desmatamento da Amazônia. Mesmo com resultados ruins, Alemanha e Reino Unido prometem manter investimentos
Fabio Pontes
Dos Varadouros de Rio Branco
DEPOIS DE passar os últimos quatro anos conduzindo uma política ambiental desastrosa que levou o Acre a emitir algumas toneladas de Dióxido de Carbono (CO2) e outros gases poluentes na atmosfera – e nas nossas venta, fazendo-nos respirar um ar altamente tóxico – o governador Gladson Cameli (PP) agora tenta correr atrás do prejuízo – em especial o financeiro. Afinal de contas, com as taxas recordes de desmatamento alcançadas pelo Acre durante o primeiro mandato do líder bolsonarista, o estado deixou de receber alguns milhões de euros e libras esterlinas em acordo com os governos da Alemanha e do Reino Unido, através de seu programa de pagamento por serviços ambientais (PSA), o REM/KFW.
Com os líderes europeus dispostos a bancar a política de reconstrução ambiental brasileira, após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência, o (ex) governador do agronegócio agora é um dos políticos mais entusiastas do pujante mercado de carbono. Cameli quer vender a quem estiver disposto a pagar todo carbono estocado pela Floresta Amazônica que ainda cobre 86% do território acreano – para a infelicidade da turma do gado.
Nestes primeiros 15 dias de julho, além de anunciar e criar a Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas, Gladson Cameli se reuniu com alemães e britânicos que aqui estiveram para avaliar os resultados da segunda fase do REM/KFW, que passou a se chamar REM-Acre. Durante a semana de realização do primeiro Fórum Indígena do Acre, um dos temas mais destacados pelo governo foi … mercado de carbono. Talvez o assunto tenha tido mais destaque do que a própria demanda de políticas indígenas.
LEIA também: do agronegócio a quase um militante indigenista
“Os indicadores comprovam que estamos combatendo e diminuindo o desmatamento das nossas florestas. O governo entende a importância que o nosso estado representa para a continuidade das futuras gerações e a presença dessa missão internacional no Acre nos motiva ainda mais a superar os desafios que temos pela frente”, disse Cameli aos investidores internacionais. A afirmação, obviamente, foi para inglês e alemão ouvir.
O Acre foi um dos estados pioneiros na implementação de seu programa de pagamento por serviços ambientais, ou pagamento por compensações ambientais, mecanismo mundialmente conhecido pela sigla em inglês REDD, ou REDD+. Por este sistema, as maiores potências poluidoras do mundo, e que mais contribuem para o nosso desastre climático, enviam dinheiro a países e governos regionais para evitar o colapso completo do clima na Terra, pagando pela manutenção das florestas tropicais. No Acre, a política REDD começou a ser desenhada no governo petista de Binho Marques (2007-2010), colocada em prática a partir da gestão Tião Viana (2011-2018). Por aqui, ganhou o nome de REM-KFW, em referência ao banco alemão de fomento KFW.
Apesar de Gladson Cameli falar em controle do desmatamento, os dados oficiais do Inpe mostram o inverso. Desde 2019 as taxas de desmatamento do Acre não param de subir. Entre 2019 e 2022, a área de floresta derrubada no estado ultrapassou os 3.000 km2. Apenas em 2021, o Acre viu sumir quase 900 km2 de Amazônia – o pior resultado em 15 anos. Portanto, como se observa, não há muito o que comemorar reduções. É verdade que em 2018, último ano de Tião Viana (PT), os números começaram a subir. Aquele era o período de ascensão da extrema-direita no Acre e no país.
Qual fonte de dados o governo usa para falar em controle da devastação? O único sinal de queda começou agora em 2023, com a política do “Ibama voltou” de Lula. Mesmo assim, em toda a Amazônia, durante o primeiro trimestre, os dados foram preocupantes. Portanto, se houve alguma melhora nas quedas de áreas derrubadas o mérito pode ser atribuído ao Planalto Central.
Em abril do ano passado, solicitei ao governo informações sobre valores recebidos através do programa REM-Acre. Na primeira fase do projeto, executado entre 2012 a 2018, foram 25 milhões de euros captados – um valor superior a pouco mais de R$ 130 milhões. Naquela primeira etapa, apenas a Alemanha, por meio de seu banco de fomento KFW, fazia parte.
Em 2018, o programa REM começou uma segunda fase, com a adesão do Reino Unido, e o valor celebrado aumentou. Berlim injetaria 10 milhões de euros, e Londres outros 17,84 milhões de libras. Com as conversões das duas moedas para nosso pobre real, o Acre poderia contar com R$ 170 milhões em caixa. Um dinheiro que cairia de mão beijada. Bastaria apenas o governo fazer o simples dever de casa de proteger a Amazônia.
Todavia, a partir de 2018 o Acre foi chacoalhado por um tsunami bolsonarista que expurgou o PT do poder, levando Gladson Cameli e sua promessa de flexibilizar a política ambiental para fazer do agronegócio o carro-chefe da nossa economia. Seria a versão atualizada da bovinização do Acre denunciada pelo Varadouro entre as décadas de 1970 e 1980, e que tanta miséria e violência trouxe ao Acre.
Agora, além do boi, há a sojanização e a rondonização, com a “importação” da indústria da grilagem de terras públicas de nosso estado vizinho, encontrando um ambiente propício para operar do lado de cá do Madeira. A Resex Chico Mendes foi uma das regiões mais afetadas com a compra de terras por pessoas vindas de Rondõnia.
O resultado está exposto nos números do Inpe acima, e na perda de dinheiro. Com o governo do agronegócio de Cameli, o Acre ultrapassou todos os tetos de desmatamento estabelecidos com os europeus no contrato REM. Pelo acordo, a tolerância de área desmatada é de 330 km2 por ano. Se tal limite for ultrapassado, o governo não recebe os repasses. Logo no primeiro ano de bolsonarismo no poder – lá em Brasília e cá na floresta – o Acre devastou 682 km2 de mata virgem. Um desastre ambiental – e econômico para os cofres públicos.
Vale ainda lembrar, que como um de seus primeiros atos de ofício, Gladson Cameli extinguiu o Instituto de Mudanças Climáticas, o IMC, órgão responsável por fazer a gestão do programa REM e dos milhões de euros que os europeus estavam dispostos a enviar para cá. Acabar com o IMC foi a forma encontrada pelo bolsonarista de iniciar a destruição da política ambiental do Acre – definida por seu grupo como uma “herança maldita” das gestões petistas, e que tantos entraves ocasionaram ao “progresso do agronegócio”.
Vendo a lambança que fez, Cameli precisou recriar o IMC e, de imediato, fez uma de suas coisas preferidas: viajar. Correu até a Alemanha para pedir desculpas e afirmar que seu governo estava comprometido com a preservação da floresta. Pura balela. Na prática, ele conduziu sua própria política de deixar a boiada passar, seguindo à risca a cartilha de Ricardo Salles e Jair Bolsonaro.
Apenas por não cumprir os limites de área desmatada entre 2018 e 2019, o Acre deixou de ganhar quase R$ 55 milhões – considerando as flutuações de câmbio. Naquele ano de 2022, o governo não me informou a perda de recursos relacionados a 2020 e 2021, quando o desmatamento foi ainda maior. Como se pode ver, fazer negócio com o governo Cameli não foi a melhor das opções para britânicos e alemães.
Mesmo com todos os resultados desastrosos, os europeus demonstram disposição em renovar o programa REM-Acre durante suas estadias por aqui no começo do mês. Prometeram liberar mais 11,6 milhões de euros entre 2023 e 2024 – isso se o Acre assegurar a manutenção da floresta em pé. Os patrocinadores da política de pagamento por compensação ambiental do estado sinalizam estar dispostos a dar uma chance ao desgoverno de Cameli.
Talvez a posse de Lula na Presidência seja vista como uma salvaguarda para o Acre também retomar a sua agenda de proteção ambiental. Desde a transição de poder apos as eleições de 2022, o bolsonarista acreano se apresenta como o mais sustentável dos governadores na Amazônia Legal – apenas aparência. Se Bolsonaro tivesse sido reeleito, o futuro da Amazônia ficaria ainda mais encoberto pela fumaça tóxica que cobriu os nossos céus de 2019 para cá – e não haveria euros suficientes para amenizar os estragos para a nossa sobrevivência aqui neste canto do planeta.
O jornalismo alternativo e independente da Amazônia precisa de sua ajuda para sobreviver