FOGO NO ALTO JURUÁ

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Marechal Thaumaturgo lidera casos de incêndios florestais no Acre em 2023

Fogo na floresta: incêndio florestal registrado em Marechal Thaumaturgo em 2020; desmatamento e fogo avança sobre santuário da Amazônia (Foto: Arisson Jardim/Cedida)



Entre as unidades federais de conservação, a Reserva Extrativista (Resex) Alto Juruá é a segunda com mais registro de focos de incêndio. Em seguida está o Parque Nacional da Serra do Divisor e a Resex Riozinho da Liberdade, todas no Vale do Juruá. Análises apontam a expansão do arco do desmatamento para uma das regiões mais bem preservadas da Amazônia

Dos varadouros de Rio Branco

O isolamento geográfico de Marechal Thaumaturgo no Alto Rio Juruá, extremo-oeste do Acre, não tem sido uma barreira para evitar os impactos das ações humanas sobre uma das regiões mais bem preservadas da Amazônia. Os efeitos das mudanças climáticas, com a elevação das temperaturas e a redução do volume de chuvas, acabam por agravar ainda mais a situação. A mortandade de peixes ocorrida no começo de outubro no rio Amônia pode ser uma das consequências das alterações ambientais ocorridas nos últimos anos no Vale do Juruá – seja pela ação humana (desmatamento e queimadas) ou da própria natureza.

E os impactos agora podem ser notados através dos dados científicos. Entre janeiro e setembro de 2023, Marechal Thaumaturgo foi o município acreano com o maior registro de incêndios florestais. Dos 403 hectares de cicatrizes de incêndios florestais detectados até o fim do mês passado no Acre, quase 160 foram em Marechal Thaumaturgo. Já outros 60 hectares de fogo dentro da floresta ocorreram no vizinho Porto Walter, também localizado no Alto Rio Juruá.

Dos 133 mil hectares de cicatrizes de fogo (queimadas e incêndios florestais) observados no Acre ao longo do ano, pelo menos cinco mil estão dentro dos limites de Marechal Thaumaturgo. Entre os 22 municípios acreanos, ficou na oitava posição com os maiores registros de áreas queimadas. Dos cinco municípios do Vale do Juruá, Marechal Thaumaturgo só fica atrás de Cruzeiro do Sul, a capital do Juruá, com quase 10.000 hectares de área queimada. Também com quase cinco mil hectares de “rastro do fogo” está Rodrigues Alves.

Dos 10 municípios do estado com mais cicatrizes, três são do Vale do Juruá, revelando a expansão do arco do desmatamento para a região extremo-oeste da Amazônia. Todos estes números fazem parte do mais recente Relatório de Alerta de Queimadas, elaborado pelo Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (Labgama), da Universidade Federal do Acre (Ufac), em Cruzeiro do Sul.

Quando se analisam os dados do programa BD Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o cenário também é preocupante. Por exemplo, Cruzeiro do Sul aparece como o terceiro município com o maior registro de focos de queimada em 2023: 511. A capital do Juruá supera até mesmo Rio Branco e Sena Madureira, municípios que sempre ocuparam o topo do ranking nos últimos anos.

Entre as unidades federais de conservação, a Reserva Extrativista (Resex) Alto Juruá é a segunda com mais registro de focos: 141, ou 15% dos 943 focos detectados até 12 de outubro. Em terceiro lugar com mais registro está o Parque Nacional da Serra do Divisor (94 focos), seguido pela Resex Riozinho da Liberdade (50 focos). Todas as três áreas protegidas estão no Vale do Juruá.

Antes concentrada na região leste do estado, no Alto e Baixo Acre, aos poucos a devastação da floresta se expande para o Juruá. Nos últimos quatro anos, os municípios localizados no meio do caminho entre os Vales do Juruá e Acre – nos Vales do Purus e Envira/Tarauacá – foram os recordistas em desmatamento e fogo, com destaque (péssimo) para Feijó e Tarauacá.

“O Vale do Juruá vai se mostrando como uma expansão desta nova fronteira agrícola na Amazônia, que começou entre Manoel Urbano e Feijó, até Tarauacá, e essa fronteira continua se expandindo. O que antes estava concentrado no leste do Acre, com as maiores taxas de tudo, agora está se voltando pra cá”, diz Sonaira Silva, pesquisadora e coordenadora do Labgama, no Campus Floresta, em Cruzeiro do Sul.

Além desta migração agrícola, Sonaira Silva aponta as condições climáticas como agravantes sobre o ambiente natural da região. De acordo com ela, desde o começo do ano alertas já eram emitidos para a situação de redução do nível de chuvas para Marechal Thaumaturgo, Porto Walter e Jordão. “Para essa região tivemos uma seca muito forte, que culminou com o registro de incêndios florestais, que a gente não tinha observado nessas proporções, Eles são pequenos quando comparados aos da região leste do estado, mas o suficiente para ligarmos o alerta.”

O Vale do Juruá ainda é bastante pressionado por projetos de abertura de estradas e ramais, além da própria expansão da atividade agropecuária. Uma delas é o projeto de conectar Cruzeiro do Sul a Pucallpa, capital do departamento peruano de Ucayali. Outros projetos são a abertura de estradas que possam interligar os municípios isolados com Cruzeiro do Sul. Um deles é o Ramal do Barbary, que liga Porto Walter a Cruzeiro do Sul.

Os impactos da rodovia seriam devastadores para uma das regiões mais ricas em biodiversidade do mundo, e uma das mais bem conservadas da Floresta Amazônica. Durante o governo Jair Bolsonaro (PL), várias foram as tentativas de iniciar a obra a toque de caixa; a estrada é defendida pela classe empresarial e política do Juruá, incluindo o governador bolsonarista Gladson Cameli (PP).

Distante, isolado e invisível aos poucos o Alto Rio Juruá vai tendo sua riquíssima área de floresta devastada. Talvez estes sejam os fatores que exatamente garantam uma certa sensação de impunidade para quem pratica os crimes ambientais na região. A pouca (ou nenhuma) presença de órgãos estatais de proteção e fiscalização ambiental fazem com que, silenciosamente, a boiada avance sobre o Alto Juruá. E aí não importa a falta de estrada ou ramais – a boiada vai pelo rio mesmo, transportada pelas baleeiras.


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